Mais do que uma tendência, essa é uma realidade. Com as facilidades
proporcionadas pela internet e pela telefonia móvel, empresas e trabalhadores
descobriram no chamado home office uma solução mutuamente atraente. Afinal, é
uma forma de reduzir custos para as companhias e, em princípio, favorecer a
qualidade de vida do funcionário ou do prestador de serviço que transfere o
escritório para o próprio lar. Mas como fica a saúde (e o desempenho) desse
indivíduo que deixa o dia-a-dia corporativo para recriar em sua residência um
novo ambiente profissional?
A psicóloga paulistana Andrea Piscitelli, de 31 anos, consultora de recursos
humanos, diz que se reencontrou profissionalmente ao decidir trabalhar em casa.
Não sinto mais as dores de cabeça que me atormentavam quando tinha de pegar
trânsito, diz, comemorando. Hoje sou dona do meu tempo, trabalho ouvindo música,
descalça, com um incenso aceso e vestindo roupas confortáveis. Contratei até um
especialista em feng shui para garantir harmonia ao quarto que virou escritório.
O resultado, segundo a moça, é que, embora o volume de tarefas tenha aumentado,
o estresse diminuiu. Ela acredita que a flexibilidade de horário tenha feito uma
bela diferença. Como rendo mais à noite, posso reservar um horário da tarde para
tomar chá com a minha avó, por exemplo, e só depois voltar ao batente.
Nem tudo, é claro, funciona como Andrea gostaria. Um problema aparentemente
simples com o servidor do e-mail foi capaz de tirar-lhe o sono. Eu estava
aguardando uma mensagem importante, mas a assistência técnica só poderia
resolver o impasse na manhã seguinte. Não dormi direito e, preocupada, saltei da
cama quando o dia ainda estava raiando, conta a consultora. E os percalços não
param por aí. Como estou sempre online em casa, meu namorado reclama do tempo
que passo na frente do computador. Mas acho que já melhorei de uns tempos pra
cá...
A médica do trabalho Marcia Bandini nota que o home office pode ser ou não
benéfico à saúde de uma pessoa conforme as circunstâncias. Ela alerta que os
riscos mais significativos dizem respeito à saúde mental e à ergonomia. A
cadeira, a mesa e o computador precisam ser apropriados para uma pessoa que vai
passar um bom tempo sentado, sob pena de ela desenvolver males esqueléticos e
musculares, orienta. Paralelamente há os problemas de falta de organização,
planejamento e disciplina, que podem levar a um quadro importante de estresse e
a outras conseqüências psíquicas mais acentuadas.
Marcia Bandini diz que o profissional precisa se fazer algumas perguntas. Será
que sua atividade se adapta ao home office? Ele está preparado para ficar longe
dos colegas? A estrutura doméstica permite montar um escritório? Depois, vêm as
questões de organização, como estabelecer prioridades e jornada. Administrar mal
esses fatores significa sofrimento psíquico e queda de rendimento. Aí, a
proximidade da geladeira pode ser perigosa, uma vez que favorece a obesidade,
observa.
Na prática, o tempo que se ganha ao eliminar o deslocamento pode ser perdido se
a pessoa ficar refém da indisciplina. Ela fica improdutiva, descumpre prazos,
perde clientes, trabalha mais horas para compensar e vira um workaholic, ilustra
o administrador de empresas Fernando Antonio da Silva.
O home officer também se depara com o isolamento e a falta de limites entre a
vida profissional e a pessoal. O designer editorial Heraldo Galan, de 46 anos,
também de São Paulo, sabe bem o que é isso, depois de uma década de trabalho
doméstico e sem convívio. Não tenho a famosa happy hour com colegas, diz. Pai de
uma menina de 3 anos, ele finalizou projetos com prazos por vencer enquanto a
pequena chorava no colo da mãe. Também já atendi à ligação de um fornecedor às
10 da noite, justo na hora em que assistia a um filme na TV.
As adversidades fazem parte da rotina do escritório em casa, mas há casos
inconciliáveis, como o de um executivo assessorado pela consultora Priscila de
Oliveira, de São Paulo. Ele estava acostumado a grandes decisões, mas quem
cuidava da parte operacional era a secretária, lembra a psicóloga. Quando sentiu
dificuldade para resolver problemas corriqueiros, passou a descontar a irritação
na família e quase destruiu o casamento. Portanto, é preciso pesar prós e
contras antes de instalar em casa uma estação de trabalho.