Carreira / Emprego - Seja um líder completo
No início era o dom. Era ele que determinava quem seria líder no mundo
corporativo. Ou você nascia com as características de liderança (ambição,
honestidade, integridade, autoconfiança e desejo de influenciar e liderar
pessoas) ou iria passar a vida sendo liderado. Depois vieram os resultados, e aí
o novo líder precisava ser bom de gente e de números. Isso valeu até que o
primeiro líder fracassasse numa situação de caos.
Foi então que um novo elemento surgiu: o cenário.Além de ser bom com pessoas e
trazer resultado, o líder precisava dominar os inúmeros cenários de incerteza do
mundo empresarial. Chegamos ao final, certo? Errado. As empresas querem mais.
O mercado está em busca de profissionais que sejam muito mais do que líderes de
equipes. As organizações querem alguém que articule e envolva pessoas, sim. Mas
não se trata apenas de subordinados. Elas estão à procura de gente que consiga
influenciar chefes, pares e colegas de outras áreas. E que saiba exatamente por
que está fazendo isso.O líder agora vai além da gestão de pessoas para ser
efetivo na entrega de resultados, na construção de uma relação com os clientes e
com o mercado. Deve falar a língua do acionista e, principalmente, ser líder de
si mesmo. Isso significa ter um plano de carreira consistente e coerente com os
próprios valores e, claro, encontrar muito prazer no que faz. Esse é o perfil do
líder completo. 'O conceito de liderança evoluiu', diz José Valério Macucci,
professor do Ibmec São Paulo e consultor de liderança em empresas como Gerdau.
'Não se trata mais de fazer curso de gerenciamento de equipes. É preciso ir
além.'
Valério, ex-diretor de desenvolvimento de pessoas do Itaú, diz que o líder hoje,
para ser completo, precisa saber responder a cinco perguntas:
1)
Quais são os produtos e serviços que entrego e para quem?
2)
Como estabeleço relações de identidade com meus clientes?
3)
Quais resultados dou?
4)
Sou um exemplo e uma referência na gestão de pessoas (não apenas na minha
equipe)?
5)
Qual o meu ponto de equilíbrio, sou dono da minha agenda?
Se você tem essas respostas, está no caminho certo. Agora, se não tem ou sua
empresa só oferece treinamentos focados exclusivamente em como gerenciar
equipes, é bom você mesmo fazer a lição de casa.'Não é a mão de Deus que vai
torná-lo líder', diz o consultor Pedro Mandelli.'Liderança é matéria de estudo, é preciso estudar e aprender como se tornar um
líder no contexto atual.'O ponto de partida é compreender bem esse conjunto de
competências que o mundo corporativo vem exigindo. Veja como você pode ser
completo em cada uma delas:
Produtos e serviços
Você sabe exatamente o que sua empresa faz? Isso está além de responder:
celular, carro ou alimento. Por trás do produto e dos serviços há um conceito.
Qual o exercício a ser feito? Fuçar. Comece articulando conversas com pessoas de
outras áreas para saber qual a parte delas no todo. Quando fechar esse ciclo,
estude o seu mercado. Saiba o que e como a concorrência faz o mesmo produto e
serviço, e trabalhe para ser melhor, levando idéias para as pessoas.Clientes
Se você já conhece bem o que faz na empresa, é hora de cultivar o cliente, seja
lá qual for sua área.Mais do que telefonar uma vez por semana, é necessário
manter um relacionamento mesmo. Sabe a história do networking que você deve
manter e cultivar porque nunca se sabe o dia de amanhã? Então, aqui vale o
mesmo. Cliente precisa ser cultivado o tempo todo. É dele que você vai tirar o
que precisa melhorar no seu negócio, o que precisa desenvolver e o que a
concorrência está fazendo.
Resultados
A entrega de resultados depende de um processo anterior, chamado negociação.
Estude bem seu negócio (e o histórico do seu negócio) antes de negociar as
metas. O exercício aqui é conhecer bem em que você trabalha e, principalmente, o
seu mercado. Não dá para estabelecer metas altíssimas quando o cenário for
pessimista. Para isso, tem que estudar o negócio globalmente. O líder completo
não pensa no resultado local, mas no resultado global. Ele sabe para onde vai a
empresa no mundo e, antes de bater sua meta, pensa como aquele resultado vai
afetar o todo da companhia.Gestão de pessoas
Vá além da sua equipe. Ser exemplo na gestão de pessoas não significa ser um bom
chefe apenas, e sim se envolver com outras áreas da empresa. Faça suas idéias
chegarem a outros ouvidos além da sua unidade de negócios. Circule no ambiente
de trabalho, entenda o dia-adia dos outros e conduza os times de diferentes
áreas para um lugar comum.Líder de si mesmo
As empresas buscam alguém que saiba exatamente o que quer. E isso é ser líder de
si mesmo. É preciso saber equilibrar bem vida profissional e pessoal e encarar o
trabalho como um prazer, não um fardo. Segundo os especialistas, apenas quem tem
equilíbrio emocional e é feliz é capaz de criar bons ambientes no escritório,
impulsionando o time a fazer o melhor da melhor forma. Seja dono da sua agenda,
estabeleça o que é urgente, negocie, se for preciso, horários flexíveis.Assimiladas essas competências, é preciso alinhá- las. 'Não adianta ser um ótimo
articulador de pessoas se não trouxer resultados. E não adianta trazer
resultados se não conhecer bem o negócio todo', diz Magui Lins de Castro, sócia-
diretora da Southmark, empresa de contratação de executivos de alto escalão, de
São Paulo. Ninguém pretende que você seja um superherói em seu desempenho. Está
claro que todo profissional vai ser melhor em uma competência do que em outra. E
ao longo de sua carreira, a partir de escolhas conscientes, você vai aprimorar o
que tem de bom e desenvolver o que tem de mais fraco. O que as empresas querem é
alguém que tenha essa noção de conjunto e saiba equilibrar as competências, os
desafios do cargo e os do negócio.
Aqui vale lembrar que, mesmo desejando um líder completo, as empresas criam a
identidade de seus líderes exigindo mais uma competência do que outra. Isso faz
com que, por mais competente que um profissional seja, ele pode ser ótimo em uma
empresa e não tão bom em outra. Cabe a você, portanto, saber qual companhia casa
mais com seus próprios valores e seu momento de carreira antes de assumir novos
desafios. Para o especialista em liderança George Kolrieser, só sabendo
controlar suas emoções é que você será capaz de entender e influenciar os outros
para criar um clima de cooperação e confiança no trabalho. George é professor de
comportamento organizacional do International Institute for Management
Development (IMD), de Lausanne, na Suíça.
Algumas
companhias já têm líderes com esse perfil e mantêm programas para treinar seus
talentos em todas as dimensões citadas anteriormente: pessoas, resultados,
cultura do negócio e relacionamento com o mercado. VOCÊ S/A ouviu seis empresas
que estão na ponta. A IBM, por exemplo, nutre essa preocupação antes mesmo de o
profissional atingir um cargo de gerente. Os trainees que são identificados como
potenciais líderes são orientados para chegar ao topo de acordo com os valores
da empresa. Por meio de treinamentos, a IBM desenvolve as competências que ela
considera fundamentais para o negócio, como foco em estratégia, gestão de
pessoas, ética, conhecimento do negócio global e do cliente. 'Eles participam de
workshops, palestras, programas e-learning e presenciais, e por fim há um
feedback para todos sobre seu desempenho', diz Luana de Matos, gerente de
desenvolvimento da IBM. Depois disso, o profissional ainda passa por um processo
de mentoring, no qual um executivo sênior orienta seus próximos passos.
Evolução do líder corporativo
De 1950 pra cá, o conceito de liderança evoluiu no mundo todo.Veja a seguir
quais as características do antigo líder até o atual e veja se você está mais
para um líder nato ou um líder completo:
1950-1970 |
1970-1980 |
1980-1990 |
Anos 2000 |
Líder nato |
Líder comportamental |
Líder situacional |
Líder completo |
Nessa época, acreditava-se que alguns profissionais nasciam com o dom de
liderar. Suas características são: ambição, integridade, autoconfiança e
profundo conhecimento técnico. Embora há ainda quem acredite nisso, os
especialistas dizem que esse conceito é um mito. |
Aqui surgem os líderes voltados para resultados e os para pessoas. Essa teoria
deu origem ao Managerial Grid (grade gerencial), que classifica as pessoas em
eixos (produção x pessoas). Daí nasceram rótulos como 9/9 (nota máxima em
resultado e em gestão de equipes). Já o 1/1 era fracasso total. |
Detectaram-se falhas no modelo anterior. Um líder 9/9 acabou levando uma empresa
à ruína, enquanto o 1/1 levantou um negócio de forma brilhante. O que fez a
diferença? A situação. O líder situacional surge porque traz resultados num
cenário específico, desenvolvendo pessoas. |
Agora, o conceito de liderança exige nova postura profissional. O líder traz
resultados, constrói relação com clientes e mercado, fala a língua do acionista,
é exemplo na gestão de pessoas (subordinados, chefes, pares e colegas de outras
áreas). E é líder de si mesmo. |
Sem pressa de
crescer
Mas não é só de dentro que nasce essa liderança. Ela vem também de pessoas
recém-contratadas. Dos seus 11 000 funcionários, a IBM conta hoje com 750
gerentes. Desses, 30% tem menos de 11 meses no cargo. Foram promovidos ou
recrutados no mercado exatamente por demonstrarem ter as competências exigidas
ao novo modelo de líder. Um deles é o engenheiro paulista Antonio Zubieta Alves,
de 35 anos, que acaba de ser contratado como gerente de consultoria da IBM,
depois de receber mais três propostas de emprego. Engenheiro agrônomo, Antonio
passou por empresas bem diferentes, como Schincariol, Avon, Itaú e Vivo.Na Schincariol, Antonio começou como trainee no laboratório e no final do
terceiro ano de casa migrou para a área de RH. Foi nessa área que atuou nas
empresas seguintes até ser fisgado pela IBM no mês passado. Ele vai tocar
projetos demandados pelos clientes da empresa. Em cada companhia por onde
passou, Antonio teve duas preocupações contínuas: 'Tudo que eu falo e faço
precisa ter coerência com meus valores' e 'Não tenho pressa em crescer'. Com
essas duas premissas na cabeça, ele dá mostras de que quem lidera sua vida - e
sua carreira - é ele mesmo.
Antes de ir para a IBM, Antonio estudou bem a empresa e só disse estar preparado
para assumir o desafio porque, além da área de consultoria encantá-lo, se
identifica com os valores da organização: 'É uma empresa que incentiva o
autodesenvolvimento de seus profissionais, além de ser ética e ter um claro
compromisso com o cliente', diz. Valério, do Ibmec-SP, foi seu chefe no Itaú e
afirma que o executivo desenvolveu bem as dimensões do líder completo. 'O
Antonio é um profissional que cria valor para o cliente interno, busca
alternativas de produtos e serviços, é focado em resultados a ponto de apoiar a
equipe a buscar as metas que a empresa traçou. É um bom exemplo para seus pares
e demonstra ter um equilíbrio de vida bem interessante', diz Valério. Antonio é
mais modesto.' Tenho consciência dessas cinco dimensões, mas sei que preciso
desenvolver e aprender mais, principalmente no ponto de gestão de pessoas', diz.
'Embora todas as competências sejam exigidas, uma delas sempre vai pesar mais,
dependendo do negócio. É a cultura da empresa que dita as regras de como você
vai exercer sua liderança.'Ele tem razão. As empresas que estão à frente trabalham o conceito de líder
completo considerando sua cultura, constituindo um estilo de liderança próprio.
É o caso da Intelig, que, há quatro anos, mantém uma gestão colegiada. Em vez de
um presidente, a empresa conta com três executivos, denominados
gerentes-delegados. 'Desenvolvemos nossos futuros líderes baseados nessa gestão
e, por isso, replicamos esse modelo para baixo', diz Marco Aurélio de Souza, um
dos gerentes-delegados. Todas as decisões da Intelig são avaliadas pelo trio.
Passar esse modelo para baixo significa, segundo Marco Aurélio, estimular
constantemente a troca de idéias entre os pares e subordinados para chegar à
melhor solução.
Gestão de nós mesmosNa Johnson & Johnson Produtos Profissionais, um dos pontos mais importantes para
ser um líder é ter aquele autoconhecimento e autocontrole citados pelo professor
do IMD.'Quando se fala em liderança, esquecemos do mais importante, a gestão de
nós mesmos', diz José Luiz Weiss, diretor de RH da companhia.'É fundamental ter
um equilíbrio na vida pessoal e profissional para trazer resultados de uma forma
saudável.' A empresa estimula seus profissionais a sair no horário e aproveitar
a vida fora do escritório.O mineiro Haroldo Junqueira, de 38 anos, diretor de
supply chain e planning para a América Latina da J&J leva essas recomendações ao
pé da letra.
Adepto do equilíbrio no dia-a-dia, Haroldo costuma dizer que não adianta tirar
férias de 30 dias para resolver se libertar do estresse.'Isso é um exercício que
deve ser praticado diariamente', afirma.Mesmo trabalhando bastante, ele se
mantém bem praticando atividades físicas, promovendo happy hours com a equipe e
fazendo escaladas. Além de ser líder da sua própria vida, ele tem outras
características importantes do líder completo. Seu trabalho exige o envolvimento
constante com outras áreas e ele busca sempre entender o que cada um faz na
empresa, para levar a melhor solução para o cliente, mantendo um eficiente
relacionamento com chefes, equipe e pares.Para fechar o rol de competências, Haroldo trabalha pensando além de sua unidade
de negócios e até da operação brasileira. Ele tem cabeça de acionista (até
porque é um deles). 'Às vezes, a melhor decisão para o Brasil não é a melhor
decisão para o grupo, e é no grupo que eu penso quando tenho que bater
resultados locais', diz.Um exemplo disso é quando reduz custos. Um novo projeto
para o Brasil pode ser interessante para a região, mas pode não significar nada
globalmente além de despesas.
Por isso, tão importante quanto trazer resultados é ter claro como você consegue
atingi-los. Pesa aqui o relacionamento e o equilíbrio emocional. Não adianta
chegar ao final de cada trimestre com olheiras, sem energia, parecendo que vai
desmoronar. A General Electric, por exemplo, faz avaliações anuais para medir
como seus líderes chegam aos resultados. 'Mais do que entregar números, os
líderes precisam se conectar bem com os funcionários, respeitar as diferenças,
engajar e motivar em ambientes diversos', diz Carlos Griner, diretor de RH para
a América Latina da GE. 'Ele também deve ter capacidade de entregar resultados
em diferentes áreas, trabalhando com equipes diversas', afirma Vera Durante,
diretora de RH da Unilever.São muitas exigências para se tornar o líder que as empresas querem? Sim, são
mesmo. Essa é a regra do jogo atualmente. Vale dizer outra vez que, se você
ainda não tem as cinco dimensões do líder completo bem desenvolvidas, vá com
calma e parta para reforçar uma de cada vez. As organizações estão cientes de
que precisam moldar suas lideranças. Entrevistamos dois executivos que estão
nesse processo de aprendizado. O administrador de empresas paulista Kleber
Assanti, de 33 anos, gerente de compras da Arvin Meritor do Brasil, fabricante
de autopeças, e o analista de sistemas Caio Briski, 30 anos, gerente de suporte
da IBM.
No caso da Arvin Meritor, o foco é no relacionamento de pessoas.'Eu tenho que
'vender' para a equipe o nosso negócio e o que temos de fazer para atingir os
resultados', diz Kleber. 'Por isso, o relacionamento é o foco.' Além de bancar
quase integralmente o MBA em Gestão Empresarial na Fundação Instituto de
Administração (FIA), de São Paulo, a Arvin Meritor oferece treinamento como o
workshop do psicoterapeuta Paulo Gaudêncio sobre como usar a agressividade no
papel profissional. Em contrapartida, avalia constantemente a performance de
Kleber para saber se ele está no caminho certo.O mesmo ritual de treinamento e acompanhamento é feito com Caio, que entrou há
nove anos na IBM como estagiário e praticamente recebeu uma promoção a cada ano.
Enquanto Caio ganha prêmios pelo seu desempenho, a IBM fica de olho para checar
se suas competências estão alinhadas à cultura da empresa. Ele conta até mesmo
com uma mentora. Um dos pontos que Caio está bem atento em desenvolver é seu
lado inovador. Ele sabe, e você também deve ter isso claro, que sem esforço e
parceria com a empresa e seus colegas a liderança nunca estará completa.
Auto-retrato do líder
Pesquisa exclusiva da FGV-RJ com 100 presidentes de empresas nacionais e
estrangeiras revela o perfil do líder brasileiro e seus principais desafios no
dia-a-dia do negócio:
PERFIL
- É formado em engenharia - 58%
- Tem experiência profissional no exterior - 52%
- Tem idade entre 46 e 50 anos - 29%
- Assumiu o cargo por volta dos 41 anos - 33%
- Trabalha em média 11 horas por dia - 47%
- Remuneração:33 300 reais por mês - 77%
- É casado - 90%
- Tem filhos - 95%
- Joga tênis como principal hobby - 25%
- Prepara alguém para sucedê-lo - 73%
- Pensa em se aposentar com 60 anos - 30%
DESAFIOS- Atrair, treinar
e reter os melhores talentos - 45%
- Manter um clima de alta performance - 45%
- Alinhar visão,
estratégia e comportamento - 38%
- Conciliar metas ao planejamento sustentável da empresa - 35%
- Pensar e
planejar estrategicamente - 31%
- Atender às
expectativas de vários públicos (clientes, funcionários e fornecedores) - 29%
- Estimular a
inovação na empresa - 22%
- Aumentar a
satisfação do cliente - 18%
- Equilibrar a
vida pessoal e o trabalho - 15%
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