Procura-se executivo com boa formação, experiência em planejamento
estratégico, parcerias, captação de recursos e visão sistêmica. Esse é o perfil
do novo profissional do Terceiro Setor. Muito além do técnico, do especialista
ou do aposentado que busca uma segunda carreira, a área vem de fato se
profissionalizando.
“De uns dois anos para cá, o Terceiro Setor vem necessitando de uma
organização”, diz Denys Monteiro, sócio da Fesa Global Recruiters, empresa que
recruta executivos em São Paulo. “Sai o perfil do poeta e entra o do executivo
mesmo, acostumado a liderar projetos.”
O engenheiro paulista David Saad, de 34 anos, diretor executivo da Fundação
Victor Civita, entidade voltada para o aperfeiçoamento do professor brasileiro,
pertencente ao Grupo Abril (que publica VOCÊ S/A), é um exemplo desse movimento
de profissionalização. Formado em engenharia de produção pela Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo, trabalhou sete anos na consultoria Accenture, foi
gerente na Promon e diretor no Expand Group.Além de ter a experiência em gestão
de negócios, David nutria o desejo de trabalhar numa área nova.“Desde a época da
Promon, eu já comecei a me interessar pelo trabalho no Terceiro Setor”, diz
David. “Você passa a buscar um significado maior para aquilo que faz no
dia-a-dia.”
Há dois anos na Fundação, David diz usar praticamente toda sua experiência do
mundo corporativo tradicional na hora de avaliar e coordenar projetos, traçar
alianças e medir o retorno das ações da instituição. “Há patrocinadores
envolvidos no negócio que, assim como os acionistas do mundo privado, querem ver
o retorno dos projetos”, explica. “À medida que o negócio se estrutura, ele
deixa de ser assistencialista e passa a precisar não só dos especialistas, mas
de administradores gerais.” Isso envolve reuniões, planejamento estratégico,
análise de viabilidade e retorno do investimento.
Mais do que vocação
Sim, a linguagem do Terceiro Setor passou a ser essa. Esqueça aquela história de
fazer o bem por fazer o bem. Por isso mesmo, David alerta: não se trabalha
menos. Aliás, ter uma carga menor de trabalho é um dos mitos que envolve esse
mundo.O outro é achar que basta sentir uma leve vocação para fazer o bem para
aceitar um possível convite. Não é por aí. Ao migrar para essa área, você pode
ter de lidar com muitos aspectos e situações que não condizem com seu perfil,
tais como:
1) Públicos muito diferentes do que está acostumado a tratar — de crianças
pobres no interior de Sergipe a comunidades indígenas do Norte.
2) Seu salário pode diminuir.
3) Sua carreira pode ser um pouco mais lenta.
4) Você vai trabalhar muito.
Por isso, antes de migrar definitivamente para o Terceiro Setor, o administrador
de empresas paulista Lárcio Benedetti, de 37 anos, gerente de desenvolvimento
cultural do Instituto Votorantim, pesou muito a decisão. Ele deixou para trás
duas gigantes multinacionais a Accenture e a Colgate Palmolive para assumir (com
um salário menor) a gerência de planejamento de uma agência de comunicação
especializada em patrocínio empresarial, que na época tinha apenas oito
funcionários. Estava ainda no mundo privado, mas já começava a sentir como seria
trabalhar do outro lado. E tomou gostou pela coisa.
Ao trabalhar para o Grupo Votorantim há um ano, Lárcio acabou recebendo o
convite da empresa para tocar a gerência do instituto. Ele coordena todos os
projetos que o grupo apóia da fase de análise até a pós-implementação. A
mudança, dessa vez, não implicou uma redução salarial e conta até com um plano
de carreira. “As fundações e institutos que são ligados às empresas privadas vêm
oferecendo boas oportunidades por contar com uma política organizada”, afirma
Renata Fillippi Lindquist, sócia-diretora da Mariaca/Intersearch, unidade
responsável por recrutamento de executivos, em São Paulo.
Aposte nas fundações
Há realmente uma oferta interessante de trabalho nesses braços das empresas
privadas que trabalham no Terceiro Setor. Muitos deles já têm algumas políticas
das empresas-mãe, como a gestão de recursos humanos e toda a infra-estrutura de
trabalho. Isso faz com que o poder de atração dessa ala do Terceiro Setor seja
maior aos olhos do executivo. É assim na Fundação Victor Civita e no Instituto
Votorantim. Esses “braços” contam também com uma vantagem um banco de talentos à
disposição, que está no seu próprio mundo privado.
Foi dessa forma que a mineira Renata Pereira, de 36 anos, responsável por
captação de recursos da Care Brasil, uma das cinco maiores ONGs do mundo,
voltada ao combate à pobreza, foi parar no Terceiro Setor. Renata trabalhou por
mais de cinco anos no BankBoston. Era da equipe que atuava com o então
presidente do banco Henrique Meirelles, atual presidente do Banco Central.
Depois dessa experiência, ela começou a passar por aquela fase de pensar no real
sentido do seu trabalho.
Não ficou só no pensamento. “Entrei em contato com alguns projetos e comecei a
sentir necessidade de usar a minha experiência para algo maior.” Ao manifestar
suas intenções no banco, ela migrou primeiramente para o próprio Instituto
BankBoston. Ali, ficou apenas seis meses até ser fisgada pela Care, que já teve
como principal executiva no Brasil a paulista Vânia Ferro, ex-presidente da
3COM. Hoje,Renata usa toda a sua experiência de “articuladora de alianças” em
prol dos projetos da ONG.E engrossa as estatísticas dos executivos que andam
construindo uma carreira do bem.