Consumidor - Supermercado pode impor quantidade?
Embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) especifique em seu artigo 39,
inciso I, que o fornecedor de produtos e serviços não pode impor limites
quantitativos ao consumidor, não há regulamentação que obrigue os supermercados
a venderem produtos de forma fracionada, ou seja, em vez de comercializarem, por
exemplo, a bandeja inteira de iogurte, vendê-lo por unidade. Por isso, as
opiniões entre os especialistas de defesa do consumidor são divergentes.
Para a diretora do Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais, Lúcia Pacífico,
a venda fracionada deve ser permitida. “E quem não tem dinheiro ou não quer
comprar todo o pacote, fica privado de adquiri-lo?”, questiona.
Já o advogado especializado em Defesa do Consumidor, Marcelo Sodré, acha que
deve prevalecer o bom senso. “O supermercado não pode ser prejudicado. O
fracionamento da embalagem de um quilo de arroz, por exemplo, lesará o
estabelecimento, pois não poderá mais vendê-lo, uma vez que seu pacote estará
violado”, define.
Legal ou não, o fracionamento, na opinião de Luiz Fernando Silva, assessor
jurídico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idecon), só deve ser
permitido quando as informações nutricionais do produto constarem de todas as
unidades. “Caso contrário, desrespeita-se um dos direitos básicos do consumidor,
assegurado pelo artigo 6º do CDC: o da informação clara e adequada.”
Procedimento abusivo
O advogado Carlos César Coelho quis comprar somente dois Danettes em uma loja do
supermercado Pão de Açúcar e não quatro, como estava embalado. “A atendente do
caixa informou-me que a venda era possível, mas só mediante autorização do
gerente. Como já era tarde da noite, não quis esperar e desisti de levar o doce.
Acho que esse procedimento deveria ser mais simples”, opina.
A explicação do Pão de Açúcar para a demora foi que “para esse tipo de venda é
necessário transferir os códigos de barra, que estão em uma só unidade, para
todas as outras, além de dividir o valor do produto.”
Marcelo Sodré, no entanto, desaprova a justificativa do estabelecimento. “A
partir do momento em que se oferece a venda fracionada é dever do ponto-de-venda
criar mecanismos para agilizá-la. O consumidor não deve esperar para que a venda
seja autorizada”, defende.
Já a negativa da venda, em algumas situações, segundo ele, pode ser encarada
como abusiva pelo artigo 39 do CDC. “É o caso do consumidor que sempre comprou
um produto com certo número de unidades e, sem justificativa técnica, a empresa
altera a embalagem para um maior número de itens. Nesse caso, está caracterizada
‘a recusa de atendimento das demandas dos consumidores na conformidade com os
usos e os costumes’, que também pode ser vista como abusiva”, fundamenta.
Outra situação em que o não fracionamento pelo ponto-de-venda pode ser
considerado abusivo é quando, por conta própria, o supermercado embala unidades
de certo produto e não oferece os itens individualmente. “Fornecedores de
serviço que adotam essa conduta agem de má-fé e submetem o consumidor à
desvantagem exagerada (condenado pelo CDC), uma vez que ele perde a
possibilidade de comprar um único item”, explica Carlos Coscarelli, técnico de
Fiscalização do Procon-SP.
O que diz a Lei: |
Artigo 6o:
São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos
que apresentam. |
Artigo 39: É
vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao
fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a
limites quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na
exata medida de suas disponibilidades de estoque e, ainda, de
conformidade com os usos e costumes. |
Fonte: Código de
Defesa do Consumidor |
Recorrer ao Procon é uma
saída
O consumidor que não conseguir comprar produtos fracionados pode recorrer aos
órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, que analisará a recusa da venda e
avaliará se ela foi ou não abusiva. A Justiça, conforme Marcelo Sodré, também
pode ser procurada, mas ele alerta que recorrer a ela pode não ser interessante
se os valores envolvidos na ação forem muito pequenos. “Mas, caso seja
comprovada a abusividade por parte do supermercado” acrescenta Carlos Coscarelli,
do Procon, “o consumidor pode ser indenizado materialmente pelo ponto-de-venda.”
Quanto aos fabricantes, eles não assumem a responsabilidade sobre o
fracionamento dos produtos. “O número de unidades em cada embalagem é feito com
base em pesquisas de mercado, ou seja, na quantidade que os clientes têm
interesse em consumir”, conta a Assessoria de Imprensa da Danone. Na Yakult, o
procedimento é igual.
Paulo Arthur Goés, técnico de Proteção de Defesa do Consumidor do Procon-SP, diz
que a prática é adequada. “Os fabricantes que cumprem as determinações do Código
de Defesa do Consumidor (CDC) e estão devidamente registrados na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária têm autonomia para decidir com quantas unidades
querem comercializar seus produtos”, explica.
Mesmo com a não obrigatoriedade da venda fracionada, o que se verifica é que
grandes redes de supermercado, como o Grupo Pão de Açúcar, Sonda e Carrefour,
têm adotado esse tipo de comercialização. “Os produtos não ficam fracionados nos
expositores, mas podem ser separados se for do interesse do consumidor”, conta
Júlio César Lopes, diretor de Marketing do Sonda. O Pão de Açúcar adota o mesmo
procedimento.
Fracionamento na gôndola
As lojas Pêssego e Taboão, da rede de supermercados Carrefour, há seis meses
estão fracionando os produtos nas gôndolas. “Começamos a vender desta forma após
verificarmos que havia interesse crescente por parte dos clientes”, conta João
Vico, diretor nacional de Compras das lojas da rede.
Lopes, do Sonda, destaca que os consumidores, além de solicitarem o
fracionamento dos produtos em pontos-de-venda, devem contatar o Serviço de
Atendimento ao Consumidor (SAC) das empresas e informar a vontade de comprar
produtos em embalagens menores, pois, “sabendo que existe demanda, é possível
que as empresas façam embalagens com menos unidades”.
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