A falência é uma das áreas mais complexas do direito, incorporando elementos de
direito contratual, corporativo, fiscal e imobiliário. Nos últimos anos, muitas
grandes empresas como a Enron, a WorldCom e a Adelphia pediram falência. Apesar
de representarem somente 2% de todos os pedidos de falência nos Estados Unidos
no ano passado, as falências comerciais podem ter um grande impacto na economia,
pois pode haver muito dinheiro em jogo.
Neste artigo, explicaremos os diferentes tipos de falência de acordo com a
lei norte-americana, descobrir quem paga o quê para quem e descrever o processo
de reorganizar uma empresa e administrá-la durante a falência.
Todos os diferentes tipos de falência corporativa vêm de um problema comum -
a empresa tem mais dívidas do que pode pagar. Nesta situação a empresa pede
falência. A falência dá à empresa proteção contra seus credores. A empresa
pode sair da dívida ou desenhar um plano de amortização e continuar operando. O
pedido de falência impede os credores de tentarem cobrar as dívidas por fora do
processo.
Quais circunstâncias levam uma empresa a pedir falência? Às vezes a dívida
cresce tanto que os donos da empresa percebem que não vão conseguir pagá-la. A
falência da Kmart em 2002 é um exemplo disso. A competição com outras redes de
varejo levou a empresa a um declínio nas vendas, e ela começou a deixar de pagar
os fornecedores.
As empresas às vezes enfrentam uma súbita perda de receita que as impede de
pagar seus fornecedores. Por exemplo, uma gráfica pode obter 30% de sua receita
de uma única editora. Se esta editora mudasse de fornecedor, a gráfica perderia
quase um terço da sua receita. No entanto, teria de pagar salários de
funcionários, planos de saúde, impostos, fornecedores e todas as outras contas.
Uma grande perda financeira súbita pode resultar em débito imediato sem
receita para pagá-lo. Isto geralmente é resultado de algum erro por parte da
empresa. Um processo ou multas do governo podem custar milhões ou bilhões a uma
empresa. Escândalos também podem fazer as ações caírem. A WorldCom já estava com
problemas em 2002 quando um escândalo de contabilidade veio à tona. Ele causou
sérios danos à empresa e a forçou a pedir falência.
Os credores também podem forçar uma empresa a pedir falência. Eles podem
fazê-lo se descobrirem que os donos estão vendendo todos os ativos da empresa e
se preparando para fechar a empresa sem pagar suas dívidas. O credor também pode
forçar a falência de uma empresa se ela estiver fazendo pagamentos a um outro
credor.
A seguir, veremos os termos usados nos processos de falência e como
geralmente funcionam esses processos.
Muito dinheiro
A Kmart foi a maior falência do varejo americano em 2002, com mais de
US$17 bilhões em ativos. Mas este número é pouco em comparação às
maiores falências dos Estados Unidos: |
Ano da falência |
Empresa |
Ativos |
2002 |
WorldCom |
US$ 104 bilhões |
2001 |
Enron |
US$ 64 bilhões |
2002 |
Conseco Corporation |
US$ 63 bilhões |
2005 |
Delta Airlines |
US$ 21,8 bilhões |
2002 |
Adelphia Communications |
US$ 21,4 bilhões |
2005 |
Delphi |
US$ 16.5 bilhões |
Fonte: BankruptcyData.com |
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Princípios básicos da falência
Apesar da falência ser complicada e os passos variarem de estado para estado nos
Estados Unidos, cada tipo de falência usa a mesma terminologia e segue o mesmo
processo básico.
Obrigação moralSe uma
empresa ou uma pessoa física tem sucesso na falência, muitas das suas
dívidas são legalmente perdoadas. Os credores então não têm mais o
direito legal de cobrar estas dívidas. No entanto, a obrigação moral de
pagá-las continua existindo. Pode parecer incongruente - se a lei diz
que a dívida está perdoada, por que alguém a pagaria?
Há algumas situações de falências de pessoas físicas nas quais a
obrigação moral é importante. Se seus pais emprestassem dinheiro para
você, provavelmente se sentiria responsável por devolver a eles este
dinheiro, mesmo que eles "perdoassem" a dívida. Isto pode ser ainda mais
importante para donos de empresas. Se uma empresa pede falência, ela vai
querer fazer alguns pagamentos de boa fé caso queira usar os mesmos
fornecedores quando a reorganização for concluída. |
Duas partes participam do processo de falência: o devedor e o
credor. O devedor é a parte que tem dívida com o credor, ou deve
dinheiro a ele. O devedor pode ser uma empresa ou uma pessoa física. O credor é
uma organização ou empresa que alega que o devedor deve um bem, serviço ou
dinheiro. A maioria dos casos de falência envolve vários credores.
Os devedores podem ter dois tipos de divida: garantida e não
garantida. Em dívidas garantidas, os credores têm o direito legal a algo que
pertence ao devedor caso ele deixe de fazer o devido pagamento. A hipoteca, por
exemplo, é uma dívida garantida. Ao emprestar o dinheiro para o devedor pagar
sua casa, o banco a aliena. Caso o devedor pare de realizar os pagamentos, o
banco pode executar a hipoteca e tomar posse da sua casa.
No mundo dos negócios, a dívida garantida pode ser bem complicada. Muitos
empréstimos corporativos podem dar aos credores o direito de alienação de
aspectos intangíveis do negócio, como patentes, marcas registradas ou
propriedade intelectual. O credor pode ainda retomar a posse de algum bem
alienado, mesmo que uma parte da dívida tenha sido perdoada - dívida garantida
não pode ser totalmente perdoada. O devedor pode fazer os pagamentos e manter o
bem, ou parar de pagar a dívida e perder a posse do bem. Credores garantidos são
sempre pagos primeiro em um acerto de falência.
Tipos de falência
Nos Estados Unidos, os quatro tipos de falência têm seus nomes ligados aos
respectivos capítulos do Código de Falência dos Estados Unidos. O tipo de
falência que você pede depende de vários fatores, inclusive do fato de você ser
uma pessoa física ou membro de uma empresa.
O Capítulo 7 é ao qual a maioria das pessoas se refere quando diz que
está "pedindo falência". É a liquidação, que significa que o interventor
vende todos os ativos não isentos em poder do devedor para que a maior parte
possível dos débitos possa ser paga. Pessoas físicas, empresas e sociedades
estão aptas à liquidação. A porção da dívida que não pode ser paga através da
liquidação é perdoada. As empresas geralmente tentam evitar a liquidação porque
é impossível continuar a conduzir as operações depois do processo. A renda
gerada depois do pedido de falência não é parte do processo - o devedor pode
ficar com ela.
O Capítulo 11 (ou concordata) é o processo de falência mais complexo e
o que é mais usado pelas empresas, apesar de algumas pessoas físicas também
poderem pedir esse tipo de falência. No caso da concordata, o devedor continua a
funcionar, mantém a posse de todos os ativos e tenta elaborar um plano de
reorganização para quitar sua dívida com os credores.
No passado, uma empresa tinha um prazo quase ilimitado para elaborar o plano
de reorganização e pagamento. A Lei de Proteção ao Consumidor e Prevenção
contra Falência Indevida de 2005 impõe um prazo máximo de 120 dias. Se o
devedor não apresentar um plano dentro deste prazo, os credores podem apresentar
seus próprios planos.
O Capítulo 12 é voltado especificamente para donos de
propriedades rurais. O devedor ainda tem a posse e controle de seus ativos e
cria um plano de pagamento com os credores. O Capítulo 13 é como o
Capítulo 11, mas para pessoas físicas. O devedor detém o controle e a posse dos
ativos. Ele também elabora um plano de pagamento em três a cinco anos. Uma parte
da dívida pode ser perdoada, dependendo da renda do devedor. Existem também
limites para o tamanho da dívida envolvida.
Capítulo 11
Leis estaduais norte-americanas
Além das leis federais de falência, cada estado americano tem suas
regras para lidar com falências dentro do estado. Em grande parte, a
diferença está nos limites de renda e dívida que os devedores devem
atingir para poder ser enquadrados em cada tipo de falência. Há também
diferenças nos prazos para os planos de reorganização, da renda sujeita
à liquidação, ativos isentos e outros detalhes. No passado, estas
diferenças levavam os devedores (principalmente as empresas) a
"pechinchar" até encontrar o estado com as melhores condições. A
Lei de Proteção ao Consumidor e Prevenção contra Falência Indevida de
2005 estipula que qualquer pessoa que for pedir falência em um
estado tenha morado nele pelo menos durante os dois anos anteriores ao
pedido. |
As empresas optam pela concordata porque suas receitas de longo prazo serão
maiores do que o valor de liquidação dos ativos. Assim, os credores podem
conseguir mais dinheiro de volta se permitirem que a empresa devedora seja
reorganizada e que ela elabore um plano de pagamento. A empresa então se torna
uma devedora em posse, mantendo o controle de seus ativos e
dando continuidade às suas operações regulares. Neste caso, geralmente um
interventor não é necessário.
Uma empresa que pede concordata deve revelar todos seus ativos e fazer uma
lista de todas as dívidas para as quais está pedindo proteção. Este é o
direito do credor de questionar o devedor, parte fundamental da lei de
falências. Em casos que envolvem milhões ou bilhões, esta etapa pode ser
extremamente complexa. Os credores também fazem reuniões com o devedor.
Se a justiça descobrir que houve fraude ou má administração grave por parte
do devedor, pode nomear um interventor, que vai assumir o controle das operações
do devedor durante o processo. Os negócios continuam funcionando normalmente,
mas o dono não fica mais no controle. O interventor nomeado para um caso
específico de falência nem sempre é o "Interventor dos Estados Unidos" (US
Trustee). Como os tribunais federais de falência são responsáveis pelos
processos, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos nomeia um interventor
para cada distrito. O interventor dos Estados Unidos é como um cão de guarda nos
casos de falência e pode ser também o interventor em um processo.
Enquanto estiver em concordata, a empresa pode somente fazer as vendas e
compras regulares que são parte de suas operações comerciais padrão. Por
exemplo, não pode comprar outra empresa, nem vender uma divisão da companhia,
nem vender um equipamento ou bem importante sem a aprovação da justiça. Também
não pode passar por uma grande expansão.
Em todos os processos de concordata, um comitê de credores representa a
maioria dos credores quirografários (que não têm preferência e são pagos após
todos os outros credores). Casos maiores podem ter vários comitês de credores,
cada um representando grupos e facções diferentes de credores. Acionistas também
podem formar um comitê.
A partir daí, o devedor formula um plano para reorganizar seus débitos. Pode
ser um plano simples. Mas em falências maiores, as empresas podem tomar várias
medidas para reorganizar a dívida. Podem oferecer ações para alguns credores. Um
varejista pode ter que fechar lojas, dispensar funcionários ou renegociar
contratos com sindicatos. Uma das principais disposições da lei norte-americana
de concordata permite que a empresa anule muitos contratos, inclusive contratos
com sindicatos, com fornecedores e contratos de aluguel.
O devedor também pode "se esquivar" de certos pagamentos ou compras que
aconteceram no período anterior à falência. Normalmente este período é de 90
dias, mas pagamentos ou doações a amigos, família ou membros da empresa têm o
limite de um ano ou mais, dependendo do estado onde o pedido de falência foi
feito. Alguns pagamentos podem ser estornados ao devedor e tornarem-se sujeitos
aos termos do plano de reorganização. Isto evita que devedores manipulem seus
ativos e dêem preferência a determinados credores.
Assim que o devedor apresenta seu plano de reorganização, os credores e
acionistas fazem uma votação. Os acionistas geralmente têm baixa prioridade, e
mesmo que votem contra o plano, a justiça pode ir adiante se os credores o
aprovarem. Uma vez que o plano é aprovado pela justiça, a concordata é
registrada e confirmada. A partir daí o devedor deve cumprir o plano e fazer os
pagamentos devidos aos credores ou ao interventor, caso algum tenha sido
nomeado.
É importante salientar que durante o período de reorganização, as ações da
empresa não têm nenhum valor. Se a empresa sair da concordata e voltar a operar
normalmente, as ações podem aumentar seu valor, mas no início vão valer
provavelmente muito menos do que o valor inicial de compra. Detentores de
títulos às vezes conseguem receber uma fração do valor dos mesmos como parte da
reorganização.
Se um devedor violar os termos do plano, há várias conseqüências em
potencial. Um interventor pode ser nomeado. Se ficar claro que a empresa não
será capaz de operar de forma lucrativa e concluir o plano de pagamento, a
concordata será convertida em liquidação. Isto é uma sentença de morte para a
empresa.
Ninguém vai para a cadeia por ter dívidas. É fácil passar despercebido quando
muitos processos grandes de falência corporativa são resultado de crimes
financeiros cometidos por empresários ou contadores. Fraude financeira pode
levar uma empresa à falência, e os empresários podem ser processados, mas a
falência em si não é crime.
Origens da falência
No início, a falência era um estado involuntário - as pessoas que eram forçadas
a pedir falência eram consideradas criminosas e podiam ser mandadas para a
cadeia ou mesmo ser executadas. Dizem que a palavra falência em inglês (bankruptcy)
vem da tradição italiana de quebrar o balcão de trabalho do comerciante que não
conseguia pagar suas dívidas. A expressão italiana para balcão quebrado,
banca rotta, é a origem da palavra "bankruptcy".
No século XIX, as leis de falência dos Estados Unidos eram limitadas e
geralmente aprovadas para ajudar o país durante períodos de dificuldade
econômica. A Lei de Falências de 1898 foi a primeira lei moderna de falências e
mais tarde foi aprimorada durante a Depressão com a Lei de Falências de 1933, a
Lei de Falências de 1934 e a Lei Chandler de 1938. Às pessoas físicas foi dado o
direito de terem suas dívidas perdoadas, e às empresas foi dada a oportunidade
de se reorganizarem e pagar suas dívidas enquanto estivessem em processo de
falência.
Com exceção das ferrovias, poucos pedidos de falências foram feitos depois da
Segunda Guerra Mundial. A Lei de Reforma da Falência de 1978 foi um marco na
legislação norte-americana. Esta lei criou os capítulos sobre falência que temos
hoje e expandiu os poderes e direitos tanto do consumidor quanto das empresas
devedoras de pedir falência. Os pedidos aumentaram nas décadas seguintes
causando apreensão quanto ao sistema de falências ser muito tolerante e
ineficiente. Também criou uma fila de pedidos nos tribunais de falência, o que
levou a uma pressão para que processos de empresas pequenas fossem "acelerados"
e à criação de falências "pré-fabricadas" para ajudar a agilizar o processo e
diminuir a quantidade de casos. Reformas também foram aprovadas para estimular
mais pedidos de falência do Capítulo 13 ao invés do Capítulo 7.
As reformas aprovadas em 2005 são as últimas alterações feitas nestas leis,
conforme a balança pende para o fortalecimento dos devedores ou para o dos
credores. Mudanças no cenário político, na opinião pública e na situação
econômica podem afetar as futuras leis de falência.
A falência em outros países
Leis e posturas com relação à falência são diferentes fora dos Estados
Unidos, mas os elementos básicos são geralmente os mesmos - os devedores
podem ter suas dívidas legalmente perdoadas ou podem formular um plano
de pagamento.
No Japão, as leis de falência corporativa são semelhantes às leis
americanas. No entanto, houve uma época em que as falências eram
extremamente raras no Japão. Empresas em dificuldade financeira
preferiam lidar com suas dívidas de maneira confidencial, através de um
empréstimo bancário ou da elaboração de seus próprios planos junto aos
credores para o pagamento. A crise Asiática de 1990 forçou muitas
empresas japonesas a pedir falência, uma vez que os próprios bancos
estavam com sérios problemas financeiros.
As falências européias geralmente são chamadas de insolvência. Como
parte da Lei de Proteção ao Consumidor e Prevenção contra Falência
Indevida de 2005, os Estados Unidos adotaram um modelo de lei das Nações
Unidas de insolvência transnacional, originalmente escrita em 1997. Pode
ser que alguns países adotem este novo modelo de lei, que encoraja a
cooperação entre os tribunais das nações envolvidas.
No Brasil, as regras para determinar a falência mudou em 2005 com a
lei 11.011. Entre as novidades da lei, estão o fim da concordata e uma
maior flexibilidade para a empresa se reorganizar. |