Compras impulsivas comprometem o orçamento e
provocam outras dívidas
Dar um passo maior que as pernas, comprometendo o orçamento familiar, é tão
desaconselhável quanto freqüente. O desejo incontrolável de comprar algo e a
falta de planejamento levam consumidores à aquisição de produtos ou serviços
desnecessários. Para honrar o pagamento da compra, muitas vezes, é preciso
contrair novas dívidas, recorrendo a empréstimo de amigos ou financeiras. O
sonho de consumo vira então pesadelo.
- De acordo com o filósofo americano Jacob Needleman, 75% dos bens que
existem no mercado são supérfluos, mas, na verdade, não vivemos sem eles. O
importante é avaliarmos se a compra não comprometerá o orçamento, antes de
adquirir produtos dos quais realmente não precisaremos - aconselha o consultor
financeiro Eduardo Dias, da Excelence, empresa de orientação financeira de Porto
Alegre, Rio Grande do Sul.
Poucos consumidores resistem à tentação de adquirir um carro novo, realizar a
viagem dos sonhos ou comprar um vestido maravilhoso. Nessas horas, a
oportunidade e a facilidade de parcelamento contribuem para a aquisição. "A
compra passa a representar um problema quando, no cálculo realizado pelo
consumidor, não estão inclusos os gastos que o produto ou serviço acarretam",
explica Dias.
O consultor cita como exemplo a aquisição de um carro, cujas prestações podem
ser deduzidas da renda mensal tranqüilamente. No entanto, se o usuário não
calcular previamente gastos com IPVA, seguro, estacionamento e gasolina, poderá
ter problemas para honrar o financiamento. "Assim como a compra de um vestido
novo pode implicar em um novo sapato e uma nova bolsa."
Viagem inesquecível
A tradutora Martha Mendes fez uma viagem inesquecível às Ilhas Gregas e parte
da Europa durante 25 dias, mas afirma que, se voltasse no tempo, não repetiria a
façanha. "Me arrependi. Gastei muito mais do que pensei que fosse gastar e estou
até hoje endividada", confessa.
Em maio deste ano, Martha pegou um empréstimo no banco Bradesco para custear
as despesas com a viagem, cujas parcelas comprometiam 20% de seu salário. O
gasto com a operadora de turismo, que incluía as passagens, totalizando R$ 6
mil, foi financiado em cinco vezes. O cartão de crédito foi levado na viagem
para cobrir despesas eventuais. "Acabei gastando mais do que o planejado.
Utilizei todo o limite de crédito do meu cartão e uma amiga que viajava comigo
me emprestou dinheiro. Quando voltei, constatei que aproximadamente 70% da minha
renda mensal estava comprometida com as dívidas da viagem", afirma.
Para honrar os pagamentos, depois de cinco meses, precisou contrair um novo
empréstimo. Recorreu à financeira Fininvest para liquidar as despesas com o
cartão e a agência de viagem. "Agora tenho 40% do meu salário comprometido com
empréstimos conseguidos no banco e na financeira. Ainda devo o dinheiro que
peguei emprestado com minha amiga na viagem. Realmente, meu orçamento está muito
apertado. Não repito essa loucura e não aconselho ninguém a fazer isso", afirma.
Depois da dívida contraída, o ideal é pagá-la de forma que não ultrapasse o
limite do orçamento, por isso, o consultor em finanças pessoais Nelson Campos
afirma que, se for necessário, o empréstimo é uma opção viável. "Se puder
devolver o bem adquirido, mesmo que perca algum dinheiro, é a melhor solução.
Caso o produto ou o bem adquirido não possa ser devolvido, o empréstimo pode ser
feito desde que as parcelas do financiamento possam ser suportadas pelo
orçamento", recomenda.
Para fugir de empréstimos, alguns consumidores sacrificam o pagamento de
outros compromissos, obtendo, assim, apenas a transferência da dívida. A
vendedora Débora Palmato sacrificou o pagamento das mensalidades na faculdade de
Direito para passar o Carnaval deste ano na Bahia. "Estava de férias e meus
amigos iriam para Salvador. Não pensei duas vezes, parcelei todas as despesas no
cartão de crédito e passei dez dias de folia sem me preocupar com a vida. Quando
retornei, tive que pagar as dívidas das passagens, hospedagem, alimentação e
roupas novas que comprei para viajar. Resultado: fiquei cinco meses sem pagar a
faculdade", conta.
Débora tentará negociar com a direção da universidade o parcelamento da
dívida e o cancelamento dos juros. "Senão, vou ter que recorrer a algum
empréstimo, pois não tenho como pagar tudo", afirma a vendedora, que não
descarta a possibilidade de ter que sacrificar outro compromisso. "Meu salário é
todo comprometido com despesas fixas. Só posso bancar minhas férias se deixar de
arcar com uma delas ou receber um aumento." A negociação da dívida é recomendada
por Dias. "As empresas sempre oferecem
descontos ou amortização dos juros se o pagamento for feito à vista", afirma.
Na ponta do lápis
Nem sempre, no entanto, a diversão é responsável pelo endividamento. A
tradutora Selma Pasquini teve sua máquina de lavar quebrada no começo do ano e
adquiriu outra, parcelada em três prestações. "O problema é que não coloquei
minhas dívidas na ponta do lápis e não consegui pagar nem mesmo a primeira
parcela. Meu nome foi para o cadastro de inadimplentes e só consegui retirar
depois que recebi a primeira parcela do meu 13º salário."
O pagamento das dívidas com o dinheiro das férias ou do 13º é a recomendação
de especialistas em finanças pessoais. "Quem se enrolou com compras que não
puderam ser pagas com a renda mensal deve aproveitar o salário adicional para
liquidar todas as dívidas", recomenda Dias.
Há ainda pessoas que não compram um produto caro que desequilibra todo o
orçamento, mas vários produtos mais baratos que, juntos, levam a uma dívida
maior que a renda do consumidor. A secretária Tânia de Souza está com uma dívida
de R$ 4 mil por causa de despesas com cartão de crédito e cheque especial.
- Quando percebi, já estava devendo quase duas vezes o meu salário. Vou pagar o
mínimo permitido no cartão e parcelar a dívida
no banco. Acredito que, em seis meses, eu consiga liquidar as dívidas - conta
Tânia.
O consumidor que age por impulso é o que tem mais chance de contrair dívidas,
de acordo com os especialistas. "Não fazem cálculos nem controlam os gastos
quando estão diante de produtos que almejam", afirma Dias. Aqueles que não
recebem salário fixo também são fortes candidatos ao descontrole nas finanças
pessoais. "Normalmente, estão sempre recebendo dinheiro, ainda que em pequenas
quantias, e acabam não controlando adequadamente os gastos", completa.
ATENÇÃO
>> Antes da compra, é preciso refletir sobre a necessidade de adquirir o
produto ou serviço.
>> Ao avaliar uma nova compra, é preciso calcular as despesas extras que a nova
aquisição trará.
>> Só comprar se a aquisição e as despesas que poderão surgir por causa do novo
produto ou serviço couberem com folga no orçamento.
>> Se for possível, é aconselhável devolver o produto, mesmo que isso acarrete
em pequena perda financeira para o consumidor.
>> Tentar renegociar a dívida, tornando menores as parcelas, para que o
compromisso possa ser cumprido.
>> Empréstimos só devem ser tomados quando realmente resolverem o problema, ou
seja, liquidar a
dívida, para que não se tornem uma despesa a mais.
Perdas comas mudanças na economia
Surpresas na economia brasileira também colaboram para agravar casos de
compras fora do orçamento. A nutricionista Paula Diegues montou uma miniacademia
em casa em janeiro de 1990, financiando em quatro vezes os equipamentos. O
parcelamento representava 40% de seu salário, mas, como tinha dinheiro investido
na caderneta de poupança, não pensou duas vezes antes de realizar o sonho de
poder exercitar-se sem sair de casa.
- O problema foi que, dois meses depois, a poupança foi confiscada pelo
governo Collor. Não pude pagar as mensalidades e a empresa não enviou meu nome
ao SPC, mas me cobrou juros altíssimos. Somente um ano depois, consegui pagar a
dívida graças a empréstimos de amigos. E os amigos só receberam quando a
poupança foi liberada - afirma Paula.
O racionamento de energia contribuiu para endividar o representante comercial
de luminárias Julio Carvalho. Em junho deste ano, ele comprou um Vectra usado
financiado em 24 parcelas de R$ 450. "Pensei muito antes de comprar porque vivo
de comissão. Como as mensalidades comprometeriam apenas de 20% a 30% da minha
renda, fui em frente. Mas não contei com o racionamento de energia. Quando as
medidas do Governo foram anunciadas, as vendas tiveram uma queda de mais de
40%", conta Carvalho.
Para não deixar de honrar o compromisso assumido com a financeira do
automóvel, Carvalho foi rolando a dívida com o cartão de crédito. No último mês,
fez um acordo com a administradora para não ter seu nome incluído na lista dos
inadimplentes. "Agora uso toda renda que entra para arcar com dívidas. O
racionamento me deixou no vermelho e não tenho idéia de quando poderei sair do
aperto."