Multas, ações judiciais e até criatividade podem ser usadas para coibir
conflitos em condomínios
Barulho excessivo costuma figurar entre as maiores queixas dos condôminosHá
alguns anos, moradores de um condomínio de classe média do Rio de Janeiro
assistiram a uma cena bem pouco usual. Um morador de 80 anos, enraivecido com a
algazarra das crianças no playground, desceu armado e passou a ameaçar todos que
estavam na área comum do prédio. Diante da paralisa dos condôminos, que não
souberam como reagir, o mesmo morador repetiu, armado, as ameaças em outras três
oportunidades. Até que um síndico recém-eleito decidiu tomar as providências
necessárias. Fez um boletim de ocorrência, multou o morador e entrou com uma
ação na Justiça. Por mais cinematográfico e absurdo que possa parecer, esse não
foi um fato isolado na vida em condomínios. Todos os dias, em qualquer região do
mundo, moradores que dividem um mesmo condomínio entram em conflito pelas mais
diversas razões.
É o cachorro do apartamento de cima que não para de latir, o vizinho que não
respeita o espaço da garagem, os moradores boêmios famosos por suas festas de
arromba ou as prostitutas que recebem clientes em casa. Não são raras as
situações em que condôminos extrapolam os limites do tolerável. Por isso,
Marcelo Borges, advogado da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis
(Abadi) e mediador jurídico do caso relatado no início da reportagem, defende
uma postura mais atuante dos condomínios em resposta a esses problemas. "Para
valer, toda norma precisa ter uma sanção", diz.
Isso significa que, no regulamento interno, síndicos e condôminos devem ser
meticulosos tanto para elaborar as regras quanto para criar as punições. E ágeis
em segui-las. Os artigos 1.331 a 1.358 do novo Código Civil, que entrou em vigor
em 2003, são a principal base legal para essa estratégia de prevenção. "Essas
normas falam essencialmente dos deveres, direitos e sanções para determinadas
decisões", diz Márcio Rachkorsky, presidente da Associação de Síndicos de
Condomínios Comerciais e Residenciais do Estado de São Paulo (Assossíndicos) e
apresentador do programa "Condomínio Legal", da rádio CBN.
Ação e reação
O Código Civil estabelece, por exemplo, quais devem ser as multas para
diferentes tipos de infração. Nos casos mais graves, a punição pode atingir o
valor equivalente a 10 cotas condominiais. No entanto, isso não é pretexto para
um síndico sair aplicando multas à revelia. Antes de tomar esta postura extrema,
é preciso esgotar todas as outras possibilidades de conciliação.
"Primeiro, o morador precisa ser chamado para uma conversa. Depois advertido
por escrito. Se não resolver, pode ser multado", afirma Rachkorsky. Para
condôminos que não cumprem o regulamento, o valor da multa pode chegar a até 5
cotas condominiais. Ou seja, se a mensalidade do condomínio custa 500 reais,
pode-se aplicar uma multa de até 2.500 reais. O procedimento padrão para casos
como este é convocar uma assembléia extraordinária para votação da aplicação da
multa. O morador infrator só será punido se três quartos dos condôminos
aceitarem a proposta.
O Código Civil também define critérios de punição para os chamados condôminos
anti-sociais. Nessa situação, a multa pode ser o valor do condomínio
multiplicado por até 10 vezes. "O conceito de morador anti-social é extremamente
subjetivo", pondera Rachkorsky. "Na nossa definição é aquele sujeito que, de
forma habitual, incomoda seus vizinhos e torna impossível a convivência
harmoniosa". Borges, da Abadi, aconselha, contudo, moderação para a aplicação
dessa pena. "É importante que haja uma certa temperança. Este procedimento só é
recomendável para casos efetivamente graves", diz.
Recorra às autoridades
Em algumas situações, recomenda-se que o síndico ou outros moradores
registrem um boletim de ocorrência contra o condômino infrator. "Isso se aplica
tanto para questões que envolvam algum risco para as pessoas que circulam pelo
prédio quanto para questões ambientais, como barulho excessivo, por exemplo",
diz Rachkorsky. Caso o condomínio leve esta questão para Justiça, o registro
policial pode servir como prova para atestar sua versão.
De acordo com os especialistas, os moradores só devem recorrer ao Judiciário
quando todas as ações extrajudiciais, como notificações e multas, não forem
eficazes para a solução do problema. Um exemplo clássico para isso são os
conflitos com vizinhos barulhentos. O primeiro passo sempre é tentar conversar.
Mas se bate-papos, notificações por escrito e multas não forem suficientes,
vale, sim, levar o caso para a Justiça.
Outros conflitos que facilmente podem parar em algum tribunal são os
problemas com encanamentos. "Se o morador impede a entrada do encanador para a
reparação do problema que está afetando outras pessoas do prédio, o condomínio
pode entrar como uma ação pedindo a autorização para isso", diz Omar Anauate,
diretor de condomínio da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e
Condomínios de São Paulo (AABIC).
Antes de prosseguir com uma ação judicial é importante munir-se com
documentos que atestem a acusação. No caso de barulho, por exemplo, vale até
contratar um profissional para produzir um mini-laudo sobre o caso. "O laudo
deverá provar que o barulho do vizinho é superior a 35 decibeis. Este é volume
máximo permitido para um condomínio durante o dia", diz Alexandre Marques,
advogado especialista em direito condominial. Se isso não for possível, uma
alternativa é gravar o som com um celular, por exemplo, ou mesmo acionar a
polícia.
Use a criatividade
Nem sempre é tão simples comprovar uma infração condominial. E, em alguns
casos, a acusação pode virar contra o acusador. "Se não houver provas concretas,
isto pode ser entendido como um ato difamatório e o acusado pode revidar com uma
ação por danos morais", afirma Marques.
Tornou-se comum, por exemplo, que garotas ou garotos de programa aluguem
imóveis em condomínios de classe média alta para receber seus clientes. Além de
problemas de segurança com a entrada constante de pessoas desconhecidas, esta
prática fere a regra que proíbe que imóveis em condomínios residenciais sejam
usados para fins comerciais. Provar isso, no entanto, não é uma tarefa fácil. A
solução é coibir a prática com estratégias criativas. "Recomendamos, por
exemplo, que o porteiro comece a exigir documentos de todos os visitantes do
prédio. Isto pode espantar os clientes", diz Marques.
Agora, se for possível encontrar provas suficientes, o condomínio deve mover
uma ação contra o locador do imóvel pedindo a rescisão do contrato. "O
condomínio não tem legitimidade para questionar o locatário", afirma Marques.
Como resposta, o juiz pode até decidir pelo fim da locação e consequente
expulsão do inquilino que infringe as regras condominiais.
A mesma postura, contudo, não é adotada nas situações em que o condômino é
proprietário do imóvel. Na tradição jurídica brasileira, não há nenhum caso em
que um juiz determinou a expulsão de um morador de condomínio por desrespeito às
leis internas. O mesmo não acontece em países europeus, como França, Alemanha e
Inglaterra. Lá, de acordo com Marques, já existem medidas que anulam o direito
do morador infrator de usufruir do imóvel. A pena pode ser temporária, com
duração de três a seis meses, ou permanente. "Se a medida é de exclusão, o
estado intervém, vende o imóvel e devolve o dinheiro para o condômino que foi
expulso". No Brasil, alguns juristas já defendem esta prática.