Depois de escrever o artigo "O chefe", publicado no meu primeiro livro,
reconheço que, fiquei com aquela sensação desconfortável de arrependimento.
Minha impressão era a de que, cada empresa que eu visitava, cada gerente que eu
apertava a mão, cada empresário que me recebia, sisudo ou sorridente, queria
mesmo me dar uns bons tabefes na orelha e contestar palavra por palavra daquele
artigo. Mas, com jeitinho fui esclarecendo minhas intenções e quebrando a frieza
alheia, a qual, de fato, existia apenas na minha cabeça.
Os insatisfeitos, assim como eu naquela época, até elogiavam o artigo e
compactuavam com as ideias ali mencionadas. Porém, como me fez refletir certa
vez o Max Gehringer, em uma gentil troca de e-mails, imagine você na cadeira do
presidente da empresa, lendo aquele artigo e tentando se convencer de que isso
não foi escrito para a sua pessoa, afinal, chefe é chefe e qualquer crítica mais
contundente lhe diz respeito.
Naturalmente, muito do que foi dito no artigo reflete a realidade nua e crua
do ambiente corporativo. No entanto, a forma como foi escrito soou mais como uma
explosão de sentimentos pessoais do que lições a serem ensinadas para quem
deseja superar o abismo existente entre o chefe propriamente dito e o líder
servidor, conceito utilizado por James Hunt, autor de O Monge e o Executivo.
Há algum tempo tive o trabalho de relacionar o nome, a empresa e a quantidade
de presidentes, gerentes, coordenadores e outros profissionais de liderança que
cruzaram o meu caminho durante 30 anos de carreira, completados em agosto de
2007, em oito empresas diferentes, sem mencionar aquelas com as quais tive
contato, ora como cliente, ora como fornecedor. São mais de cem, nos mais
variados estilos, uma escola e tanto de aprendizado.
Na primeira vez em que eu perdi o cargo de liderança e, sutilmente, fui
disponibilizado para o mercado de trabalho, tinha sob o meu comando uma equipe
de 65 profissionais. Naquele momento, descobri como é difícil manter a firmeza e
a pose diante das pessoas que até então viam em mim, o líder, a esperança de um
futuro melhor, fosse pela oportunidade profissional que concedi a eles, pelos
meus exemplos ou pela forma simples de conduzi-los diante das dificuldades.
O fator preponderante no mundo dos negócios, para quem exerce papel de
liderança é o resultado. E esse nem sempre aparece ou importa quando mais
precisamos dele. E mais ainda, o sucesso no passado não garante o sucesso no
futuro. Significa dizer que o líder vive na corda bamba, alternando entre
momentos de alegria e de depressão.
Com relação à liderança, vale a pena resgatar o pensamento de Nicolau
Maquiavel, autor de O Príncipe: "Aqueles que se tornam príncipes pelo seu valor
conquistam domínios com dificuldade, mas os mantém facilmente; a dificuldade se
origina em parte nas inovações que são obrigados a introduzir para organizar seu
governo com segurança. Vale lembrar que não há nada mais difícil de executar e
perigoso de manejar - e de êxito mais duvidoso - do que a instituição de uma
nova ordem das coisas".
Você faz um esforço razoável na empresa, investe dinheiro do próprio bolso no
aprimoramento das técnicas de liderança, domina dois ou três idiomas, persegue
literalmente uma posição melhor no plano de carreira, aproxima-se do líder sem
necessidade de bajular o sujeito e, quando mais espera ou menos espera, surge a
oportunidade desejada. Nesse momento você lembra que chefe é aquilo que você
sempre quis ser, mas odeia ter.
Com o tempo percebe-se também que quanto mais amigos você tem no trabalho,
maior a probabilidade de perdê-los a cada degrau conquistado na escada do poder,
por uma simples razão: o poder corrói relacionamentos. Enquanto você é um
modesto colaborador e ocupa um cargo operacional, porém não menos importante,
existe a grande possibilidade de dividir as tarefas, de trabalhar em equipe, de
compartilhar as dores e preocupações com os colegas mais chegados e, quem sabe,
até falar um pouco mal do chefe, para o bem dele, é óbvio.
A partir de agora você é o chefe, o magnânimo, e não está preparado. As
relações mudam radicalmente. Além de ter que mostrar condições de exercer o
cargo sem perder o espírito de equipe daqueles que se diziam seus amigos, você
deve tomar o máximo cuidado para não deixar o nariz ultrapassar o nível dos
olhos e para o ego não superar o saldo da sua conta corrente.
Cargos de liderança exigem uma qualidade fundamental que poucos se dispõem a
conquistar e aperfeiçoar: a arte de lidar com pessoas. Isso é algo tão complexo
que não se aprende da noite para o dia. Basta o ser humano olhar para dentro de
si mesmo e avaliar o quanto ele torna as coisas difíceis, por mais simples que
pareçam, o quanto é intransigente e, por vezes, individualista quando mais se
precisa dele.
Após determinada fase da vida, as pessoas não mudam assim facilmente, apenas
se adaptam a uma condição por um período. Um simples descontentamento é
suficiente para fazê-las voltar à forma original. Ninguém muda alguém, nem mesmo
um líder. Como dizia Tolstoi, célebre escritor russo, as pessoas querem mudar o
mundo, mas não querem mudar a si mesmo. Portanto, pouco adianta ler uma
infinidade de livros a respeito do assunto se o indivíduo não estiver imbuído do
espírito da liderança e não mudar radicalmente a sua forma de pensar e agir.
Tornar-se um líder servidor é muito mais prático na teoria, pois demanda um
esforço interior disciplinado para o entendimento da alma humana. O resultado é
determinado pelo nível de paciência, de humildade, de respeito, de honestidade e
de comprometimento com o desenvolvimento das pessoas.
Líder é aquele que consegue extrair resultados positivos através da sua
habilidade de influenciar pessoas em torno de objetivos comuns. Entretanto, as
pessoas têm seus próprios objetivos e, por uma questão de sobrevivência, são
remuneradas para atingir objetivos alheios. Isso conflita com os seus
interesses.
Desejo muito que você passe por essa fantástica experiência de liderar uma
equipe ou de administrar uma empresa e, quando isso acontecer, torço para que
conserve a essência da liderança. Ela terá tudo a ver com o seu caráter ou com a
falta dele, portanto, considere as seguintes atitudes e comportamentos para se
tornar um líder em absoluto:
1. O líder vê a liderança como responsabilidade e não como
um cargo ou privilégio. Se as coisas não caminham conforme o planejado, o líder
não sai pelos cantos procurando culpados; ele assume a culpa e refaz o caminho.
2. A liderança surge quando as pessoas são capazes de
trabalhar duro porque acreditam nos objetivos, na missão, na visão e nos valores
da empresa, não porque existe alguém com o chicote ou o cronômetro em cima
delas; você não precisa bater o punho na mesa para adquirir o respeito do grupo.
3. Quando você é líder, as pessoas estão avaliando seu
comportamento, portanto, o seu caráter está em jogo; preocupe-se mais com o seu
caráter do que com a sua reputação; ele representa exatamente aquilo que você é.
4. Um simples cartão de visita faz de um profissional um
presidente de empresa ou um diretor; pouco importa se a empresa fatura 10
milhões ou 10 mil reais, se dispõe de dez ou de 10 mil empregados. Entretanto,
somente a consciência do papel da liderança e o aprendizado constante
transformam um simples recém-formado da USP ou o recém-chegado de Harvard em um
líder por excelência; penso que esse processo dura, no mínimo, uma geração.
5. O líder é feito de carne, osso e espírito; eu creio,
portanto, antes de criticá-lo, imagine-se no lugar dele, torça pelo seu ótimo
desempenho e, se julgar conveniente, prepare-se para o lugar dele de forma
discreta, sem ter que puxar o seu tapete; além de antiético, é reprovável,
deselegante e não agrega nada ao seu currículo.
6. Um líder por excelência não precisa de uma platéia para
promover o seu show particular, a exemplo de muitos que encontrei pelo caminho e
que faziam questão de reunir três ou quatro, no mínimo, para humilhar um simples
operário e demonstrar poder. Se sentir necessidade de promover um show de vez em
quando, associe-se a um grupo de teatro voluntário e convide amigos para
assistir; é muito mais louvável e sensato.
7. Nenhum líder é eterno. Todos os cargos de liderança são
transitórios, portanto, se você reprova o chefe, por razões estritamente
profissionais, e não pessoais, não sofra por antecipação; não há chefe
incompetente que resista à clava do destino, segundo Napoleon Hill, e um dia,
quando você menos espera, ela desce sobre a cabeça dele ainda que você não lhe
deseje esse mal; e a clava não é feita de algodão.
Portanto, ainda que você seja o chefe ou o líder, se preferir, e o seu chefe
estiverem com os nervos à flor da pele, dê a ele um crédito até que recobre o
seu o juízo perfeito. O comportamento muda, mas a sua natureza não. Sob extrema
pressão, a natureza humana é incapaz de se controlar. Nessas condições,
falta-lhe equilíbrio e serenidade e ele volta a ser um simples mortal, sujeito a
erros e deslizes de toda ordem.
Por fim, lembre-se: a liderança é uma qualidade que deve ser adquirida. As
pessoas anseiam por reconhecimento e um propósito de vida. Se você conseguir
ajudá-las a entender essa necessidade, certamente estará influenciando seu modo
de pensar e agir e, por consequência, os resultados serão os melhores possíveis
para a equipe e para a organização. Pense nisso e seja feliz.