Voltar ao batente depois das férias é como trabalhar na segunda-feira: não dá
a menor vontade. Aliás, é até meio difícil comparar porque costuma ser pior.
Fica parecendo que os primeiros dias são uma sucessão de segundas-feiras como
naquele filme O Feitiço do Tempo em que o jornalista Phil, personagem
interpretado pelo ator americano Bill Murray, acorda todas as manhãs no mesmo
dia da semana e passa, incrédulo, exatamente pelas mesmas coisas que vivenciou
antes.
O paulistano Eduardo Éboli, de 36 anos, conta que se sente exatamente assim toda
vez que volta de férias: como um espectador. 'Fico olhando as pessoas correndo
de lá para cá sem entender muito bem o que está acontecendo', diz ele, que é
coordenador de estratégia na área de marketing da Lafarge, multinacional
francesa de materiais para construção. Não tem jeito: essa falta de ânimo para
retomar a rotina acomete todo mundo, em maior ou menor grau. O processo, na
verdade, é fisiológico e leva o nome de abulia ou abulomania. Essa apatia
costuma incomodar em diversas situações. 'A inércia típica do período pós-férias
é semelhante à que um leão sente logo depois de ter abatido e devorado sua
presa', explica a psicóloga Marilda Lipp, do Centro Psicológico de Controle do
Stress, que tem consultórios em Campinas e em São Paulo. Segundo ela, esse
estado aparece depois que se passou por um grande estresse para obter algum tipo
de prazer. Ocorrem mudanças na química cerebral que levam a essa depressão do
humor. O raciocínio, em relação ao que acontece no mundo corporativo, é bem
semelhante ou você se esqueceu de como se matou de trabalhar para conseguir
ficar um mês longe da empresa? O paulistano Éboli, por exemplo, conta que nas
duas últimas semanas antes de sair de férias, seu expediente se prolonga
bastante. 'Tento deixar tudo encaminhado para ter menos problemas na volta',
diz.
Amargo regresso
Quanto mais estresse antes, pior é a volta das férias. E é exatamente nesse
ponto que Éboli e a maioria dos profissionais escorregam. Tentar deixar tudo
pronto é como achar que é possível retomar as coisas exatamente no mesmo ponto
em que elas estavam antes das férias. 'Além de ser inviável fazer isso, pensar
assim não combina com uma carreira dinâmica, que pressupõe mudanças constantes',
argumenta Marilda Lipp. Segundo dados da International Stress Management
Association no Brasil (Isma-BR) , uma semana depois do retorno, 72% dos
profissionais relatam estar tão estressados quanto antes de tirar férias.
Com o tempo, as coisas tendem a entrar nos eixos. Tanto que a readaptação à
rotina não costuma levar mais que duas semanas. Se a letargia durar mais que
isso, é bom ficar atento. 'Pode ser depressão mesmo e exigir tratamento médico
ou sinalizar uma insatisfação profunda com a carreira', afirma a psicóloga
gaúcha Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR associação internacional sem fins
lucrativos que estuda métodos de prevenir e tratar o estresse. Uma senhora crise
profissional foi isso o que o publicitário gaúcho Abaete de Azevedo enfrentou há
alguns anos, na volta de uma de suas férias. 'Aquele desânimo todo era porque eu
não estava mais estimulado com o trabalho', conta. Alguns meses depois, Azevedo
deixou a agência de publicidade em que trabalhava e foi para o lado do balcão
reservado ao cliente. 'Acertei em cheio', diz ele, que, depois dessa ocasião, já
deu outras guinadas na carreira. Hoje, Azevedo, que não revela a idade de jeito
nenhum, é presidente da subsidiária brasileira da Rapp & Collins Brasil, uma das
maiores empresas de marketing direto do mundo. Atualmente, sua depressão
pós-férias se resume à preguiça de fazer a barba, de vestir o terno e de calçar
os sapatos, o que é absolutamente normal. Conhecido por seu bom humor e sua
enorme disposição para pegar no batente, Azevedo segue uma receita conhecida,
mas que pouca gente consegue colocar em prática: 'Não sou workaholic, mas um
worklover, porque amo o que faço', diz.
Outras razões
Em 1967, Thomas Holmes e Richard Rahe, médicos americanos, fizeram um estudo
para tentar precisar o nível de estresse que determinados acontecimentos geram
nas pessoas. 'E não eram somente fatos negativos, uma vez que até mesmo os
positivos produzem estresse, pois exigem um esforço adaptativo do organismo',
explica Ana Maria. Assim, numa escala que vai de 0 a 100 pontos, divorciar-se
representa 73 pontos; comprar um imóvel corresponde a 31 pontos; e ter
dificuldades com o chefe, a 23 pontos. 'Em 1980, tirar férias contava 13 pontos
nessa escala. Hoje, são 24', diz Ana Maria. Para ela, não é a abulia nem uma
crise profissional como a que Azevedo enfrentou que explicam o fato. 'Quando a
pessoa não consegue se desligar do trabalho, tirar férias pode ser bem
estressante', explica. Segundo a psicóloga, essa sintonia que não tem nada de
benéfica ultrapassa as fronteiras do indivíduo e tem muito a ver com as
oscilações da economia. 'Por causa de um cenário econômico conturbado, tirar
férias deixou de ser sinônimo de prazer para muitos profissionais e se
transformou em uma autêntica ameaça ao emprego', justifica. De março de 2001 a
março do ano passado, a Isma-BR fez uma pesquisa com mais de 500 pessoas em sete
estados brasileiros para investigar por que elas costumam resistir à idéia de
sair de férias. No topo da lista, aparece exatamente o medo de voltar e não
encontrar mais a vaga. Em seguida, as pessoas se disseram incomodadas com o fato
de se sentir à parte do processo, já que decisões importantes certamente serão
tomadas durante sua ausência. Em terceiro lugar vem o medo de que, durante as
férias, o trabalho seja absorvido pelos colegas. Não é preciso muito tempo para
perceber que as respostas do levantamento feito pela Isma-BR são, na verdade,
variações sobre um tema para lá de batido: a insegurança que todos sentem em
relação a seu trabalho.
Férias à prestação
Desde 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que os
trabalhadores brasileiros tenham um mês de descanso para cada 11 meses de
trabalho. 'As férias podem ser fracionadas em duas partes, desde que um dos
períodos não seja inferior a dez dias', explica o advogado trabalhista José
Fernando Moro, de São Paulo. No entanto, essa lei quase sexagenária não
corresponde mais ao que se pratica hoje nas empresas brasileiras. Afinal, as
pessoas estão saindo de férias durante períodos cada vez menores. Segundo Paulo
Toledo, da Konsult Consultoria em RH, de São Paulo, o enxugamento e o dinamismo
do mercado, que não permite mais que o profissional fique tanto tempo fora da
empresa, explicam o fato. Sem falar no volume de trabalho, que só tem aumentado.
Segundo um levantamento do Isma-BR, há duas décadas trabalhávamos de 40 a 42
horas por semana. Até o fim desta década, provavelmente vamos chegar a 54 horas
semanais de batente, ou seja, uma média de dez horas por dia carga horária que
muita gente já vem cumprindo faz tempo. É o caso do empresário gaúcho Eduardo
Bier, de 37 anos, o famoso Dado Bier das microcervejarias. Para muitos
profissionais, afastar-se um mês do trabalho é simplesmente inviável. Por isso,
eles Bier, inclusive estão optando por tirar férias à prestação. 'Saio dez dias
e volto. Também costumo aproveitar compromissos fora de Porto Alegre para
esticar com a família. Certa vez, eu os levei comigo ao Rio de Janeiro, onde
tinha uma reunião, e depois fomos passar o fim de semana em Angra dos Reis',
conta. E não pense que esse arranjo só tem sido feito por quem é dono do próprio
negócio. 'Essa história não atingiu apenas do meio da pirâmide para cima. Esse
esquema está se generalizando', diz Toledo. Quando deu a entrevista a VOCÊ S/A,
Éboli, o publicitário citado no início desta reportagem, havia acabado de
retornar de um pequeno descanso. 'Tinha programado 20 dias de férias, mas tive
de interrompê-los porque surgiu uma viagem de emergência para a França, que não
podia ser adiada', diz. Éboli levou a mulher, Gladis, e os dois aproveitaram o
tempo livre em Paris para completar as férias que tinham começado em Ilhabela,
no litoral de São Paulo.
A estratégia de Bier e Éboli não só é um reflexo do que acontece hoje no mundo
do trabalho como também é defendida pelos especialistas como uma boa tática
antiestresse. A própria Marilda é adepta de tirar férias à prestação. E a razão
não é apenas a dificuldade de ficar longe do consultório por muito tempo, mas
uma questão de temperamento. 'Para mim não há nada mais maçante que tirar um mês
inteiro de férias', diz. Marilda, assim como muito executivos, é dona de uma
personalidade típica das pessoas dinâmicas, que realizam várias coisas ao mesmo
tempo e não lidam bem com o fato de não ter nada para fazer. Para quem é assim,
ela aconselha períodos curtos de descanso. Dessa forma, a pessoa não se sente na
'obrigação' de relaxar, o que também não deixa de ser estressante. Outra tática
de Marilda, no caso de um período mais prolongado sem trabalhar, é usar alguns
dias para pensar em um projeto novo. 'Mas não fico planejando coisas práticas,
como prazos e onde vou conseguir o dinheiro para viabilizar o projeto isso eu
deixo para a volta. Tento me fixar em algo criativo, sem censurar minhas
idéias', ensina ela, que disse ter tido vários insights dessa maneira. Para
muitas pessoas, passar 11 meses no batente para sair 30 dias de férias costuma
ter, ainda, outra desvantagem. Geralmente, os primeiros dez dias funcionam como
descompressão. Do décimo até o 20o, 25o dia, a pessoa relaxa. Os últimos dias
são consumidos com o estresse da volta. A pessoa começa a se angustiar com o que
terá para fazer quando voltar. 'No final das contas, foram somente dez dias de
relaxamento', diz Ana Maria, da Isma-BR. Mais um bom motivo para dar um tempo do
trabalho em doses homeopáticas. Assim, você não fica como Bill Murray:
assistindo sempre ao mesmo filme toda vez que voltar de férias.