O princípio é bíblico: amar ao próximo. E isso independe se o próximo é um
colega preguiçoso, um dos seus subordinados encrenqueiros ou, acredite, seu
chefe. É, o verbo amar pode parecer forte demais para o contexto corporativo e
para o papel do líder. Mas não é.A pessoa apropriada para assumir a liderança
manifesta seu amor agindo, naturalmente, como facilitadora do processo de
engajamento e desenvolvimento da organização.
Em outras palavras: não visa apenas aos resultados. O foco do líder deve estar
nas pessoas que fazem o resultado da empresa acontecer. Afinal, uma corporação é
um sistema orgânico, não mecânico. O fato é que anda todo mundo sobrecarregado
de trabalho, poucos se mantêm motivados e alguns até desistem de buscar
significado maior para o que fazem no escritório. 'Está todo mundo de saco
cheio', resume Vicky Bloch, diretora da DBM no Brasil, uma das mais respeitadas
especialistas do país em relações humanas nas empresas. Por isso, esse novo
jeito de lidar com a equipe se expande como um sopro de esperança e abre espaço
para que pessoas bacanas -- dispostas, entre outras coisas, a perder tempo para
ouvir, de verdade, o que os outros têm a dizer -- cresçam quando assumem posição
de liderança. Aliás, o trabalho do líder nem deveria aparecer, somente o da sua
equipe. É tão profunda essa transformação que se exige dos chefes a disciplina
de investir tempo para refletir sobre seu papel e sua missão de vida. Ou seja, o
que está sendo proposto aos gerentes e diretores é que vivenciem um processo de
autoconhecimento contínuo. E que se façam periodicamente duas perguntas básicas:
'A quem eu sirvo?' e 'Com que objetivo?'. 'É preciso ter maturidade emocional
para adotar essa postura de vida', diz Vicky. Para as empresas, esse papo veio a
calhar. 'Essa nova liderança, aplicada em diferentes organizações, se revelou
uma arma poderosa para desenvolver o potencial e os valores intrínsecos do ser
humano', diz o professor Robson Marinho, coordenador do mestrado em liderança da
Universidade Santo Amaro, de São Paulo. Robson representa no país a entidade
Robert K. Greenleaf Center for Servant-Leadership, uma sociedade internacional
sem fins lucrativos sediada em Indianápolis, nos Estados Unidos, berço do
conceito de líder servidor no mundo dos negócios. Robert K. Greenleaf
(19041990), que passou a maior parte de sua vida profissional na AT&T, usou
pela primeira vez a expressão 'liderança servidora' em um ensaio publicado em
1970. Depois da AT&T, ele atuou, durante 25 anos, como consultor em várias
instituições, como Fundação Ford, Universidade de Ohio e MIT (Massachusetts
Institute of Technology), nos Estados Unidos. A mensagem que ele transmitia e
que o centro perpetua fala de empresas tratando funcionários e clientes com
justiça -- e em profissionais estimulados em seu crescimento pessoal. Enfim, um
mundo onde os líderes são incapazes de frustrar a confiança de quem quer que
seja. Essa nova liderança implica atender às necessidades de muitos, não de
poucos.
Mas como isso é possível? Para ser um líder comprometido com as pessoas, segundo
o guru americano, é necessário passar por uma mudança interior, cujo resultado
vai ser a incorporação de pelo menos cinco atitudes em sua vida:
1 Ouvir sem julgar Antes de dar conselhos ou fazer pré-julgamentos, é
preciso ouvir com atenção as preocupações e necessidades das pessoas com quem
trabalha. Unir-se a elas na busca de soluções, portanto, é fundamental.
2 Ser autentico Deve-se admitir abertamente seus pontos fracos e suas
limitações. Quando o líder tem essa postura a respeito de sua própria
vulnerabilidade, as pessoas aprendem a confiar nele e a respeitá-lo como uma
pessoa verdadeira e coerente.
3 Ter senso de comunidade Hoje, faz bem criar na equipe um clima de
companheirismo e amizade, como se todos pertencessem a uma família em que se
partilham as emoções, tristezas e alegrias, preocupações e vitórias,
intercalando as exigências do trabalho com momentos de comemoração e lazer. A
época do gelo profissional, em que as pessoas eram tratadas à distância, já
passou.
4 Partilhar poder Mais do que delegar funções, o líder deve dividir com a
equipe o poder de ter iniciativa e tomar decisões, mesmo com o risco de vê-la
cometer alguns equívocos.
5 Valorizar o desenvolvimento das pessoas Cada integrante da equipe tem
um valor próprio, uma experiência própria e um potencial próprio a ser
desenvolvido, tanto no sentido pessoal quanto profissional. O investimento nesse
potencial humano é um compromisso do líder. Quando as pessoas crescem, a empresa
cresce junto com elas.
Na prática, ao ser incorporadas, essas atitudes levam as pessoas a ter sucesso
em tarefas desafiantes. Ninguém mais se sente sozinho no escritório, e isso faz
toda diferença. Uma experiência bem-sucedida é da Nutrimental, de São José dos
Pinhais, arredores de Curitiba. No início dos anos 90, o faturamento da
companhia caiu 70 pontos percentuais, quando ela perdeu um contrato de
fornecimento de merenda escolar para a rede pública de ensino. Houve cerca de 1
000 demissões. Para reverter esse quadro, a direção buscou inspiração na
liderança servidora. Foi introduzido também, em 1997, o conceito de
'investigação apreciativa', criado pelo consultor americano David Cooperrider.
Ele afirma que é melhor fortalecer os pontos positivos em vez de ir à caça dos
pontos negativos. Essa idéia é disseminada no país pela entidade Espiritualidade
e Liderança para Organizações Saudáveis (Elos), de São Paulo.
O controller da Nutrimental, Joselito Mendes de Oliveira, paranaense de 43 anos,
vivenciou todo esse processo. 'Vencemos os desafios e nunca mais a empresa foi a
mesma', afirma. A receita bruta cresceu 130% entre 1997 e 2004, alcançando 154
milhões de reais. A empresa passou a fabricar cereais matinais, barras
energéticas e biscoitos. Também se abriu ao varejo e foi disputar mercado com a
Nestlé e Kellog's. Nos corredores, os diretores passaram a ser chamados de
'patrocinadores executivos'. 'Assim, ficou mais claro o que as pessoas esperam
dos executivos, ou seja, que eles não tentem dirigi-las', diz Bruna Pachelli,
coordenadora de gestão de pessoas da Nutrimental. A implantação da liderança
servidora na Nutrimental levou um ano. Ao longo dos 12 meses, cerca de 700
funcionários puderam falar o que pensam de verdade para seus chefes. 'Foi
difícil e um dos líderes pediu demissão porque só queria impor suas vontades',
conta Joselito. Pai de três filhos, o controller usa as novas teorias em casa.
'Agora pergunto aos meus filhos como eles podem repetir uma nota boa em uma
disciplina em que não vão bem.'
Uma lição aprendida pelos executivos da Nutrimental é que se tornar um novo
líder exige um processo de aprendizado de dentro para fora. Por isso, prescinde
que cada um decida mudar por si só. 'No fundo, a liderança servidora está apenas
um pouco mais evoluída em uns do que em outros', diz Elaine Saad, diretora da
Right Saad-Fellipelli. Irá alcançá-la quem conjugar a consciência dessa missão
com o desenvolvimento de competências para realizá-la. E a missão -- que fique
registrado -- é levar as pessoas a crescer e a desenvolver o que têm de melhor.
Os treinamentos convencionais de liderança não dão conta desse recado. Hoje, os
cursos tendem a abordar muito mais o conceito de poder do que a capacidade de
reconhecimento de competência que leva um grupo de profissionais a atingir seus
objetivos.
Por essa razão, a baiana Magda Beck, 38 anos, buscou um solução alternativa.
Gerente da área de gestão de projetos do departamento de gestão de risco e
compliance do Bradesco, em São Paulo, a executiva matriculou-se no Programa de
Desenvolvimento de Líderes em Relações Conscientes, da Elos. 'Nos encontros com
outros gerentes e diretores buscamos inspiração para encontrar uma nova forma de
olhar a carreira e as pessoas', diz. Magda aprendeu a controlar seus impulsos de
autoritarismo e passou a admitir publicamente que é uma pessoa sensível e
espiritualizada -- e que quer trabalhar com gente como ela. 'Encontrei suporte
do comando do banco e agora reproduzo os conceitos de espiritualidade e
liderança no meu trabalho', afirma Magda. É essencial que o ambiente no
escritório respeite as pessoas como elas são, pois assim se valoriza a
diversidade e ela favorece esse tipo de mudança. 'Se as companhias não se
prepararem para ter esse tipo de ambiente, perderão os líderes especiais e uma
enorme vantagem competitiva', avisa Elaine, da Right Saad-Fellipelli.
Solte o verbo
O novo líder costuma demonstrar interesse pela equipe estimulando o diálogo
verdadeiro entre as pessoas. Confira abaixo sete perguntas que ajudam a dar um
novo sentido à comunicação entre chefe e subordinado:
* Quais necessidades você tem aqui que nós não conhecemos?
* Se você pudesse mudar alguma coisa na empresa, o que mudaria?
* O que preciso fazer para ser um líder melhor?
* Como a empresa e eu podemos dar mais assistência a você?
* Você gosta do que faz aqui, por que não me diz quais são suas metas para os
próximos 12 meses?
* Como tem sido o feedback das suas colocações e queixas?
* Quais obstáculos você encontra para melhorar sua performance?
Inspiração brasileira
O guru norte-americano Robert K. Greenleaf definiu a liderança servidora como um
modo amplo e profundo de ver a vida e o trabalho. Nas empresas onde esse novo
conceito é aplicado, a antiga forma de comando 'de cima para baixo' é,
fatalmente, desprezada.
Em seu lugar nasce uma cultura corporativa mais igualitária. Na companhia aérea
americana Jet Blue, esse jeito diferente de tocar os negócios tem inspirado
lealdade dos empregados e até mesmo dos clientes. Em entrevista à edição em
inglês da Harvard Business Review, publicada em março, David Neeleman, CEO e
fundador da Jet Blue, afirma que se esforça para eliminar as diferenças de
status entre os funcionários e servi-los melhor.
Por essa razão, David tem mesa e cadeira do mesmo tipo das usadas por qualquer
um do escritório. Os executivos não têm vagas de estacionamento reservadas e o
café servido na cozinha é o mesmo para todo mundo. 'Eu digo aos meus pilotos que
há pessoas que fazem mais dinheiro na empresa do que outras, mas isso não
significa que você deve ostentar essa condição', diz David na entrevista. Os
passageiros da companhia também são tratados sem distinção de classes dentro dos
aviões.
David teve o insight para servir em vez de ser servido após uma forte
experiência de vida no Brasil. Ele esteve por aqui, há 20 anos, para um trabalho
voluntário numa favela no Rio de Janeiro. O executivo, na época um recém-formado
pela Universidade de Utah, descobriu um enorme prazer em ajudar as pessoas.
Hoje, sempre que tem oportunidade, ele atende clientes diretamente, carrega sua
própria bagagem durante as viagens e costuma alugar um carro padrão mediano. O
CEO incorporou tanto os princípios da liderança servidora que apoiou a criação
do Jet Blue Crewmember Crisis Fund. Todos na empresa dão dinheiro para o fundo.
Os recursos ajudam funcionários em situação de emergência. Por exemplo, quando
um deles precisa ir a uma sessão de quimioterapia, a empresa paga a babá para
cuidar do seu filho. Isso é servir. Por essas e outras, a empresa de David
cresce ano a ano enquanto outras companhias aéreas americanas vão voando baixo
em direção à bancarrota.