Como agir - Comércio de dados sem autorização
Pouco tempo depois de ter sido demitido, o analista de sistemas Wagner
Aparecido Miranda recebeu ligação de um funcionário da Dow Right, consultoria em
recursos humanos, informando que havia uma vaga que se “encaixava perfeitamente”
ao seu perfil. “Perguntei-lhe como sabia da minha situação, e ele respondeu que
alguns colegas meus haviam contado, mas não revelou quem tinha sido.”
Na esperança de conseguir um novo emprego, Miranda assinou contrato com a Dow
Right, pagando R$ 1.552 pelo serviço de recolocação profissional. Depois, sobre
a vaga que se “encaixava perfeitamente ao seu perfil”, não teve nenhuma notícia.
“Senti-me enganado”, conta. “Pedi o cancelamento do contrato, mas só devolveram
o valor pago depois de muita insistência.”
Amigo de Miranda, Luiz Carlos Dornelas também estava desempregado quando foi
contatado pela Dow Right, da mesma maneira que Miranda. “Um funcionário ligou-me
e disse que tinha o meu currículo e havia uma vaga para mim. Achei muito
estranho e questionei como tinham conseguido o documento, mas somente informaram
que ‘alguém’ havia lhes passado. Como eu tinha conhecimento do que haviam feito
com o Miranda (que o emprego dos sonhos não existia), recusei a vaga”, conta.
A Dow Right informa que a sua fonte de informação sobre as pessoas desempregadas
são os currículos disponíveis em diversos sites de recolocação profissional e
até mesmo em anúncios. “Esses dados são públicos e procuramos aqueles
profissionais que tenham o perfil das vagas em aberto”, afirma a Assessoria de
Imprensa.
Falta legislação
“Infelizmente, não existe nenhuma legislação que puna as empresas que acessem ou
comercializem cadastros sem autorização do consumidor, que, por sua vez, fica
sem ter como se proteger”, destaca Marco Antônio Zanellato, promotor e
coordenador das Promotorias de Defesa do Consumidor do Ministério Público de São
Paulo. “Na União Européia, por exemplo, existe uma legislação que permite aos
consumidores denunciar às autoridades as empresas que vendem seus dados pessoais
sem a autorização. E, segundo a lei, se confirmada a denúncia, as empresas são
multadas”, continua.
É importante ressaltar, entretanto, que, independentemente da falta de
legislação no País, a transferência de dados sem autorização, de acordo com o
promotor de Justiça e coordenador de Defesa do Consumidor de Santa Catarina,
Fábio de Souza Trajano, é considerada violação dos direitos da personalidade,
vetado pelo inciso X do artigo 5º da Constituição Federal (CF).
Sônia Cristina Amaro, assistente de Direção do Procon-SP, lembra ainda que o
artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que “a abertura de
cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada
por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele”, e empresas que não
sigam essa determinação estão infringindo o CDC, podendo ser punidas pelo
Procon. “Sem contar que a prática pode ser considerada como prática abusiva pelo
artigo 39 do CDC”, acrescenta Trajano.
O que diz a Lei: |
Constituição
Federal |
Código de Defesa
do Consumidor |
Artigo 5o:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação. |
Artigo 43: O
consumidor, sem prejuízo do disposto no artigo 86, terá acesso às
informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais
e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre suas respectivas
fontes.
§2o. A abertura de cadastro, ficha, registro e
dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao
consumidor quando não solicitada por ele. |
Procedimento da empresa deve
ser denunciado à Justiça
Por enquanto, o consumidor que vir a saber que seus dados foram distribuídos sem
seu consentimento deve denunciar aos órgãos de defesa do consumidor, como à
Fundação Procon. “O procedimento do Procon será procurar a empresa e exigir
esclarecimentos e, caso seja comprovada a prática, a entidade poderá aplicar
sanções administrativas à empresa”, afirma Sônia.
Adalberto Pasqualotto, presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito
do Consumidor (Brasilcon), orienta o consumidor a procurar também o Ministério
Público (MP), “mas neste caso a investigação terá caráter coletivo, ou seja, vão
investigar a denúncia visando à proteção futura do consumidor.”
Abrir ação no Judiciário pleiteando indenização por eventuais danos morais em
razão da divulgação dos dados é outra saída para o consumidor. “Só que ele terá
de provar que houve a comercialização de seus dados sem sua autorização. E aí
está a maior dificuldade”, diz Zanellato.
Leonardo Bessa, promotor de defesa do consumidor do Ministério Público do
Distrito Federal, aponta uma saída: o juiz pode solicitar a inversão do ônus da
prova, ou seja, que a empresa confirme, por meio de documentos, que tinha a
autorização do consumidor para divulgar seus dados. “Esse é um dos direitos
básicos do consumidor, assegurado pelo inciso VIII do artigo 6º do CDC. E, se
comprovado que o consumidor não havia autorizado, a empresa terá indenizá-lo
moralmente”, conclui.
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