Quantas vezes você já se deparou, ou mesmo preparou, um anúncio para
contratação de um vendedor, no qual estava escrito a necessidade de se ter “boa
comunicação”? Pois é, trata-se de um entendimento comum de que vendedores devem
se comunicar bem com seus clientes. No entanto, acredito que essa habilidade
muitas vezes é mal interpretada tanto pela área comercial como pela área de
Recursos Humanos das empresas.
Alguns profissionais tiveram seu debute na carreira de Vendas, porque alguém
achou que eles sabiam se comunicar: “Esse sujeito fala bem. Põe ele em Vendas!”.
Para que o novo candidato a vendedor do ano pudesse falar bem sobre aquilo que
iria vender, entregava-se a ele uma série de informações sobre os produtos ou
serviços da empresa, jogando, em seguida, o pobre coitado aos leões: “Agora, vai
lá e vende!”.
Vamos fazer um teste? Observe algumas visitas a clientes da sua equipe
comercial. Se eles não foram submetidos a algum processo de planejamento e
preparação de seus contatos de Vendas, são altas as chances de que você
identifique uma anomalia que eu costumo chamar de “síndrome de Pato Donald”.
Em 80% dessas visitas, você certamente irá verificar que os vendedores falaram
mais que os seus clientes. Mais ainda, do tempo total que eles ficaram falando,
80% foi gasto discorrendo sobre os seus produtos ou serviços. Pior, durante o
tempo no qual eles apresentaram suas ofertas, 80% foi usado para abordar as
características das maravilhas que eles têm para vender.
Faça as contas! Em geral, metade do tempo de uma visita ou contato de
Vendas é gasto falando-se sobre as características de um produto ou serviço.
Afirmar uma determinada particularidade é algo sempre objetivo, por essa razão,
vendedores e técnicos amam fazer esse tipo de declaração. Entretanto, é
importante entender que características sempre dão margens a objeções, pois
quando as usamos para vender, o cliente fica na defensiva.
Neste tipo de abordagem, o vendedor apresenta as características e funções de
suas ofertas sem antes compreender corretamente a pessoa que está diante dele.
Ao contrário, ele é que espera que o cliente compreenda as possíveis conexões de
seus produtos ou serviços com a realidade sendo vivenciada.
Considero que Walt Disney deixou um grande presente para todos aqueles que
trabalham em Vendas: os exemplos do Mickey Mouse e do Pato Donald. O Mickey tem
orelhas grandes e boca pequena. O Donald não tem orelhas e, apesar de sua boca
grande, as pessoas não entendem o que ele fala. No final das histórias, o Mickey
sempre acaba bem. Mas, como é que termina mesmo o Pato Donald?
Em uma abordagem consultiva em Vendas, o profissional age muito mais como um
Mickey do que como um Pato Donald. Ele inicia seus contatos compreendendo a
situação sendo vivenciada por aqueles com os quais ele está conversando,
procurando entender ou despertar suas necessidades. Somente depois desta fase
inicial de compreensão é que um profissional mais eficiente começa a usar seus
produtos ou serviços para vender. Neste segundo tipo de procedimento, o vendedor
foca seus esforços em estruturar e fazer boas perguntas, ouvir e aprender,
buscando potenciais aderências entre a situação diagnosticada e suas ofertas. Ou
seja, o vendedor foca no cliente!
A idéia de que bons vendedores são aqueles que sabem falar tem origens
históricas. O conceito de equipes de Vendas, isto é, grupos de indivíduos que se
deslocam de um lugar para outro a procura de clientes, surgiu com a formação do
que chamamos hoje de mercados de massa. E isso ocorreu em primeiro lugar nos
Estados Unidos, estimulado por fatores, como a existência de uma moeda comum, a
possibilidade de comunicação entre longas distâncias proporcionada pela invenção
do telégrafo e a construção das estradas de ferro, permitindo o deslocamento dos
vendedores de uma cidade para outra.
Mas tudo isso ocorreu nos idos de 1840, época em que os mercados eram mais
demandadores do que ofertantes. Ou seja, fazia sentido ter pessoas que chegassem
a uma cidade para falarem das novidades que tinham para oferecer. No entanto,
esse raciocínio não se aplica mais aos dias de hoje. Em um mundo mais complexo e
competitivo, as pessoas fazem a sua opção de escolha por aqueles que demonstram
uma maior vontade e capacidade de compreensão das realidades individuais de cada
um. Nesse cenário, o vendedor deve agir mais como um psicólogo do que como um
Pato Donald.
Infelizmente, a questão de se ter boa comunicação em Vendas é ainda mal
compreendida por muitos. Quer fazer outro teste para entender melhor esse erro
de percepção histórico? Acabei de fazê-lo e você pode repeti-lo por conta
própria. Entrei com a referência “curso como falar” (assim, entre aspas mesmo)
num famoso site de busca da Internet, havia 9.810 referências. Em seguida,
busquei a expressão “curso como ouvir”; apareceram duas!
Muitos vendedores sofrem da síndrome do Pato Donald por não saberem que existe
outro caminho mais produtivo. Foram condicionados dentro de um modelo
ultrapassado, que simplesmente não funciona mais. Infelizmente, outros, mesmo
sabendo insistem no erro, agindo não como Donalds ou Mickeys, mas como outro
personagem de nosso querido Walt Disney. Aí está uma grande oportunidade para os
profissionais de Recursos Humanos ajudarem suas áreas de Vendas a serem mais
eficazes.