Ações / Bolsa de Valores - Interatividade é tudo
Para transformar o investimento em práticas sustentáveis em valor aos
acionistas, empresas precisam melhorar sua comunicação Por Léa de Luca
Marco Antonio Fujihara, coordenador da Comissão de Sustentabilidade do Instituto
Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri) e diretor da Totum
Sustentabilitas, é engenheiro agrônomo formado pela Universidade de São Paulo,
com doutorado na escola de governo da Harvard University. Nos últimos 25 anos,
acumulou experiências atuando no setor florestal internacional, como funcionário
do Banco Mundial, e no IBAMA. Antes de abrir, com um grupo de sócios, suas duas
empresas – o Instituto Totum e a Sustain Capital – Fujihara era diretor de
sustentabilidade da PricewaterhouseCoopers no Brasil.
Conhecido e reconhecido pelas suas idéias criativas e pelo grande conhecimento
técnico do assunto, Fujihara é especialista em mercado de crédito de carbono,
razão pela qual foi escolhido pelo BNDES para gerir o primeiro fundo brasileiro
dedicado a investir apenas em empresas geradoras desses créditos. A gestora de
recursos Sustain Capital acaba de receber autorização para lançar o fundo, que
pretende captar R$ 500 milhões.
O Instituto Totum trabalha basicamente com sustentabilidade, é focado em geração
de valor a longo prazo, e monta sistemas de certificação em auto-regulação, como
o selo Abic para a indústria de café – segundo o consultor, essa é uma tendência
cada vez mais explorada pelas áreas de consultoria no Brasil. “Abrimos há um ano
e meio com 12 pessoas e hoje temos mais de 70.” Entre seus clientes estão as
maiores empresas do País, como Bradesco e Vale, por exemplo. Leia a seguir os
principais trechos da entrevista concedida pelo especialista à Razão Contábil:
Razão Contábil – Como as empresas brasileiras estão comunicando a adoção de
práticas sustentáveis nos seus negócios?
Marco Antonio Fujihara – O web site é uma grande ferramenta que poderia
ser mais bem utilizada para comunicar, mas na maioria dos casos os sites
dedicados à sustentabilidade nas empresas não têm interatividade suficiente. Por
exemplo, outro dia precisava saber quantas milhas eu tinha acumuladas numa
companhia aérea, e pelo telefone não consegui nada, fiquei muito tempo
esperando; quando entrei no web site da empresa foi muito mais fácil, vi uma
atendente on-line, só tive de esperar um pouco, mas já sabia que era o terceiro
da fila – e funcionou. Os web sites das companhias abertas são pensados apenas
para os acionistas, se fossem voltados a todos os públicos seriam mais
eficientes, divertidos, interativos. Minha impressão é a de que os sites são
ainda muito mais mercadológicos do que comunicativos; sinto que falta maior
interatividade.
RC – Qual é a importância da interatividade?
MAF – Qualquer um se sente mais próximo de uma empresa que oferece mais
interatividade, que disponibiliza chats na sua página na internet, por exemplo.
Mas isso é pouco usado, como é pouco usado também um recurso geográfico hoje
muito acessível que poderia ser muito útil – uma mineradora de grande porte, por
exemplo, poderia usar o programa Google Earth, em tempo real, mostrando o que
está acontecendo nas áreas de mineração...
RC – Quem adota boas práticas de sustentabilidade e governança pode ser
prejudicado por não comunicar direito essas ações, não ter essas informações
disponíveis nos sites?
MAF – Na verdade as empresas que têm boas práticas já sabem se comunicar
com seus públicos, o problema é que elas colocam tudo em pacotes. A
disponibilidade de informações é muito grande, mas elas estão divididas em
pacotes, estanques, não têm interatividade nem organicidade. Muitas vezes quem
acessa informações em um site de uma empresa grande, quando tem alguma dúvida
não tem como esclarecer. Isso já aconteceu comigo. As empresas poderiam usar
melhor as ferramentas, os recursos disponíveis, a internet serve para facilitar
a comunicação em tempo real, a interatividade permite saber, prever as coisas
antes de elas acontecerem; e sustentabilidade não é só uma questão de boas
práticas gerenciais...
RC – No que mais consiste a sustentabilidade?
MAF – Quem investe em sustentabilidade busca reputação, não apenas
imagem, imagem um bom marqueteiro faz, reputação leva tempo para construir.
Ferramentas de interatividade ajudam nessa construção, na medida em que ajudam a
descobrir se a empresa está falando uma bobagem, se tem compromisso de fato com
aquilo ou não. Interatividade gera compromisso. É o que acontece quando as
pessoas conversam, fica mais fácil perceber conversando do que lendo se alguém
está falando a verdade ou não. São os compromissos com a comunidade, com os
públicos, e sua comprovação, o que mostram sustentabilidade. E cada vez mais, o
uso da tecnologia e dessas ferramentas permite uma comunicação com rapidez,
democrática, interativa, a custos baixos...
RC – Onde mais é preciso avançar?
MAF – Faltam métricas, sistemas para medir sustentabilidade. O ISE
(Índice de Sustentabilidade Empresarial, da Bovespa) e o Dow Jones
Sustainability (da Bolsa de Nova York), por exemplo, são tentativas de medir,
mas ainda baseadas apenas em questionários. A primeira peneira deve ser mesmo um
questionário, mas seria preciso evoluir, identificar evidências. Temos também de
“desideologizar” o processo...
RC – Desideologizar?
MAF – Uma empresa que produz tabaco, por exemplo, ou uma fábrica de
armamentos, podem ser sustentáveis, se tiverem boas práticas de tratamento de
resíduos. Não estou discutindo a finalidade da organização, estou discutindo as
práticas. É preciso também que as empresas se preocupem em criar canais de
comunicação com seus públicos, até questões político-ideológicas têm de ser
tratadas por meio de canais de comunicação mais abertos, interativos. É um
caminho difícil, principalmente para empresas geograficamente dispersas, mas é
preciso tentar, as empresas têm de conseguir fazer isso. Um exemplo de questão
ideológica influindo na percepção da sustentabilidade de uma empresa é a
Petrobras. Suas ações são as mais negociadas na Bovespa, mas ela quase ficou
fora do ISE. E olha que a empresa está sempre bem-colocada em rankings globais
de sustentabilidade...
RC – Em relação a empresas estrangeiras, em que estágio estão as empresas
brasileiras?
MAF – Já evoluímos um bocado, mas falta muito ainda. A maioria dos
relatórios, por exemplo, são peças de marketing, instrumentos de prestação de
contas, a serviço das áreas de comunicação das empresas... Os marqueteiros, que
pegaram a bandeira da sustentabilidade e saíram correndo com ela 20 anos atrás,
têm grande mérito na difusão do conceito, mas é preciso conteúdo,
consistência...
RC – E como é possível diferenciar o que é puro marketing do que é
verdadeiro?
MAF – Hoje já existem indicadores, como o GRI (Global Reporting
Initiatives), que é aceito globalmente, que mede a performance de uso de água,
de outros recursos... é um jeito de fazer relatórios com consistência...
RC – No Brasil nem todas as empresas produzem relatórios com base no GRI...
MAF – Existe um padrão local, do Ethos, mas é preciso usar parâmetros
globais. Não adianta fazer coisas muito tupiniquins, precisamos tropicalizar
indicadores sim, mas temos de ter um sistema de vasos comunicantes, que seja
global, e que possa ser reconhecido globalmente. Afinal a característica
fundamental da sustentabilidade é a comparabilidade. Nesse sentido o trabalho
sobre web sites que vocês estão divulgando nessa edição é muito importante,
permite às empresas se situarem num ranking, se compararem às outras...
RC – A convergência de parâmetros é uma tendência global, já chegou aos
balanços financeiros, discute-se agora até a convergência tributária...
MAF – Comparabilidade é o que dá valor. Valor hoje é percepção.
Antigamente, o valor de um bem era dado pela sua utilidade: uma simples xícara
no deserto vale muito mais do que aqui, porque é útil para carregar água. Hoje,
valor está ligado à propensão que o público consumidor (ou o investidor) tem de
pagar por ela, ou seja, quem manda é a demanda. E as ações, pedacinhos das
empresas que são negociadas na Bolsa, valem o que as pessoas estão dispostas a
pagar por elas. Os investidores estão mais dispostos a pagar mais por uma
empresa que tem menos reputação, ou por uma que tem mais reputação? Por isso é
que se diz que sustentabilidade gera valor, e gerar valor significa perenizar o
negócio. No fundo, sustentabilidade está ligada à percepção do valor que as
pessoas têm daquela empresa. Sustentabilidade é perenidade...
RC – A maioria das empresas que nos últimos anos investiu mais em
sustentabilidade está viva e bem até hoje? Por exemplo, o banco holandês ABN,
conhecido como pioneiro na adoção de boas práticas, principalmente
socioambientais, acabou comprado, desapareceu...
MAF – Mas é uma exceção. Veja que cada vez mais os gestores de fundos de
pensão, com a obrigação de pagar aposentadorias no futuro, preferem não arriscar
em opções de investimento voláteis, escolhem empresas que têm rentabilidade
estável a longo prazo. Sustentabilidade tem de ser vista sempre a longo prazo...
RC – Uma empresa fabricante de cigarro, por exemplo, produto que está sob
forte bombardeio, pode se sustentar no tempo?
MAF – As empresas vão se adaptando, mudando os produtos, de acordo com as
novas percepções mercadológicas. No caso dos cigarros, inventaram o filtro
branco, baixos teores, sabores... Se a empresa adotar práticas sustentáveis vai
saber como se adaptar, inventar substitutos, e vai sobreviver...
RC – Tem como medir essa sustentabilidade pela valorização das ações?
MAF – Aqui temos o ISE, que é um bom começo – precisa ser aprimorado,
algumas coisas precisam ser mexidas, mas já é um grande começo.
RC – E já existem investidores que só colocam seu dinheiro em empresas que
fazem parte do ISE?
MAF – Claro, principalmente os investidores de longo prazo, como os
institucionais (seguradoras, fundos de pensão), que são os maiores investidores
do mundo. E esta é uma tendência crescente. Por exemplo, sou sócio de uma
empresa que acaba de lançar um FIP (Fundo de Investimento em Participações), o
Brasil Sustentabilidade, com prazo de aplicação de dez anos...
RC – Qual é o foco do fundo?
MAF – Estamos ainda escolhendo as empresas, que além de sustentáveis
precisam ser geradoras de créditos de carbono, de acordo com as regras
estabelecidas pelo protocolo de Kyoto. São vários pré-requisitos, as empresas
precisam responder a um extenso questionário. O administrador é o Bradesco, que
também é custo diante; e o gestor somos nós (Sustain Capital Management).
RC – E tem espaço para esse tipo de fundo hoje?
MAF – Há dois anos não teria, mas hoje, veja bem, o investidor-âncora é o
BNDES. Este é o único fundo de private equity que existe hoje no mercado com
esse perfil (investir só em empresas geradoras de créditos de carbono). E a
participação do Bradesco é importante para mostrar que o fundo não é uma
aventura, é sustentável, visa à perenidade. Queríamos um banco de varejo,
tradicional, sólido, brasileiro, para dar o aval a essa iniciativa totalmente
inovadora; não copiamos o modelo de ninguém: o regulamento é rígido, único, e
deu muito trabalho discuti-lo com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), mas
finalmente conseguimos registrá-lo, no começo de junho. Não estamos querendo
nada volátil, para ganhar um milhão hoje e perder um milhão amanhã... queremos
um investimento a longo prazo.
RC – Afinal, qual é sua definição para empresa sustentável?
MAF – É simples. No fundo, é sinônimo de perenidade. Não é eternidade,
não dá para medir em anos. Esse horizonte muda com o tempo, como o negócio da
empresa pode mudar com o tempo. Mas a perspectiva ganha longevidade. Porque a
empresa ganha reputação, passa a ser percebida como uma empresa digna, passa a
ser mais valorizada.
RC – É possível ser sustentável e gerar lucro?
MAF – Claro, é factível mesmo. Por exemplo, estamos agora dando
consultoria para uma empresa que quer repensar seu processo de sustentabilidade
interna, o que é difícil pela falta de réguas, de métricas... mas eles já estão
mudando sua atitude perante os investidores. Acredito que quem vai mudar a
postura das empresas são os investidores, o mercado de capitais exige e vai
ajudar a mudar o cenário mais depressa, assim como o sistema financeiro exige
dos clientes e também ajuda a acelerar o processo. E, além disso, é importante
reforçar que sustentabilidade é muito ligada a como a empresa é percebida.
Algumas empresas fazem muito e não sabem comunicar, e vice-versa... por isso a
interatividade é tão importante.
RC – Para quem caminha na corda bamba entre o lucro e o prejuízo, por
exemplo, usar papel reciclado, que é caro, e pagar todos os impostos – duas
práticas sustentáveis – não pode comprometer a sobrevivência, a sustentabilidade
da empresa?
MAF – Primeiro, é preciso derrubar certos mitos, porque usar papel de
eucalipto certificado, por exemplo, é mais sustentável no Brasil do que usar
papel reciclado... enfim, tudo depende da gestão. Tem de ter um planejamento,
não dá para fazer tudo ao mesmo tempo.
Referência:
acionista.com
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