Aplicar em fundos verdes deixou de ser apenas uma forma de filantropia. Dá para
ganhar dinheiro com empresas sustentáveis
Preservação do meio ambiente: garantia de retorno financeiro no longo prazo
Muita gente torce a cara quando o assunto é sustentabilidade. A percepção que se
alastra rapidamente é que empresas e governos falam muito e fazem pouco nessa
seara - como se viu na última reunião sobre o clima em Copenhague. Diante da
paralisia dos líderes, a temperatura do globo continua a subir. O estudo
"Economia da Mudança do Clima no Brasil" - fruto de uma parceria entre 11
instituições de peso, como a Embrapa, o Ipea e a USP - mostra que em 2050 o
Brasil pode perder 3,6 trilhões de reais em único ano com as transformações
climáticas. A indústria financeira, no entanto, começa a abrir os olhos para o
problema do aquecimento global. A boa notícia é que já existem produtos capazes
de combinar a bandeira socioambiental com lucros acima da média do mercado.
Primeiro fundo sustentável do mercado brasileiro, o Ethical, criado pelo ABN
Amro em 2001 e hoje administrado pelo Santander, acumula um rendimento quase 20%
superior ao do Ibovespa investindo somente em ações de empresas que cuidam do
planeta. Com aplicação mínima de 100 reais e taxa de administração de 3%, o
Ethical tem um patrimônio de 407 milhões de reais e ações de 29 companhias no
portfólio.
Ainda que a sustentabilidade permeie o conceito desses fundos, é importante
frisar que a busca pelo lucro continua a ser o grande norte. "A premissa do
investimento é que sustentabilidade gera valor com o tempo. E as empresas que
têm as melhores práticas vão performar acima do mercado", diz Pedro Villani,
superintendente de gestão de fundos socioambientais da Santander Asset
Management.
A teoria é endossada por especialistas. O modo como as empresas lidam com as
variáveis ambientais certamente afetará sua produtividade no futuro.
Especialistas dizem que aquelas que se anteciparem nas políticas de
sustentabilidade terão vantagens competitivas. E os fundos de investimento
sustentável são a opção acertada para quem já aposta em ganhar dinheiro com
essas companhias.
Seleção verde
Parte dos fundos sustentáveis cria conselhos para avaliar como as empresas
tratam itens como eficiência energética, gestão de resíduos e respeito às
minorias. A ideia é avaliar não apenas lucros e rentabilidade - como qualquer
outro gestor de fundo - mas também os aspectos sociais e ambientais da empresa
onde o dinheiro será investido. Esses critérios fazem com que o Ethical invista
inclusive em empresas que não fazem parte do Índice de Sustentabilidade
Empresarial (ISE) da Bovespa, como Vale e EcoRodovias.
A maioria dos fundos sustentáveis, entretanto, utiliza o índice da bolsa como
parâmetro de referência para a montagem das carteiras. Foi justamente com o
intuito de demover dos mais ressabiados a ideia de que aplicar em fundos de
ações sustentáveis seria filantropia que a Bolsa de Valores de São Paulo criou
em 2005 um parâmetro para auferir a rentabilidade das companhias engajadas em
incorporar este tipo de preocupação à gestão. O ISE tem 43 ações de 34
companhias, selecionadas dentre as emissoras das 150 ações mais líquidas do
mercado. Atualmente, a Brasil Foods encabeça a lista de maior representação
acionária (10,5%), seguida pelo Grupo Gerdau (9,7%) e Embraer (5,6%). Cada setor
econômico tem participação limitada a 15% do índice.
"Minha expectativa é que cada vez mais as empresas comecem a ser cobradas por
não estarem no indicador. Nos Estados Unidos, as seguradoras perderam milhões
com o Katrina e estão repensando suas estratégias, o que prova que um evento
climático muda o modelo de negócios. Não há mais dúvida de que um índice que se
baseia em empresas com prática sustentável está falando de negócios", diz Sônia
Favaretto, diretora de Sustentabilidade da BM&FBovespa.
Ainda assim, o desempenho do indicador não apresenta resultados superiores
aos cravados pelo Índice Bovespa. Considerando balanços anuais, o ISE só foi
melhor em 2006. Analistas creditam a diferença de rentabilidade à ausência de
grandes empresas como Vale e Petrobras, que se valorizaram muito nos últimos
anos. A estatal do petróleo chegou a entrar na lista, mas saiu em 2008 em meio a
uma polêmica sobre os níveis de partículas de enxofre na produção do diesel.
Para Flavio Arruda, diretor de produtos da HSBC Global Asset Management, o
potencial desses fundos independe dos resultados já observados. "As pessoas
sempre pensam em maximizar o lucro no curto prazo e, nessa linha, tendem a achar
que investir naquilo que deu retorno muito rápido é a melhor alternativa". Ele
reitera, no entanto, que o diferencial dos fundos sustentáveis é justamente a
capacidade de antever a saúde - e a própria existência - das empresas no futuro,
avaliando o impacto que a ausência dessas políticas pode causar. No HSBC, o
fundo de ações Sustentabilidade Empresarial adota o ISE como referência, cobra
taxa de administração de 2,5% e exige investimento inicial de ao menos 1.000
reais.
Taxas solidárias
Avaliar os ganhos no curto prazo costuma não contar a favor dessa modalidade
de investimento. A despeito de seguirem o ISE ou adotarem regras próprias na
seleção das ações, os fundos sustentáveis do HSBC, Santander e Itaú Unibanco
registraram uma rentabilidade acumulada quase idêntica nos últimos 12 meses,
variando entre 62% e 63,8%.
O resultado fica abaixo do conseguido pelo ISE no mesmo período (98,5%), e
representa quase a metade dos ganhos do Ibovespa (120,5%). Com taxas de
administração mais caras, esta opção de investimento ainda não se tornou popular
por aqui. "No Brasil, vemos uma postura mais defensiva do que proativa. É mais
fácil um gestor tirar ações de uma empresa poluidora da carteira do que montar
um fundo priorizando a conservação da biodiversidade", aponta François Racicot,
consultor sênior de investimentos da Mercer.
Apesar das taxas salgadas, alguns desses produtos fazem sua parte para ajudar
o planeta. Lançado em 2004, o Fundo Itaú de Excelência Social (FIES), doa metade
da renda arrecadada com a taxa de administração de 3% ao ano para organizações
não governamentais ligadas à educação. "Se o investidor tem vontade de ajudar
escolas, mas não sabe como administrar essa doação, ele aproveita a estrutura
que o banco tem, sem deixar de pensar no retorno do seu investimento", explica
Roberto Nishikawa, diretor da Itaú Asset Management Internacional.
Mercado promissor
O universo dos fundos verdes ainda é restrito no país. Segundo a Anbima
(Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais),
existem 28 fundos dentro da categoria de Sustentabilidade e Governança, sendo
que a maior parte deles entra no rol por adotar o ISE como indicador de
referência. Juntos, eles reúnem um patrimônio líquido de 1,6 bilhão de reais,
menos de 1% do total investido em fundos de ações.
Para se ter uma ideia, o último levantamento bianual sobre a indústria de
fundos socialmente responsáveis nos Estados Unidos revelou a existência de mais
de 250 carteiras do tipo. Segundo o estudo realizado pela Social Investment
Forum, as aplicações, conhecidas como SRI na sigla em inglês, somaram 2,7
trilhões de dólares em 2007, 11% do montante investido em fundos no país.
Pesquisa mais recente da mesma entidade destacou a performance positiva da maior
parte dos fundos sustentáveis no pós-crise. Dois terços dos 160 investimentos
analisados bateram seu benchmark durante o ano de 2009, mostrando que, de fato,
boas ações corporativas podem definir quais serão as boas ações da bolsa.