Burocracia, tributação e risco cambial dificultam ganhos em fundos estrangeiros;
só a diversificação e a alta do dólar justificam a aposta
Bolsa de Nova York: acesso é mais fácil por meio de fundosPouca gente sabe
construir fortunas como o gestor americano Steve A. Cohen. Desde que abriu a
administradora de recursos SAC Capital, em 1992, Cohen entregou aos quotistas de
seus fundos um retorno anual médio de 30%. O percentual faz inveja até mesmo a
Warren Buffett e foi conquistado com uma estratégia bem diferente da utilizada
pelo "oráculo de Omaha". Cohen nunca fica sentado sobre uma posição durante
vários anos. Sua especialidade são operações de curtíssimo prazo com contratos
futuros de S&P 500, um dos principais índices americanos de ações. Quem conhece
Cohen diz que ele compra e vende esses papéis quase que intuitivamente. Mas a
maior parte das decisões de investimento na SAC Capital é tomada em conjunto com
outros 100 gerentes de portfólio. Quem não entrega lucros crescentes é
rapidamente demitido.
Se por um lado, isso é péssimo para os funcionários, por outro, costuma ser
ótimo para os clientes. A boa notícia é que Cohen está à procura de investidores
que tragam dinheiro fresco a seus fundos. Após o fechamento de cerca de 2.300
hedge funds com a crise de 2008 e 2009, ele chegou à conclusão que há muita
gente rica procurando um bom gestor de fortunas. Se você ficou interessado,
saiba que a legislação brasileira impõe uma série de restrições para
investimentos no exterior - o que costuma desanimar os menos abastados. Para
quem tem muito dinheiro, entretanto, essa pode ser uma forma interessante de
diversificar suas aplicações.
Em geral, quem investe em fundos no exterior procura a ajuda de algum
especialista capaz de selecionar as melhores aplicações. O cuidado é necessário
devido à menor transparência dos fundos estrangeiros em relação aos brasileiros.
Um fundo americano só precisa divulgar uma vez por trimestre suas posições. Essa
brecha legal permitiu, por exemplo, que Bernard Madoff - um ex-presidente da
Nasdaq - montasse um esquema de pirâmide que causou bilhões de dólares em perdas
a quotistas de várias partes do mundo. Ao final de cada trimestre, Madoff
simplesmente declarava aos órgãos reguladores que tinha vendido posições que, na
verdade, nunca existiram - e conseguiu enganar um punhado de gente.
No Brasil, diversas empresas de gestão de recursos e bancos possuem
profissionais especializados em analisar as estratégias de fundos estrangeiros.
Arthur Mizne, sócio do M Square Fund, por exemplo, já visitou mais de 2.500
fundos de investimento no exterior. Durante essas viagens, ele busca entender a
estratégia utilizada por cada gestor, encontrar quem possui as habilidades
necessárias para ganhar mais dinheiro que a média e fugir das casas pouco
transparentes ou com má reputação no mercado. Entre outras coisas, o trabalho
inclui telefonemas para os ex-funcionários de um fundo para conhecer as práticas
de investimento. Fundos menores, onde é possível esclarecer dúvidas diretamente
com o gestor, costumam ser mais acionados. "Procuro gestores que saibam fazer
algo difícil de imitar, mas fácil de entender", diz Mizne. O que sobra ao final
dessa peneira são cerca de 25 fundos onde o M Square Fund aplica o dinheiro de
seus clientes.
Via-crúcis
Encontrar um especialista para investir em um fundo no exterior, entretanto,
é a parte mais fácil. O grande problema é enfrentar a via-crúcis burocrática e
tributária imposta pela legislação brasileira. As leis são arcaicas e foram
criadas com o objetivo explícito de desestimular remessas ao exterior. Quem
quiser investir em fundos fora do país tem duas alternativas: comprar quotas de
um fundo nacional que vai aplicar o dinheiro em ativos no exterior ou adquirir
dólares e remetê-los a outro país por meio de uma instituição financeira para
depois investi-los em algum fundo. O problema é que os dois caminhos são
tortuosos.
Comprar quotas de um fundo brasileiro é menos burocrático. No entanto, a
regulamentação criada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para
investimentos no exterior fez com que poucos gestores atuassem nesse mercado.
Somente os fundos classificados como de dívida externa - aqueles que aplicam em
títulos públicos ou privados denominados em moeda estrangeira - podem aplicar
100% de seus recursos fora do país. Os fundos multimercados - uma das categorias
mais populares no Brasil - só podem investir até 20% do patrimônio no exterior.
Em todos os demais fundos, esse percentual cai para até 10%. A exceção fica por
conta dos fundos voltados para investidores superqualificados - aqueles em que
cada quotista entra com ao menos 1 milhão de reais. Para esses casos, a CVM não
estipula limitações porque entende tratar-se de um investidor mais bem-informado
e capaz de se proteger.
O outro caminho para investir no exterior por meio de fundos é encontrar um
gestor lá fora e comprar as quotas. Logo de cara, já surge o primeiro problema.
Quem tem o dinheiro no Brasil terá de fechar uma operação de câmbio e pedir para
o banco onde possui conta fazer a remessa para uma de suas agências fora do
país. O envio do dinheiro para um fundo não é tributado. O Imposto de Renda
precisará ser pago sempre que houver ganho de capital com algum resgate. A
alíquota é de 15% e a variação cambial entra na conta. Por exemplo, alguém que
aplicou 100.000 dólares no exterior quando o dólar valia 1 real e resgatar
110.000 dólares quando dólar tiver subido para 3 reais terá de pagar à Receita
Federal 34.500 reais (IR = (330.000 reais - 100.000 reais) X 0,15 = 34.500
reais). Eventuais prejuízos não geram créditos tributários para abater o imposto
no futuro. O IR precisa ser pago no mês seguinte ao resgate. Se o contribuinte
deixar para pagar quando trouxer os recursos de volta ao Brasil, terá de arcar
com multa e juros.
Por todos esses motivos, o advogado tributarista Samir Choaib, sócio do
escritório Choaib, Paiva e Justo, acredita que vale a pena abrir uma empresa no
exterior sempre que a pessoa decidir aplicar a partir de 500.000 dólares por um
longo período lá fora. Mesmo que o dinheiro seja resgatado e reaplicado diversas
vezes, o pagamento do IR só será feito quando a empresa trouxer de volta os
recursos ao Brasil - isso se houver lucro. Além disso, não há o chamado
come-cotas nos fundos estrangeiros - os multimercados brasileiros precisam pagar
IR sobre o lucro a cada seis meses mesmo que o dinheiro não seja resgatado. A
desvantagem é que, no caso de empresas, a alíquota do IR sobe para 27,5% do
ganho no exterior. Se houver prejuízo, entretanto, será gerado um crédito
tributário para abater o imposto futuro. Por último, a empresa terá de contratar
um contador no exterior para organizar suas contas.
O investimento em fundos no exterior ainda tem uma burocracia adicional. O
cidadão que possui mais de 100.000 dólares fora do Brasil precisará entregar uma
declaração anual ao Banco Central onde vai informar a quantidade de dinheiro que
possui no exterior e em que países estão os recursos.
Então quando vale a pena?
Com tantos empecilhos, especialistas indicam que os brasileiros mantenham
dinheiro aplicado no exterior em apenas duas situações. A primeira delas é para
quem já enviou dinheiro para fora do país no passado e não planeja trazê-lo de
volta porque pode precisar arcar com despesas em dólar no futuro. O outro caso é
para uma possível inversão no fluxo de moeda estrangeira ao Brasil. Nos últimos
anos, o dólar se desvalorizou muito, reduzindo o poder de compra local de quem
comprou a moeda americana lá atrás. No entanto, com a expectativa de aumento do
déficit brasileiro em conta corrente para 60 bilhões de dólares em 2010, já há
no mercado quem acredite que o câmbio vai para cima em breve. "Se o dólar
continuar em baixa, não é inteligente investir fora do país", diz Jan Karsten,
diretor de investimento do Citibank no Brasil. "O Brasil vive um ótimo momento
econômico e há muitas alternativas interessantes de investimento por aqui", diz
.
Já Otávio Vieira, diretor de investimentos do Safdié Gestão de Patrimônio,
afirma que a diversificação da carteira é o maior objetivo dos clientes que lhe
procuram para investir no exterior. Um especialista que pediu para não ser
identificado diz que, entre seus clientes, há uma empresa que terá de pagar um
compromisso em coroas norueguesas dentro de alguns meses e não consegue fechar
internamente um contrato que a proteja desse risco. Outro exemplo é de um
empresário do setor siderúrgico que quer ter uma exposição em ações do setor de
consumo na China e não encontra na bolsa brasileira opções de investimento. Ou
então um rico empresário que já planeja sua sucessão financeira e soube que em
algum país há uma legislação mais favorável para a transmissão de heranças. A
partir desses exemplos, é possível inferir que investir no exterior é mesmo para
poucos.