Dados do BC mostram que os empréstimos tomados por pessoas físicas no BB e na
Caixa costumam ser mais baratos que no Santander, Itaú e Bradesco
Caixa: taxas mais baratas em três das quatro categorias levantadas pelo BC
Boom no setor imobiliário, frota histórica de veículos circulantes e procura
desenfreada por televisões de plasma. Outrora impensáveis, esses movimentos
refletem o aumento do poder de compra dos brasileiros e provam que os sonhos de
quem imaginava voar alto jamais estiveram tão perto do chão. Sustentáculo da
forte demanda doméstica, a oferta de crédito teve um rápido momento de aperto
após a quebra do Lehman Brothers em 2008, mas medidas anticíclicas para
incentivar o consumo abreviaram a recessão. Naquela época, a Caixa Econômica
Federal e o Banco do Brasil ampliaram as linhas de crédito destinadas à pessoa
física e conseguiram compensar a decisão das instituições privadas de brecar os
empréstimos com receio do que poderia acontecer dali para frente.
Enquanto as operações dos bancos públicos registraram uma expansão de 61%
entre setembro de 2008 e maio de 2010, os recursos concedidos pelo sistema
privado cresceram a um terço desse ritmo. Os resultados atingidos pelo BB
mostram que os juros mais baixos ajudaram a engordar a base de clientes e,
consequentemente, o retorno da instituição. Enquanto a carteira de crédito à
pessoa física cresceu 88,1% em 2009, o lucro líquido alcançou a marca de 10,1
bilhões de reais, um recorde histórico na indústria bancária. "Para os bancos, a
queda dos juros foi compensada pelo aumento do volume do crédito", afirma Andrew
Frank Storfer, presidente da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de
Finanças, Administração e Contabilidade). De fato, a taxa média para crédito
pessoal fechou 2009 em 44,4%. Em 2008, esse percentual era de 60,4%.
Para o professor de economia Evaldo Alves, da FGV/SP, é justamente a função
de agente público que abre margem para fomentos desta natureza. Apregoado como
um dos grandes responsáveis por fazer o Brasil sair da crise, o consumo interno
foi embalado tanto pelo acesso ao crédito facilitado quanto pela política fiscal
que reduziu temporariamente o IPI de itens como carros e eletrodomésticos da
linha branca. Na prática, cumpriu-se a movimentação da economia por duas
frentes, promovendo o encontro entre consumidores com dinheiro na mão e produtos
potencialmente mais baratos.
Não por acaso, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil possuem até hoje a
liderança no ranking das menores taxas ofertadas para a pessoa física entre os
grandes bancos de varejo. Para se ter uma ideia, a diferença entre Caixa e
Bradesco, respectivamente primeiro e o último colocado na modalidade de crédito
pessoal, chega a quase 100%. As instituições públicas também cobram menos juros
no cheque especial e financiamento de veículos. Confira os dados divulgados pelo
Banco Central para o período que vai de 25 de junho a 1º de julho:
Crédito pessoal
Cheque especial
Aquisição de veículos
Aquisição de bens
Fonte: Banco Central
Como se vê, os bancos privados só saem na frente na categoria aquisição de
bens, com o primeiro lugar assumido pelo Santander. "O sistema privado prioriza
a aquisição de produtos de menor valor, como televisão e aparelhos domésticos.
Por sua vez, o direcionamento da instituição pública é para um item mais caro e
durável, como o automóvel", explica Alves. Segundo o professor, quem opta pelos
bancos públicos pode poupar com as taxas, mas deve arcar com um serviço menos
ágil. "Em geral, eles exigem uma documentação mais farta para se resguardar de
qualquer problema. O foco é a segurança, principalmente para a concessão de
grandes quantias. Se por um lado isso acarreta uma cobrança mais modesta, por
outro, o processo fica mais burocrático."
Roberto Luis Troster, sócio da Delta Consultoria e ex-economista chefe da
Febraban, defende que apesar de as taxas terem de fato diminuído, o impacto na
concorrência não surte efeitos tão imediatos no bolso do consumidor. Além do
crédito liberado pelos bancos públicos representar pouco mais de 20% do total
direcionado à pessoa física, a escassa mobilidade bancária faz com que os
brasileiros permaneçam fiéis à instituição da qual são clientes. A regra vale
sobretudo para os assalariados, que tecem um vínculo duradouro com o banco onde
têm o salário depositado. "No Brasil, a possibilidade de um cliente mudar de um
banco para outro é de 0,5% em um ano. Dificilmente alguém troca de instituição
porque a outra é mais barata, e isso vale para praticamente todos os serviços",
finaliza.
Inadimplência e riscos
Alheios ou não às taxas cobradas pelas instituições, os consumidores seguem
fazendo empréstimos em ritmo galopante. Em uma década, o volume de operações
cresceu 987%, alcançando um volume de 467 bilhões de reais em janeiro de 2010.
Segundo o Banco Central, o endividamento não chega a preocupar. A relação entre
o crédito e o PIB atingiu 45% em 2009 e ainda se distancia com folga do
percentual cravado por países em situação econômica semelhante à do Brasil.
Dados do Banco Mundial revelam que essa proporção é de 97,7% no Chile e 145,20%
na África do Sul.
Mas considerando que a maioria das crises financeiras foi precedida da rápida
expansão das operações de crédito, analistas relativizam a margem disponível
para o incremento do empréstimo à pessoa física. Andrew Frank Storfer, da Anefac,
alerta para um possível descompasso entre a adequação financeira do brasileiro e
as possibilidades de compra artificialmente abraçadas. "A oferta de crédito foi
de encontro a um forte anseio das classes C e D, que passaram a ter acesso aos
bens que sempre quiseram e não podiam comprar", sustenta. "Mas quem nunca comeu
mel, quando come se lambuza. Tomar de forma indiscriminada pode levar à
inadimplência."
A Serasa Experian já projeta que a capacidade dos devedores de honrar os
compromissos financeiros deve diminuir ao longo do segundo semestre de 2010.
Para a empresa de análise de crédito, os rendimentos não acompanharam o ritmo
das dívidas contraídas. Diante do ciclo de aperto monetário para conter a
inflação e das perspectivas de aumento da Selic até o fim do ano, o
comprometimento da renda deve ser ainda maior nos próximos meses. "A redução das
taxas para as operações de crédito saiu do radar e não figura entre as grandes
preocupações dos bancos públicos", sentencia Storfer. Por isso, quem espera nova
diminuição dos juros por meio da atuação incisiva do governo, vai se deparar com
pouca ou nenhuma alteração daqui para frente.