Servidores públicos e aposentados são as maiores vítimas, mas qualquer pessoa
que tenha os dados pessoais furtados está sujeito a prejuízos
A facilidade para obter empréstimos e dados pessoais faz de aposentados e
servidores as vítimas preferenciais
O empréstimo consignado é uma das linhas de crédito mais baratas do Brasil.
Como as parcelas são descontadas diretamente na folha de pagamento, o devedor
não precisa nem se preocupar em separar o dinheiro todo mês para abater a
dívida. Por isso mesmo, essa modalidade de crédito vem sendo frequentemente
utilizada por estelionatários para ganhar dinheiro à custa de pessoas que,
muitas vezes, nem sequer fizeram esse tipo de empréstimo. As vítimas costumam
ser servidores públicos e beneficiários do INSS. Mas, a rigor, ninguém está
livre de sofrer o famoso golpe do crédito consignado - basta que seus dados
pessoais caiam em mãos erradas.
São bastante conhecidas as histórias de idosos que passaram a arcar com
descontos em seu benefício do INSS para o pagamento de empréstimos consignados
que nunca contraíram. Também não faltam casos de servidores públicos que, um
belo dia, descobriram débito semelhante em seu contracheque sem jamais terem
visto a cor do dinheiro fruto do empréstimo. Isso já aconteceu, por exemplo, com
pensionistas estaduais na Bahia em 2007, com professores do estado do Rio em
2010 e até com policiais militares fluminenses em 2008 e 2009.
Todas essas situações têm em comum o fato de terem sido causadas por
fraudadores que agem da mesma maneira. Em geral, são quadrilhas que confeccionam
documentos falsos - de carteiras de identidade a contas de luz - a partir de
dados pessoais das vítimas, como CPF, RG, conta bancária, número do benefício do
INSS e outras informações salariais. De posse das falsificações, um dos membros
da quadrilha se passa pela vítima e obtém um empréstimo consignado no nome dela.
Às vezes, não se dá o trabalho nem mesmo de falsificar uma assinatura. Diante de
duas testemunhas, também da quadrilha, o falsário finge ser analfabeto e fornece
apenas a sua impressão digital. O dinheiro é, então, creditado numa conta aberta
pelos criminosos ou é sacado direto no caixa, mediante a apresentação dos
documentos falsos. Enquanto o dinheiro do empréstimo vai para o estelionatário,
as parcelas de pagamento são descontadas do salário ou benefício da vítima. Uma
variação um pouco mais perversa envolve a obtenção de um cartão de crédito
consignado, uma verdadeira dívida sem fim.
O perfil das vítimas não é um mero acaso. Servidores públicos têm
estabilidade no emprego e normalmente recebem em dia - o que os torna clientes
disputados pelos bancos. Aposentados e pensionistas do INSS também recebem
pontualmente, e existe a garantia do benefício até o fim da vida. Com isso, os
criminosos conseguem a liberação do empréstimo com mais facilidade. Existe ainda
mais um fator que transforma essas pessoas em vítimas preferenciais: dados
cadastrais vazados dos órgãos públicos alimentam um intenso mercado informal que
abastece os estelionatários. Na outra ponta, há uma verdadeira indústria de
falsificação de documentos.
No caso do INSS, por exemplo, é possível comprar listas de cadastros até
mesmo pela internet, conforme mostrado em reportagem do "Fantástico", da "TV
Globo", exibida em novembro de 2009. Na ocasião, o próprio repórter marcou um
encontro com um homem que comercializava essas listas, comprou cadastros e
mostrou como é fácil mandar fazer documentos falsos a partir desses dados. Em
pouco tempo, o fraudador tem uma carteira de identidade nova em folha, com sua
foto, seu dedão, e o nome de outra pessoa. "O indicativo da Polícia Federal é de
que o início desses vazamentos do INSS é o Dataprev (banco de dados da
(Previdência), com sede no Rio de Janeiro", afirma Celso Pacheco, membro da
assessoria jurídica da Federação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas do
Rio Grande do Sul (Fetapergs).
Em algumas situações, os estelionatários se utilizam inclusive de técnicas
mais "sofisticadas". Em 2009, criminosos conseguiram alterar as margens
consignáveis de pelo menos cem policiais militares do Rio de Janeiro, o que
permitiu que mais de 30% da renda mensal desses servidores pudesse ser
comprometida. Resultado: conseguiram pegar empréstimos de até 60.000 reais. Por
causa do perfil do crime, a suspeita recaiu sobre servidores que atuavam no
próprio setor de Operação de Pagamento da PM.
Às vezes, até quem de fato obteve crédito consignado pode ser alvo de um
golpe. A vítima recebe o dinheiro de um empréstimo legal, mas percebe que começa
a pagar também por outros que jamais contraiu. Isso normalmente acontece com
quem recorre a correspondentes não idôneos de instituições financeiras em vez de
comparecer diretamente ao banco. No Rio Grande do Sul, em 2009, aposentados
foram vítimas do golpe do crédito consignado após seus documentos terem sido
esquecidos na financeira ou retidos indevidamente por agenciadores.
Entenda melhor como funciona o empréstimo consignado e como fazer para obtê-lo.
Orientação para as vítimas
De acordo com juristas e órgãos especializados em combate a fraudes, os
golpes do empréstimo consignado podem contar com o auxílio de supostos
correspondentes financeiros aliados a quadrilhas de estelionatários, servidores
públicos que colaborem com o vazamento dos bancos de dados e até mesmo
funcionários de bancos. Portanto, muitas vezes não há o que fazer para se
proteger. No entanto, certas condutas podem dificultar a ação de bandidos.
Primeiro, tenha cuidado com seus documentos e dados pessoais. Não passe
informações como RG, CPF, número da conta bancária, endereço residencial e
número do benefício do INSS para estranhos, principalmente por telefone ou pela
internet. Desconfie de supostas promoções e lembre-se de que bancos e
instituições públicas, como o INSS, em geral não solicitam dados por telefone ou
e-mail. Também evite deixar cópias de documentos em lojas ou em financeiras e
não permita que ninguém retenha seus documentos, o que, aliás, é ilegal. Em caso
de perda ou roubo de documentos, é dever do cidadão fazer registro de
ocorrência. Também é aconselhável comunicar o fato a órgãos de proteção ao
crédito (SPC e Serasa). Assinaturas também podem ser usadas para fraudes.
Portanto, não assine documentos em branco nem sem lê-los atentamente.
Em segundo lugar, evite recorrer a intermediários quando quiser fazer
empréstimo consignado. "O cidadão deve ter consciência de que, quando precisa
desse crédito, deve procurar o banco diretamente. Não há necessidade de nenhum
intermediário", diz Valéria Cunha, assistente de direção do Procon-SP.
Especialistas em direito do consumidor alertam que muitas vezes essas empresas e
representantes conveniados a bancos podem não ser de fato conveniados. Caso seja
necessário recorrer a uma dessas instituições, é fundamental checar se elas são
idôneas e se o vínculo com o banco de fato existe. Mais especificamente,
servidores públicos e beneficiários do INSS devem se certificar, ainda, de quais
são os bancos conveniados ao seu órgão. Os aposentados, por exemplo, podem
consultar a lista com essas instituições e suas respectivas taxas de juros no
site do Ministério da Previdência .
Também é importante manter um acompanhamento cuidadoso da própria
movimentação bancária, checando regulamente os extratos. Há relatos de pessoas
que ficaram meses pagando empréstimos pegos em seu nome de forma fraudulenta. Ao
se constatar qualquer anomalia, o primeiro passo é ir à polícia, fazer um
registro de ocorrência e comparecer ao banco onde o empréstimo foi pedido. "Às
vezes esse simples contato direto já resolve", afirma José Serpa Jr.,
especialista em direito do consumidor e editor do site Endividado.com. "Se não
resolver, cabe ação indenizatória por danos materiais e morais contra o banco e
o intermediário, se houver", conclui. O cidadão pode também comunicar ao SPC e à
Serasa e formalizar uma reclamação junto a um órgão de defesa do consumidor.
No caso específico das fraudes envolvendo aposentados e pensionistas do INSS,
o órgão reconhece o problema e alega que tomou providências junto à Polícia
Federal e ao Ministério Público para identificar a origem, a autoria e a
comercialização dos cadastros. Devido aos problemas envolvendo seus segurados, o
instituto divulga uma série de orientações sobre como proceder para obter
empréstimo consignado e como denunciar caso o beneficiário perceba ter sido alvo
de um golpe. Para conhecê-las, basta acessar a notícia sobre as regras do
consignado na
página do Ministério da Previdência.
Celso Pacheco, da Fetapergs, aconselha que o aposentado ou pensionista que
desconfiar ter sido vítima de fraude deve tirar o extrato do benefício por meio
do site da Previdência Social, e acompanhá-lo para ver se está sendo feito algum
desconto estranho. Isso porque o contracheque oficial discrimina todas as
movimentações, ao contrário do extrato bancário, que as designa de maneira
genérica. Ao perceber qualquer irregularidade, o aposentado deve ir até um posto
de benefício e pedir para verificar os dados referentes a todos os empréstimos
feitos em seu nome - valores, prazos e instituições. O cidadão tem, inclusive,
direito de comparecer à financeira ou banco e solicitar uma cópia do contrato
dos empréstimos para ter uma prova de que aquela assinatura não é a dele.
O INSS orienta ainda o beneficiário a formalizar denúncia ligando
gratuitamente para a Central 135 ou por meio da internet. O segurado pode ainda,
a qualquer momento, independentemente de ter ou não empréstimos consignados em
seu nome, comparecer a uma agência da Previdência Social e solicitar o bloqueio
do seu benefício para a realização de novos empréstimos. O desbloqueio também
pode ser feito a qualquer tempo.