Nesses tempos de ênfase ao estudo universitário, observamos, semestre após
semestre, ano após ano, um fenômeno que move milhares de jovens estudantes: a
busca por um estágio. Com a atenção presa por informes de empresas que se dizem
interessadas em encontrar no mercado jovens de iniciativa, talentosos, que
gostem de obstáculos e que disponham de uma grande vontade de evoluir, milhares
de formandos e até mesmo iniciantes de cursos - os mais corajosos - partem à
procura de uma "boa" empresa, onde possam encontrar oportunidades para começar a
desenvolver suas aptidões e capacidades, objetivando uma bem-sucedida futura
carreira profissional.
Logo de cara, dão-se conta de que o começo não é tão fácil assim. A
concorrência é cruel: universidades privadas e públicas lançam regularmente ao
mercado, melhor ou pior preparados, um número de concorrentes muito acima do
número de vagas. Mesmo assim, esta luta é encarada e os jovens passam a
enfrentar uma série de testes seletivos - entrevistas pessoais e em grupo,
testes psicológicos, dinâmicas de grupo - até despontarem aqueles "mais dotados"
ou que se inserem melhor no chamado "perfil empresarial".
E o que acontece depois? É muito comum vermos estagiários sendo utilizados
como mão-de-obra barata - especializada, sim -, porém limitada a "desencalhar"
pilhas de papel, ser um "micreiro" ou quebrar o galho em tarefas que ninguém
quer fazer. Se neste momento perguntarmos a uma série de estagiários qual a
natureza das tarefas que executa, fatalmente uma parcela reconhecerá as
atividades acima citadas.
Ora, em uma época em que a capacidade humana torna-se necessária para o
desenvolvimento da organização, a trajetória necessária é simplesmente oposta à
que vem sendo utilizada. O uso de jovens talentos não pode ser massificante. Já
não há mais espaço para modelos baseados no uso intensivo de mão-de-obra barata.
A solução do problema não está em se ter um programa de estágio bem
delineado. Trata-se, principalmente, de enfocar a problemática do estágio como
um fato que projeta luz sobre o futuro - organizacional e mundialmente falando -
cada vez mais competitivo e criterioso quanto ao uso de recursos, inclusive os
humanos.
Peter Drucker afirma, em uma de suas obras que o ideal sobre o qual se
alicerça a sociedade pós-capitalista, fundamentalmente uma sociedade de
conhecimento, é o da "pessoa educada", dado que é nela - e somente graças a ela
- que o conhecimento acontece. Ou seja, o ser humano aparece como o emblema do
conhecimento, trazendo em seu bojo o ideal educativo, que consiste não apenas em
"habilitar pessoas profissionalmente", mas fundamentalmente em "formar pessoas".
O fato de não assumir esta realidade parte também dos próprios estagiários,
que acabam por fechar o elo desse círculo vicioso: a atitude destes é, às vezes,
de total apatia frente ao papel que lhes cabe dentro da organização. Quantos
jovens encaram o estágio como uma forma de apenas cumprir créditos para a
faculdade ou ganhar uns tostões, esquecendo-se de que é somente com um começo
frutífero e encarado seriamente de ambas as partes - empresa e estagiário - que
se pode dar o estopim do desenvolvimento integral do indivíduo, gerando
resultados não apenas no nível profissional, mas também pessoal.
Afinal de contas, as empresas do futuro não vão poder se dar ao luxo de
trabalhar com materiais apenas "bons": a qualidade dos recursos humanos não
poderá ser menos que excelente. Portanto, não basta a mudança de postura apenas
de um lado. A balança tem que ser equilibrada, tanto pelas empresas quanto pelos
jovens.
Aos estagiários, cabe um questionamento: como usar, além dos braços e pernas,
o cérebro ainda oxigenado em função de um desenvolvimento profissional e humano,
de forma a acarretar em mudanças reais dentro de uma organização, fazendo com
que esta caminhe com mais competência rumo ao futuro, em termos de
competitividade, utilização de recursos e melhoria social.
As organizações, por sua vez, devem abandonar de vez suas práticas
massificantes em relação ao estágio, pois estas destroem artérias que carregam
sangue novo para dentro da empresa. O futuro necessita de material humano não
apenas "educado", mas principalmente de altíssima qualidade, que possa
transformar seu início profissional em uma alavanca permanente em busca de
excelência pessoal e, consequentemente, organizacional. Se às universidades cabe
o papel de entregar à sociedade jovens melhor preparados, às empresas cabe
dar-lhes oportunidades reais de crescimento e desenvolvimento.
Portanto, somente a mudança de foco de ambos os lados - abandono da figura da
mão-de-obra barata qualificada e da necessidade de cumprimento de um currículo
mínimo - pode induzir ao compromisso de desenvolver os profissionais que,
certamente, o futuro exigirá, garantindo a construção da arquitetura estratégica
do próprio país frente às necessidades do terceiro milênio.