Toda empresa está à venda. Ou pelo menos deveria estar. Por mais que
um empresário diga que não pensa em se desfazer dos próprios negócios, cada vez
mais deveria passar a considerar essa alternativa. No capitalismo globalizado,
mesmo empresas regionais de médio ou até pequeno porte são constantemente
assediadas por companhias estrangeiras ou pelos grandes grupos nacionais. O
mercado de fusões e aquisições voltou a ganhar força nos últimos anos, depois de
um breve arrefecimento após o trauma dos atentados contra o World Trade Center,
em setembro de 2001. Só no ano passado foram 473 negociações envolvendo empresas
brasileiras. Comprar e vender empresas passou a ser, então, uma arte (ou
ciência?) cada vez mais valorizada. Afinal, vender uma empresa envolve muito
mais do que conhecimentos técnicos ou mercadológicos. Quais os aspectos mais
críticos em um processo de fusão ou de aquisição? Quais as habilidades
necessárias para levar a negociação a um bom termo? E qual o perfil de um bom
negociador de empresas? Essas e outras questões fazem parte do dia-a-dia de quem
quer vender (ou comprar) uma empresa. E, principalmente, dos negociadores que
arquitetam essas operações, fazendo a ponte entre compradores e vendedores.
Um processo de aquisição ou fusão envolve uma série de etapas durante as quais o
negócio pode desandar – inclusive por fatores que ultrapassam as fronteiras do
próprio negócio. Plínio Chap-Chap, professor da São Paulo Business School,
lembra que os problemas podem aparecer logo no começo, quando recém se está
definindo o valor da empresa que será vendida. Ou então na fase da chamada due
dilligence, já no final do processo. No meio do caminho, podem ser determinantes
para o sucesso ou fracasso da negociação desde a definição do formato da venda e
da estruturação financeira (como será o pagamento) até eventos inesperados como
a quebra do sigilo antes de concluída a operação. Sem falar no ingrediente
emocional que exerce forte influência sobre os vendedores, exigindo dos
negociadores uma boa dose de psicologia – nem que seja de almanaque – para
entender o comportamento humano e conciliar os vários interesses em jogo. Às
vezes, apenas uma palavra mal colocada em uma reunião pode pôr o negócio a
perder.
Muitas dessas operações morrem na praia justamente na fase final, quando, por
mais confiantes que estejam comprador e vendedor, o negócio ainda não foi
fechado. “É uma fase em que costuma haver muita divergência de pontos de vista.
O comprador quase sempre quer achar alguma coisa para baixar o preço”, comenta
Chap-Chap, um dos sócios da consultoria Fleisch Capital. A diligência final é a
etapa em que não se permite esconder nenhum tipo de informação. “É a hora em que
o comprador vai abrir as gavetas e levantar os tapetes.”
Paciência e flexibilidade – Até há pouco tempo, o mercado de fusões e
aquisições estava restrito aos grandes conglomerados multinacionais, comprando
empresas já consolidadas nacionalmente em países periféricos. Mas, de uns anos
para cá, mesmo empresas de abrangência regional começam a ser alvo do apetite de
grupos maiores. Um dos setores mais movimentados é o de varejo. Nessa toada,
redes regionais como a Lojas Arno, no Rio Grande do Sul, e as catarinenses Base,
Kilar e Madol passaram para o controle do Magazine Luiza, com atuação nacional.
Isso para falar de alguns dos negócios mais recentes.
Geralmente, as grandes transações envolvendo empresas estrangeiras ou grupos
brasileiros são assessoradas por bancos de investimento e consultorias
internacionais. No Brasil, Merril Lynch, Credit Suisse, Itaú BBA, Pactual e
Unibanco concentram uma parte significativa desse mercado. KPMG e
PriceWaterhouseCoopers dominam as consultorias especializadas. Já os negócios do
middle market são assessorados por empresas de consultoria de menor porte. O
professor Paulo Valente, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
observa que o mercado de aquisições de empresas médias é recente no Brasil, mas
muito consolidado nos Estados Unidos. Com isso, começam a ganhar relevância as
consultorias de menor porte como State Capital, Fleisch Capital e Estáter Gestão
de Finanças, que operam justamente nesse nicho de mercado.
Para o sócio da Estáter, Pérsio de Souza, duas grandes virtudes necesárias numa
negociação são a paciência e a flexibilidade – por parte de vendedores,
compradores e negociadores. E recorre a Ernest Hemingway, no inesquecível O
Velho e o Mar. Tal como o pescador Santiago na luta contra o grande marlin,
também numa negociação é preciso não forçar demais para não romper a linha e, ao
mesmo tempo, ter firmeza e persistência suficientes para trazer o peixe para o
barco. Espera-se, claro, que o negociador tenha mais sorte do que Santiago; ele
venceu, sim, a batalha contra o marlin, mas acabou levando muito pouco do peixe,
que chegou à praia dilacerado pelos ataques de outros predadores.
Pérsio acredita que só com uma boa dose de paciência é possível levar até o fim
negócios que podem se arrastar por um ano – ou mais que isso. O caso recente da
venda do grupo Ipiranga para o consórcio Petrobras, Braskem e Ultra é um bom
exemplo. Souza foi quem arquitetou a operação desde o seu início, com a
preparação do tipo de negócio a ser encaminhado e o “amadurecimento” do grupo
Ultra. Em seguida, veio a fase da conciliação dos interesses de todas as outras
partes interessadas no negócio (principalmente a divisão dos ativos entre os
compradores). E, finalmente, a hora de bater o martelo com os controladores do
grupo Ipiranga. Ao todo, foram nove meses de negociação. Cauteloso ao falar do
asunto, o executivo diz apenas que a fase mais demorada foi mesmo a de dividir o
quinhão que caberia a cada um dos três compradores.
Diretor da State Capital, Luca Longobardi também reforça a importância da
paciência nesse tipo de negociação. Mesmo que, em muitos casos, paciência
signifique não meses, mas anos de dedicação a um cliente ou negócio. Longobardi
participou diretamente da venda da Lojas Arno para o Magazine Luiza e de parte
das operações da Cordoaria São Leopoldo para o grupo Lupatech. No caso da
Cordoaria, Longobardi conta que a empresa estava à procura de investidores há
cinco anos. “Analisamos diversas propostas e alternativas ao longo desse tempo”,
conta. A venda para a Lupatech só foi finalizada em setembro do ano passado. O
consultor garante que mais do que preço, o determinante na operação entre a
Lupatech e a Cordoaria foi o casamento das filosofias de trabalho dos donos e a
sinergia das atividades das empresas – ambas são fornecedoras de equipamentos
para a Petrobras.