Empréstimos criminosos a juros extorsivos crescem 25% ao ano, fazem 2
milhões de vítimas e preocupam o Banco Central
A bancária Kátia, 57, descobriu um novo jeito de ganhar dinheiro: transformou-se
numa agiota há nove anos. "Essa profissão me dá lucro", diz, sem revelar o
sobrenome. Agiotas como ela chegam a cobrar 20% de juros ao mês, o dobro da taxa
de crédito cobrada pelos bancos. Não se sabe ao certo quantos são, mas eles
estão na mira do Banco Central. "Estamos preocupados com a quantidade de
denúncias", diz João Evangelista de Sousa, chefe do Departamento de Atendimento
ao Consumidor do Banco Central. As estatísticas sobre o assunto são escassas e
desatualizadas. A mais recente que se conhece – uma pesquisa feita pela
Secretaria de Direito Econômico no ano 2000 – revelou que a agiotagem atinge 2
milhões de brasileiros e movimenta R$ 10 bilhões ao ano. Como as reclamações das
vítimas crescem à proporção de até 25% ao ano, este número hoje já pode ter mais
do que dobrado. Em 2003, os casos relatados ao Banco Central somaram 287. Só nos
primeiros quatro meses deste ano, eles já chegaram a 120. Seguindo este ritmo,
até dezembro serão 360. Parece pouco, mas esses são apenas os casos que chegam
ao BC.
Numa ação conjunta, Ministério Público, Polícia Federal e Banco Central tentam
fechar o cerco contra os agiotas. Em São Paulo, discute-se até a criação de uma
delegacia específica para este tipo de crime. No mês passado, dois esquemas que
envolviam quadrilhas organizadas foram descobertos, resultando até em uma rara
prisão de agiota. Um dos casos é de um empresário de São José dos Campos, que
foi preso depois de atuar por seis anos na região. "Ele usava uma empresa de
fachada para atrair a clientela e movimentou milhões com a agiotagem", diz o
procurador José Guilherme da Costa, do Ministério Público Federal. O acusado
exigia da vítima, a título de garantia, a assinatura de contratos passando
imóveis e outros bens para o nome dele. Como os juros chegavam a 20% ao mês, a
vítima dificilmente conseguia pagar a dívida e acabava perdendo os bens. Outras
denúncias, vindas do BC, levaram à descoberta de um agiota na região de Jacareí,
interior de São Paulo. Na semana passada, ele foi acusado pelo Ministério
Público de cometer crime contra o sistema financeiro e contra a economia
popular. "Seu alvo principal eram pessoas que tinham o nome sujo e não
conseguiam crédito nos bancos", diz o procurador Angelo Augusto Costa, do
Ministério Público Federal. O agiota mantinha uma empresa de intermediação
financeira e cobrava juros de até 500% ao ano. Um dos maiores esquemas de
agiotagem do País foi descoberto no final de 2003, em Brasília. Uma empresa de
fachada, a BSB Habitação, lesou 6 mil pessoas. Além de cobrar juros elevados, a
firma vendia consórcios e não entregava o produto.
Um dos principais motivos para as pessoas procurarem um agiota é a dificuldade
de acesso ao sistema financeiro. "Os bancos são extremamente rigorosos para
conceder crédito até para quem tem conta", diz Aluísio de Araújo, professor de
economia da FGV. A expectativa no momento é que o programa de microcrédito
lançado pelo governo federal tire as pessoas do crédito marginal. Neste ano, a
Caixa Econômica Federal já ofertou R$ 164,2 milhões de empréstimos. "Com essa
iniciativa começamos a tirar as pessoas da agiotagem", diz Jorge Mattoso,
presidente da Caixa.
Ao pegar o empréstimo com um agiota, as vítimas acreditam que conseguirão pagar
os juros, mas a dívida cresce muito rápido. "Pedi R$ 4 mil emprestados, paguei
R$ 10 mil e o agiota ainda dizia que eu devia R$ 20 mil", diz o funcionário
público M.O., de 34 anos, que ganha R$ 2 mil por mês. Pelos dados da Acrimesp
(Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo), a vítima
geralmente é um pai de família da classe média. "Recebemos várias denúncias de
pessoas que caíram nas mãos do agiota pela aparente facilidade de obter crédito
desse jeito", diz Ademar Gomes, presidente da Acremesp. As vítimas procuram a
entidade sob sigilo, pois têm vergonha de ser identificadas por amigos. Quando
chegam a fazer a denúncia é porque já estão tendo até a família ameaçada de
morte
NÚMERO DE GOLPES
287 em 2003
120 até abril 2004
Fonte: Banco Central
COMO ATUA O AGIOTA
• Cobra juros de até 20% ao mês
• Faz o empréstimo sem exigência de fiador
• O dinheiro é liberado na hora
• Exige cheques, carro ou imóvel como garantia
• Está instalado em sobrelojas sem placas, geralmente no centro da cidade
• Faz ameaças de morte caso o tomador do crédito deixe de pagar
ONDE DENUNCIAR
Banco Central
0800-992345
www.bcb.gov.br
Associação dos Advogados Criminalistas
do Estado de São Paulo Acrimesp
acrimesp@aol.com