Saiba quais são as ideias erradas mais comuns que envolvem a aplicação na bolsa
Leilão da Telebrás em 98: depois de terem virado mixaria, papéis voltaram a
subirPalco de histórias espetaculares, a bolsa é comumente envolta por uma
atmosfera mítica. O número de pessoas que perdeu dinheiro e nunca mais voltou
para o mercado é grande, mas são as histórias daqueles que ficaram milionários
que mais reverberam. "No Brasil, a renda fixa é a aplicação preponderante na
carteira, mas a bolsa é de longe a predileta. As pessoas têm muito prazer em
falar de ações", afirma Rogério Bastos, sócio diretor da FinPlan. Nada mais
natural para um tipo de investimento que caminha entre extremos, se equilibrando
entre o indubitável enriquecimento e a iminente bancarrota. De um ponto a outro,
conheça cinco mitos que rondam esse tipo de aplicação e saiba por que eles não
devem nortear a escolha dos seus papéis.
1. Mercado de ações é como o cassino
Se para muita gente aplicar na bolsa se equipara a embarcar em um jogo de
azar, a renda variável parece um caminho nebuloso e fadado ao fracasso. Mas ao
contrário da completa aleatoriedade que envolve a aposta em uma roleta de
cassino, investir em ações pressupõe a crença no crescimento das empresas.
Frequentemente as pessoas associam os papéis às operações de compra e venda e se
esquecem que eles também representam uma porção dessas companhias, instituições
que geram renda, emprego e são estimuladas pela concorrência no seu mercado de
atuação. Os lucros, portanto, derivam da performance e gestão apresentadas ao
longo do tempo.
Nos cassinos, o valor embolsado pelos vencedores é fruto de uma mera
distribuição de valores. Não há geração de riqueza, de modo que o dinheiro passa
de mão em mão e engorda a carteira de alguns poucos sortudos - quando não entra
apenas no caixa dos estabelecimentos. Embora a bolsa não seja estritamente
regida pela racionalidade, é certo que a variação dos papéis relaciona-se com os
rumo(re)s da economia e com os fundamentos econômicos das empresas. Em ambos os
casos, quando os alicerces vão bem, o lucro é repartido entre todos os
acionistas, seja pela forma de dividendos ou pela cobiçada apreciação das ações.
2. O investimento é apenas para grandes jogadores
Filmes e best-sellers que vendem a figura do investidor como grande e
poderoso homem de negócios povoam o imaginário popular. Desfilando ternos bem
cortados e saldos bancários que começam em seis dígitos, eles terminam por
afastar da bolsa o aplicador que não encarna esse estereótipo. "Greed is good"
("a ganância é boa"), diria Gordon Gekko, interpretado por Michael Douglas no
famoso "Wall Street - Poder e Cobiça". O filme retratou a geração yuppie dos
anos 80 e consolidou a imagem dos amantes de dinheiro a qualquer custo.
Determinismos à parte, não há como negociar a existência desses players no
mercado, tampouco a possibilidade das estratégias de um único investidor de peso
afetarem diretamente o preço das ações. Mas a bolsa não é formada apenas por
esses sujeitos - e certamente eles não são os únicos que dela se beneficiam.
A bem da verdade, o mercado de ações jamais esteve tão acessível ao pequeno
investidor. A internet está no âmago dessa democratização: a rede permite que
qualquer pessoa compre ativos por meio do home broker. Para isso, basta ter
registro junto a uma corretora. Além disso, a web disponibiliza um emaranhado de
informações a respeito do mundo financeiro, com notícias, análises e balanços
online. E quem não tem tempo, interesse ou disposição para se dedicar à
empreitada pode facilmente investir na renda variável sem colocar a mão na
massa. "Se o investidor não estudar um pouco as empresas e o mercado, ele estará
correndo um risco razoável. Por isso, quem não estiver disposto, faz melhor em
delegar o trabalho para um gestor profissional", diz Paulo Esteves, da Gradual
Investimentos. Nesse caso, vale considerar a aplicação em fundos de investimento
com parte ou totalidade da carteira em ações. Para entrar em muitos deles, a
aplicação inicial é de 100 reais.
Há quem acredite, inclusive, que o aplicador comum ganha vantagem sobre quem
trabalha no mercado quando considerado o resgate no longo prazo. Diferente dos
corretores ou gestores de fundos, ele não estará sob constante pressão para
mostrar resultados, pois parte-se do pressuposto que não é daí que ele vai tirar
seu ganha-pão. Se a aplicação é uma poupança para o futuro, não será preciso
realizar uma série de operações para atingir metas no fim do mês. De fato,
estudo realizado pelo Santander mostra que entrar e sair da Bolsa buscando os
melhores retornos pode custar caro. Entre 1999 e 2009, o Ibovespa entregou um
retorno anualizado de 23,11%. Quando perdidos os dez maiores pregões do período,
esse percentual caiu para 10,61%. O desempenho é inferior à rentabilidade média
de 17,18% alcançada pelo CDI, referência para muitas aplicações em renda fixa.
3. Depois da queda, a ascensão
Não é porque a máxima de vender na alta e comprar na baixa encontra-se
sacramentada no mercado que um ativo muito desvalorizado deve necessariamente
entrar na carteira de quem aplica em ações. Apostar em um papel simplesmente
porque o preço caiu pode levar o sujeito a lugar nenhum - ou pior, a um patamar
ainda inferior. Vale lembrar que os tombos por si só não alimentam as
expectativas de uma posterior apreciação. O que está em jogo é o valor da
empresa. "Estamos falando não apenas do cenário econômico, mas dos fundamentos
da companhia, que estão relacionados a aspectos como estrutura de capital,
demanda dos produtos e competitividade no mercado", ensina Pedro Galdi, analista
da SLW.
Um caso que ilustra a situação é o da Telebrás, empresa que já foi carro
chefe da bolsa e chegou a responder por mais de 52% do Ibovespa sozinha. "Com a
privatização das teles nos anos 90, a companhia perdeu todo o sentido. Uma
empresa não operacional, com dívidas, sem atividade e que o governo mantinha
aberta sem um porquê", diz Galdi. As ações, no entanto, permaneceram no mercado,
conquanto fora do portfólio da maioria dos investidores, que consideravam o
cenário de baixa irreversível. "O papel valia centavos e era altamente
especulativo". A virada aconteceu no governo Lula com o anúncio da recuperação
da Telebrás para universalizar a banda larga no país. "Só no primeiro semestre
deste ano, a alta foi de 92%", completa Galdi.
Mas se manter um papel muito barato parece estratégia imbatível, outros casos
mostram que o investimento em ações definitivamente não oferece essa
previsibilidade. Antes de se fundir com a Votorantim Celulose e Papel e formar a
Fibria, a Aracruz perdeu mais de 2 bilhões de reais em um só mês de 2008 por
conta da especulação com a taxa de câmbio através dos chamados derivativos
exóticos. O resultado não poderia ser outro: a ação que começou o ano valendo
54,20 reais, fechou 2008 ao preço de 17,93 reais. "Mas depois que a VCP assumiu
o negócio, o preço da celulose teve uma forte alta, os volumes demandados
cresceram assustadoramente e o resultado foi uma boa geração de caixa", sustenta
Galdi. Naturalmente, o mercado esperava que o papel refletisse esse cenário, o
que acabou não acontecendo. "A dívida da empresa ainda é muito grande.
Imaginou-se que a ação pudesse subir, mas na verdade ela só está caindo". De
janeiro a junho de 2010, a desvalorização chegou a 31,8%.
4. O preço revela mais do que o valor
Muitas pessoas se deixam impressionar pelo custo das ações e têm pouco - ou
nenhum - conhecimento sobre o que estão realmente estão pagando para ter na
carteira. Pela mesma razão que uma meia de 1.000 reais é caríssima e um carro do
mesmo preço é uma barganha, os preços devem ser sempre relativizados. No curto
prazo, uma empresa pode sobreviver e prosperar apoiada na especulação. Mas tão
logo os rumos do mercado desfaçam a névoa otimista, as estruturas ficarão
expostas e o desempenho da companhia eventualmente refletirá a qualidade das
vigas. Mais uma vez, o que conta é o valor destas empresas, principalmente para
investimentos de longo prazo. É importante lembrar que em um mercado afeito a
grandes oscilações, parece razoável supor que qualquer lucro colhido com as
ações já seja uma vantagem. Mas o investidor deve analisar a taxa de juros e a
inflação do período para saber se não poderia estar ganhando mais em outra
aplicação. Para se ter uma ideia, enquanto a inflação acumulada no primeiro
semestre de 2010 foi de 3,09% pelo IPCA, o ICON (Índice de Consumo), único
indicador da Bolsa com desempenho positivo no período, entregou um retorno de
1,1%, percentual bem menor que os 3,2% registrados pela tradicional caderneta de
poupança.
5. Gurus devem ser seguidos
Frases de efeito de investidores de sucesso costumam inspirar quem aplica na
bolsa. De Warren Buffett a George Soros, passando por Sam Zell e Peter Lynch, as
estratégias dos conhecidos gurus motivam o lançamento de livros do gênero, viram
lugar comum no mercado de ações e guiam a seleção dos papéis dos pequenos
investidores. Mas não seja teleguiado por elas. Investir na bolsa requer tempo e
estudo. Caso opte por montar a carteira por conta própria, tenha a consciência
que em um momento de euforia será sempre possível atribuir os louros de uma boa
aplicação a um aconselhamento remoto. No entanto, não vai adiantar praguejar
contra o mentor por trás das suas decisões quando a carteira sofrer
desvalorização. É você quem vai amargar o prejuízo e isso independente do renome
do sábio ou iluminado que foi seguido. Por isso, fuja de métodos e operações
infalíveis. O investimento em ações envolve riscos e levar a proposta adiante
sem reconhecê-los pode ser potencialmente destrutivo para o seu patrimônio.
Antes de esperar por milagres ou conselhos indefectíveis, aprenda a confiar no
seu taco. E estude o bastante para mantê-lo afiado.