Poucas cenas são tão deploráveis no contexto do trabalho como aquela em que
um colega grita com o outro. Não importa o motivo, não importa a hierarquia – em
qualquer circunstância, gritar com alguém é um recurso absolutamente
desnecessário, além de ultrapassado e inadequado.
E, no entanto, em uma grande quantidade de empresas, as pessoas continuam
gritando no trabalho. Por que isso acontece?
Tenho duas modestas opiniões: uma baseada em conceitos acadêmicos; e outra,
baseada unicamente em coisas do coração.
Vamos à primeira, a acadêmica, que agrada mais aos racionais. Se o “gritador”
não exerce nenhum tipo de poder ou hierarquia sobre o “surdo”, então estamos
diante de um simples caso de falta de educação ou descontrole emocional. Isso
num contexto, o profissional, que deveria ser altamente socializado e integrado
– pelo menos em teoria.
No entanto, se o “gritador” é chefe do “surdo”, então estaremos diante de uma
inequívoca manifestação de despreparo pessoal e profissional para liderar
pessoas ou mesmo apenas interagir com elas.
No fundo de todo grito há uma enorme arrogância ou uma profunda rebeldia – ou
seja: em essência, a motivação é atacar ou desafiar.
Quando alguém grita, das duas uma: ou quer exibir um poder que julga possuir ou
quer negá-lo no outro. No frigir dos ovos, é o velho poder que está em jogo.
“Aqui quem manda sou eu!” – grita alguém (ainda que com outras palavras) quando
quer impor poder – ou “Você não manda em mim” – grita o outro – ainda que com
outras palavras – quando a motivação é desafiar o colega.
Em ambos os casos falta de educação e sociabilidade somam-se a um absurdo
desconhecimento das mais elementares regras da comunicação e das relações
interpessoais.
É preciso lembrar que o grito equivale à agressão física, em vários sentidos.
Igualmente magoa, constrange, machuca, desune e divide equipes, uma vez que os
outros colegas tendem a tomar partido a favor ou contra os envolvidos no
“barraco”.
Geralmente, é mais simples para uma empresa resolver a situação quando os
envolvidos não são gestores. Em caso de punições, não será tão grande o impacto
no andamento das atividades, nem maior será a repercussão no mercado ou na
imagem da empresa.
Contudo, quando os envolvidos são gestores (supervisores, gerentes, diretores),
a coisa é mais séria por duas grandes razões: primeiro, porque há uma
autoridade, um representante formal da empresa envolvido. E segundo, porque a
ocorrência pode ser entendida pelos demais funcionários como uma “política”
aceita e aprovada pela cultura e pelos valores daquela organização. E neste
caso, a “culpa” é vista como compartilhada pela alta direção.
Em ambas as situações, a empresa deveria adotar urgentes e transparentes medidas
corretivas ou preventivas para que o clima não se deteriore e para que aquela
gritaria não contamine outros profissionais e outras áreas.
Bom, e agora, qual é a explicação do coração?
Dentre os inúmeros e-mails que recebo diariamente, um deles me chamou a
atenção pela interessante parábola que continha – pra variar, de “autor
desconhecido”. Diz o relato:
Um dia, um mestre perguntou aos seus discípulos: “- Por que as pessoas gritam
quando estão aborrecidas?” “- Gritamos porque perdemos a calma” - disse um
deles. “ Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao teu lado?” “- Bem,
gritamos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça”. “- Não é possível
falar-lhe em voz baixa?” – retrucou o mestre. Os homens deram algumas outras
respostas, mas nenhuma delas satisfez o mestre. Finalmente ele explicou: “-
Quando duas pessoas estão aborrecidas entre si, seus corações se afastam muito
um do outro. Para cobrir essa distância, elas precisam gritar para poderem
escutar-se mutuamente. Quanto mais aborrecidas estiverem, mais alto terão que
gritar para um ouvir ao outro através dessa grande distância”. O mestre fez uma
pausa e continuou: “- Por outro lado, o que sucede quando duas pessoas estão
enamoradas? Elas não gritam, mas se falam suavemente. E por quê? Porque seus
corações estão muito perto um do outro. Às vezes estão tão próximos seus
corações, que nem falam, somente sussurram. Outras vezes, não necessitam sequer
sussurrar, apenas se olham, e já basta. Seus corações se entendem. É isso que
acontece quando dois enamorados estão próximos”. Então, o mestre completou: “-
Portanto, amigos, no trabalho, quando discutirem, não deixem que seus corações
se afastem, não digam palavras que magoem, fazendo-os distanciarem-se ainda
mais. Porque senão, chegará um dia em que a distância será tanta que não mais
encontrarão o caminho de volta”.
Antes que me perguntem, eu respondo: prefiro a segunda explicação, aquela que
vem do coração. Por uma razão muito simples: é ele quem geralmente indica os
melhores caminhos quando tratamos de unir pessoas para o trabalho. E o que é
mais importante: sem gritar, muitas vezes até em silêncio, comunicando-se apenas
por sentimentos e intuições.
Se por um lado não há como negar que, neste mundo cada vez mais globalizado, a
comunicação entre as pessoas é fundamental, por outro lado, é preciso reconhecer
que diplomas, títulos e cargos não asseguram a ninguém o domínio da língua
essencial e universal dos homens: aquela que traz entendimento, cooperação,
harmonia e resultados positivos – a linguagem da generosidade, solidariedade,
amizade, respeito, justiça, afeto.
Estou me referindo à linguagem do coração – infelizmente ainda muito pouco
disseminada no mundo corporativo. Daí continuarem os gritos ecoando nos
escritórios, corredores e salas das empresas. Até quando?
Quem topa abrir um cursinho dessa língua?