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Carreira / Emprego - O desafio é maior quando o patrão está longe 

Data: 13/11/2008

 
 

Trabalhar como terceirizado não é tarefa fácil. Muitas vezes, esses profissionais enfrentam a desconfiança e o ciúme dos funcionários 'legítimos', que temem a possibilidade de o terceirizado vir a lhes 'roubar' o emprego. Por isso mesmo, são comuns as disputas entre as partes no ambiente de trabalho, resultando em certa má vontade no momento de cooperar. Geralmente, são necessários alguns ajustes entre os executivos que prestam serviços e os líderes - ou colegas - das empresas contratantes. 'Eles têm medo de perder o emprego para mim', diz um analista de sistemas, que presta serviços em um grande banco de varejo. 'O meu superior no banco não conhece o meu trabalho e, por isso, acha que posso ser uma ameaça ao seu cargo'.

Uma das dificuldades mais comuns dos terceirizados é a questão da hierarquia - para quem responder quando o chefe está longe. Muitos executivos que prestam serviços reclamam da intromissão de superiores da empresa contratante no desempenho das suas funções, ou do abuso de poder dos mesmos. 'É preciso, antes de mais nada, que o diretor da empresa que contrata os serviços esteja ciente de que está gerenciando um contrato - e não o trabalho do executivo terceirizado', diz Paulo Apsan, presidente da consultoria Arthur D. Little. 'O terceirizado foi chamado justamente para desempenhar uma função na qual é especialista e que não está entre as competências da companhia contratante.' Tal postura é essencial para que a organização não se torne um campo de batalhas, com a delimitação dos grupos 'nós' e 'eles'.

'Numa das primeiras reuniões que participei na Rede Globo, uma gerente de um outro setor levantou a voz quando comecei a fazer perguntas', diz a ex-consultora da Laboris Consultoria, Hebe Fontes. 'Percebi que tinha de mudar de estratégia.' Hebe decidiu equilibrar docilidade com autoridade. Deu certo. 'Quando as pessoas não me ouviam', conta, 'não tinha outra opção a não ser levar o problema para a diretoria.'

De janeiro a maio deste ano, Hebe gerenciou a implantação de um sistema na área de tecnologia da informação na emissora. A operação não foi simples. Mesmo que já faça parte de sua rotina trabalhar no cliente, Hebe não mede palavras. 'É muito complicado chegar em uma empresa com o rótulo de 'funcionária terceirizada' e ainda ter que dar ordens. Segundo ela, a desconfiança só termina quando os colegas percebem que ninguém está ali para tomar o lugar do outro. 'A reação é totalmente compreensível', diz Hebe, que acaba de trocar de emprego - há uma semana, assumiu a gerência de planejamento da Globo.com.

O ciúme também é despertado quando o assunto é remuneração. Um gerente de projetos da área de informática, que presta serviços a um banco estrangeiro, sente o problema na pele. Seus subordinados são contratados pelo banco e não são contemplados com os bônus que o gerente recebe na empresa terceirizada. O resultado é desastroso.

'A equipe faz 'corpo mole' e o trabalho emperra', diz. Nesse caso, o desempenho do executivo pode ficar comprometido. 'Já tive casos, por exemplo, de funcionários que se destacaram por bom desempenho', diz o gerente, 'mas deixei de dar a bonificação porque eles eram contratados do cliente'. A empresa, no caso, adotava políticas de incentivo diferente. 'Nessas horas, não tenho com quem me queixar', diz ele. 'Vira um jogo de empurra'. Mas o embate não pára por aí. O mesmo acontece quando, numa mesma equipe, existem funcionários de mais de uma empresa. 'É extremamente complicado agradar a todos diante de tantas culturas.'

Existem outros percalços. As empresas que contratam os serviços de terceiros também reclamam. Em uma pontocom da área de tecnologia, que contratou uma consultoria norte-americana para a implantação do seu sistema, havia dificuldade de diálogo. 'Eles não eram nada flexíveis', diz o diretor de conteúdo. As decisões eram tomadas em conjunto, registradas em uma ata e, se algo ficasse de fora, só seria resolvido em outra reunião. 'Com toda essa burocracia, o lançamento do site foi adiado em três meses', diz o diretor.

Segundo ele, os americanos simplesmente não aceitavam alterar uma linha do que tinha sido decidido nas reuniões. 'Esperavam que outro encontro fosse formalmente marcado para só então começar a pensar na possibilidade de mudar algo no projeto.' Tanto planejamento resultou em outro problema: o idioma. 'Eles esqueceram que existe acentuação no português', diz. 'Desenvolveram um programa que não reconhecia diversas palavras da língua'. Tal falha só prejudicou ainda mais o lançamento do site.

Para um analista de sistemas de uma consultoria de informática, trabalhar na sede da empresa-cliente pode ser complicado no início. 'Mas os benefícios deixam saldo positivo', diz. 'Só quando se vive o dia-a-dia da companhia é possível entender exatamente o que o cliente deseja.' O analista já esteve à frente de projetos em várias empresas. Atualmente, está alocado numa operadora de telecomunicações, no Rio de Janeiro.

Para não haver dúvida no que diz respeito a quem se reportar, o analista conta que as empresas adotam metodologias, por vezes, burocráticas. 'Todos os passos do projeto são registrados em ata', diz. 'Caso contrário, o processo não flui.' Segundo ele, é comum que um gerente 'esqueça' o que foi combinado durante a reunião e, sem querer, passe mais tarefas. 'Quando isso acontece, abrimos novo requerimento para ver se é possível alterar as prioridades.' Quase sempre é possível, já que o cliente tem sempre razão.

Esse é um problema típico de diferenças de cultura, quando empresas de áreas distintas se embrenham em um mesmo projeto. 'Saber escolher um fornecedor com perfil adequado ao seu é vital para que ambas as partes fiquem satisfeitas', diz Dennys Monteiro, headhunter da Fesa. A prática, porém, não dá ao funcionário realocado muitas opções.

Segundo Hebe Fontes, quem passa a trabalhar na empresa terceirizada tem de se adaptar às suas normas. 'Já trabalhei em locais onde os horários, por exemplo, eram bastante diferentes dos meus, além da metodologia de trabalho ser desconhecida' , diz. 'Nem por isso deixei de entrar no projeto.' Para Hebe, o importante é ter capacidade de adaptação. 'Tento encarar as etapas com naturalidade', diz. 'Nossa função é mostrar ao cliente que a escolha foi certa. O resto vem com o tempo.'



 
Referência: Aprendiz
Autor: Gazeta Mercantil
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