Fundos de capital protegido ganham mercado no Brasil ao anularem a possibilidade
de perdas em aplicações arriscadas como ações, commodities, juros e até créditos
de carbono
Jan Karsten: Citibank lançará capital protegido para commodities agrícolasA
aversão a perdas é uma das principais características do investidor brasileiro.
Principalmente para aqueles que acabaram de chegar à bolsa, deixar de ganhar é
muito diferente de perder, apesar de matematicamente ser a mesma coisa. Ver
100.000 reais investidos em ações se transformarem em 90.000 pode causar uma dor
insuportável para quem suou muito para acumular tal patrimônio. Já se os mesmos
100.000 virarem 140.000, a sensação será de alegria mesmo que a alta do Ibovespa
no mesmo período tenha sido de 80%. O produto financeiro que melhor se adaptou a
essa idiossincrasia do investidor brasileiro é o fundo de capital protegido
- que, não por acaso, tem registrado taxas de captação bem maiores que a média
da indústria.
Esses fundos permitem que o investidor fique exposto ao risco da renda
variável sem a possibilidade de perda mesmo no cenário mais negativo. Isso quer
dizer, por exemplo, que se o investidor colocar 100.000 reais em um fundo
atrelado ao Ibovespa, ele poderá receber o mesmo valor na época do resgate ainda
que o índice apresente uma queda de 50%. "Esse é um grande atrativo para quem
quer entrar em renda variável, mas ao mesmo tempo é conservador", diz Márcio
Rodrigues, professor da investeducar. "Um aposentado tem motivos de sobra para
ficar com o pé atrás com a bolsa porque não sabe quando e se poderá recuperar
eventuais perdas", diz Mauro Calil, outro especialista em finanças pessoais. "Já
o fundo de capital protegido oferece um risco que ele pode tolerar."
Não é à toa que o produto se tornou um dos maiores sucessos recentes da
indústria de fundos. O patrimônio líquido desse tipo de aplicação cresceu 72,2%
nos 12 meses encerrados em fevereiro de 2010 - um percentual muito superior ao
do setor como um todo. Logo que identificaram essa oportunidade, os bancos
lançaram uma série de fundos de capital protegido com rentabilidade atrelada ao
Ibovespa. Aos poucos, no entanto, começaram a surgir fundos de outros ativos,
como commodities metálicas, ouro, juros e cestas de ações.
Hoje, os fundos de capital protegido oferecem a possibilidade de investir até
mesmo em commodities que não tem liquidez no Brasil. "Dá para investir em
petróleo e créditos de carbono, por exemplo", afirma Nelson Alves,
vice-presidente de commodities e produtos de investimento do Barclays para
América Latina. E o processo de inovação segue em curso. "Estudamos lançar nos
próximos meses um fundo de capital protegido com commodities agrícolas", diz Jan
Karsten, diretor de investimentos do Citibank no Brasil.
Mágica ou sofisticação?
A primeira pergunta que alguém que entra em contato com os fundos de capital
protegido se faz é qual é a mágica por trás do produto. Para um investidor pouco
experiente, renda variável e possibilidade de perda são duas coisas
inseparáveis. Não há uma composição única para que os fundos tenham conseguido
apartar esses dois ingredientes, mas há algumas características comuns aos
produtos disponíveis no mercado. Em geral, um fundo atrelado ao Ibovespa não tem
nenhum real investido em ações - por mais estranho que isso possa parecer.
Trata-se, na verdade, de um fundo multimercado. Cerca de 80% a 90% dos recursos
estão aplicados em títulos públicos. É o retorno obtido por esse capital que, ao
final do fundo, vai garantir que o investidor receba de volta ao menos 100% do
que foi aplicado mesmo que a bolsa caia.
Já o restante dos recursos do fundo - ou entre 10% e 20% do patrimônio total
- será aplicado em derivativos. No caso mais tradicional, o gestor compra opções
de Ibovespa. Essas opções são um investimento de alto risco que tanto podem
garantir um retorno excepcional para o aplicador quanto podem perder todo o
valor em poucos dias. Em geral, o investidor terá uma rentabilidade equivalente
à do Ibovespa apenas se o índice respeitar determinados patamares de alta ou
baixa.
Banco líder do mercado de capital protegido no Brasil, o Santander, por
exemplo, possui um fundo que oferece retorno de até 50% para o investidor por
meio da aquisição de uma opção de compra. Isso significa que se o Ibovespa subir
até 50% num período de 24 meses, esse será o ganho do quotista. No entanto, se a
alta superar 50% em um único dia nesses dois anos, o investidor ganha a taxa
prefixada de 112% do CDI (o juro de mercado). Já se a bolsa cair até 20%, o
investidor leva esse mesmo percentual porque o gestor também adquiriu uma opção
de venda de Ibovespa. Ou seja, para uma baixa do índice de 10% ao final dos 24
meses, o ganho do investidor será de 10%.
Retorno incerto
Apesar de haver a possibilidade de o retorno desses fundos seguir o Ibovespa,
a rentabilidade tem sido bem diferente da dos fundos de ações. No auge da crise
de 2008, quando a bolsa derreteu, os fundos de capital protegido apresentaram um
pequeno ganho. No período que se seguiu, entretanto, os fundos de ações
registraram uma performance bem melhor. Nos 12 meses encerrados em fevereiro de
2010, por exemplo, a rentabilidade média dos fundos de ações atrelados ao
Ibovespa alcançou 62,1%. Já os fundos de capital protegido renderam em média
apenas 12%, algo parecido com o retorno de fundos de renda fixa ou multimercados
conservadores.
A explicação é que o Ibovespa subiu acima dos limites de alta estabelecidos
nesses fundos. Então o investidor acabou perdendo o rali das ações e levou para
casa um percentual do CDI. Como nunca é possível prever com precisão qual será o
retorno desse tipo de aplicação, especialistas recomendam que todos os
investimentos em renda variável absorvam, no máximo, 30% da carteira total. "O
fundo de capital protegido é um produto de diversificação", diz Aquiles Mosca,
estrategista do Santander Asset Management e autor de livros sobre investimentos
pessoais.
Outra característica dos fundos que deve ser levada em consideração é que
existe uma data para o início e o fim da aplicação. Em geral, esses fundos têm
prazos de duração de 12 a 24 meses. A definição sobre onde serão investidos os
recursos tem que ser feita antes da fase de captação - a informação precisa
estar no prospecto do fundo. O produto então será vendido nas agências da
instituição financeira durante algumas semanas. Após o período de captação, o
gestor investirá os recursos levantados em uma data pré-determinada. "Essa é uma
desvantagem do fundo de capital protegido, já quem nem sempre essa data será a
mais favorável para o aplicador", diz Carla dos Santos, dona da CDS Soluções
Financeiras. A data de resgate também é definida antes da fase de captação e
costuma ficar a ao menos um ano de distância. Em alguns fundos, o dinheiro até
pode ser sacado de tempos em tempos, mas em geral o quotista perde a garantia da
proteção de capital. Por esse motivo, especialistas dizem que só deve contratar
esse tipo de fundo quem não vai precisar do dinheiro até o término da aplicação.
Multimercado disfarçado
Na maioria de suas características, os fundos de capital protegido se
assemelham bastante aos demais multimercados. As quotas possuem uma volatilidade
bem maior que a dos fundos de renda fixa. A tributação obedece à tabela
regressiva do Imposto de Renda dos fundos criada pela Receita Federal. Para
investimentos de até seis meses de duração, a alíquota do IR alcança 22,5% do
ganho obtido. Esse percentual vai caindo progressivamente até chegar a 15% no
caso dos investimentos com prazo de resgate superiores a dois anos. As taxas
cobradas pelos fundos de capital protegido também se parecem com as dos
multimercados. Em geral, o pequeno investidor paga entre 2% e 2,5% de taxa de
administração. Já os clientes de alta renda conseguem taxas que variam entre 1%
e 1,5% ao ano.
Para especialistas, a principal vantagem do fundo de capital protegido foi
dar às pessoas físicas acesso a produtos que só estavam disponíveis para grandes
investidores e empresas. O mercado de opções, por exemplo, só é acessado por
pequenos investidores por meio dos minicontratos negociados na BM&F. Pouca
gente, porém, sabe usar esses instrumentos para proteger seu capital. A maior
parte dos investidores não compreende o funcionamento de contratos futuros.
Mesmo os fundos de principal protegido ainda têm como principais clientes os
investidores qualificados - aqueles que têm mais de 300.000 reais para investir
- apesar de as aplicações mínimas exigidas pelos bancos serem bem mais baixas.
De qualquer forma, esses fundos ajudam a disseminar no Brasil a cultura dos
investimentos em renda variável, que ainda engatinha entre pessoas físicas. "É
uma forma interessante de o investidor se acostumar a tomar algum risco e se
preparar para o futuro de juros mais baixos que se avizinha no Brasil", diz
Márcio Rodrigues, professor da investeducar. No Santander, metade dos quotistas
ainda são pessoas que não tinham nenhuma experiência em bolsa nem estavam
familiarizadas com a volatilidade da renda variável. "Muitos investidores que
jamais tiveram risco na carteira só se encorajaram com os fundos de capital
protegido", afirma Aquiles Mosca, estrategista do banco. Para quem ainda não tem
o sangue frio necessário para a bolsa, pode ser um primeiro passo bem
interessante.