Ação declaratória de inexistência de relação jurídica
tributária com pedido de tutela antecipada.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA COM PEDIDO DE
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face de
MUNICÍPIO DE ....., com sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., pelos motivos de fatto e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Consoante verifica-se dos documentos ora acostados, o Autor é proprietário de um
terreno não edificado, situado na Avenida ......, nº ....., desde o ano de
......., conforme certidão do registro de imóveis da ........ª Zona de .......
Não obstante não ser edificado o imóvel do Autor, houve o lançamento de IPTU
pela Demandada tributando o imóvel com alíquota de 6%, totalizando IPTU anual de
R$ ......
O Município de ......... consubstancia o lançamento no sistema de alíquotas
progressivas de IPTU instituído pela LC 212/89, a qual, consoante abaixo, fora
declarada inconstitucional.
Tal sistema progressivo de alíquotas não pode prosperar, senão vejamos.
DO DIREITO
DO SISTEMA DE ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS
O imposto representado pelos documentos inclusos está sendo exigido do Autor
pelo município de........... com base na lei complementar municipal 7/73, com a
redação que à mesma foi dada pela lei complementar municipal 212/89.
A norma tributária supra mencionada determinava diferentes alíquotas para
incidência sobre a base de cálculo consistente no diferente valor venal de cada
imóvel. Dizia o artigo 5º, parágrafo primeiro, inciso I, da referida lei
complementar:
"Art. 5º. A base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel:
§ 1º A alíquota para cálculo do imposto do prédio é:
a) valor venal até 140 URM, alíquota de 0,2%;
b) valor venal acima de 140 URM e até 280 URM, alíquota de 0,4%;
c) valor venal acima de 280 URM e até 560 URM, alíquota de 0,6%;
d) valor venal acima de 560 URM e até 1.400 URM, alíquota de 0,8%;
e) valor venal acima de 1.400 URM e até 2.800 URM, alíquota de 1%;
f) valor venal acima de 2.800 URM, alíquota de 1,2%.
II - nos demais casos:
a) valor venal de até 280 URM, alíquota de 0,6%;
b) valor venal acima de 280 URM e até 560 URM, alíquota de 0,8%;
c) valor venal acima de 560 URM e até 1.400 URM, alíquota de 1%;
d) valor venal acima de 1.400 URM e até 2.800 URM, alíquota de 1,2%;
e) valor venal acima de 2.800 URM, alíquota de 1,4%".
Observa-se, pois, que o legislador municipal optou por tributar a propriedade
urbana através de um mecanismo de ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS em função do VALOR
VENAL dos imóveis. E justamente nesta opção legislativa reside a irresignação
epigrafada, visto que, conforme se demonstrará a seguir, a adoção dessa forma de
tributação não é autorizada pela Constituição Federal para o imposto em tela.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que o IPTU será progressivo nas
seguintes hipóteses:
"Art. 156 - Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade
predial e territorial urbana; (...) § 1º - O imposto previsto no inciso I poderá
ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento
da função social da propriedade."
"Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes. (...) § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor. (...) § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei
específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei
federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente,
de: (...) II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
progressivo no tempo;"
Percebemos que a Constituição Federal admite a progressividade apenas para
assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana e/ou o adequado
aproveitamento do solo urbano, caso em que poderá ser aplicada no tempo. Isso
significa que a norma constitucional autoriza o legislador municipal utilizar-se
do mecanismo progressivo:
1) para assegurar o cumprimento da função social da propriedade, o que ocorrerá
quando ela atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas
no plano diretor; e
2) para promover o adequado aproveitamento do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado, devendo ser utilizada no tempo e nos termos de
lei específica para a área incluída no plano diretor, a qual, por sua vez, deve
pautar-se por uma lei federal ainda inexistente.
Contudo, o que faz o município de Porto Alegre? Conforme se depreende do já
citado artigo 5º da Lei Complementar Municipal 7/73 (com a redação que à mesma
foi dada pela Lei Complementar Municipal 212/89), este município estabelece uma
progressividade sem que a mesma se justifique no maior ou menor aproveitamento
do solo urbano ou no efetivo cumprimento da função social da propriedade. Além
disso, esta progressividade ocorre não em função do tempo, mas, sim, em razão do
valor venal dos imóveis. E, finalmente, esta progressividade foi instituída
apesar da ausência da Lei Federal que deveria regrar sua aplicação.
Neste mesmo sentido é o pronunciamento da doutrina nacional. A exemplificar
estão as seguintes ponderações de Marco Aurélio Greco e Aires Fernandino
Barreiro:
"Vejam o número de etapas que devem ser vencidas até que se chegue a IPTU
progressivo. Precisamos de lei federal disciplinando os institutos, precisamos
do plano diretor municipal, precisamos de uma lei específica que indique a área
do município que indique o aproveitamento. É preciso que se caracterize o
inadequado aproveitamento. É preciso impor o parcelamento ou a edificação, dando
um prazo compatível para essas figuras, para depois, se não for atendida a
exigência do parcelamento ou da edificação compulsória, exigir o IPTU
progressivo. Porém, o número de exigências feitas não pára aí. Porque? Porque
este dispositivo prevê, na política urbana, que o IPTU progressivo será
progressivo no tempo. Ora, ao prever esta hipótese, o constituinte exclui outras
formas de progressividade" (GRECO, Marco Aurélio. "Os Tributos Municipais" in A
Constituição Brasileira - 1988 - Interpretações. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1988, p. 336)
De harmônica e entrelaçada exegese, resulta, de um lado, que (a) esse imposto
poderá ser progressivo, mas só (b) de forma a assegurar o cumprimento da função
social da propriedade, que, por sua vez, vem explicitada no artigo 182 da nova
Constituição. Segundo esse dispositivo, a propriedade cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor (§ 2º). De conseguinte, sempre que a propriedade imobiliária
cumpre sua função social, não cabe qualquer progressividade. Progressão do IPTU,
na nova Constituição, só é possível nas hipóteses descritas no § 4º do art. 182,
in verbis.
É facultado o Poder Público Municipal, mediante lei específica para área
incluída no Plano Diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do
solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu
adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I. parcelamento ou edificações compulsórias;
II. Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana progressivo no
tempo'.
Ora, se o imposto progressivo no tempo está autorizado apenas naquelas situações
em que o imóvel é utilizado em desconformidade com a função social da
propriedade, prevista no Plano Diretor, isto significa circunscrever a uma só
aquelas alternativa de utilização do IPTU, com fins extra fiscais.
Isso só já seria suficiente para demonstrar, cabal e cumpridamente, que,
doravante, o IPTU só poderá ser progressivo (a) no tempo e (b) desde (e tão-só)
que a propriedade não cumpra a função social prevista no Plano Diretor (...).
Reitero: "no caso IPTU, o imposto poderá ser progressivo apenas no tempo e,
ainda assim, com caráter de penalidade, para aquele que não der ao imóvel função
condizente com o Plano Diretor" (BARRETO, Aires Fernandino. "Os Municípios na
Nova Constituição Brasileira" in A Constituição Brasileira - 1988 -
Interpretações. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, p. 86/87)
A conclusão resultante é uma só: a progressividade em função do valor venal
aplicada pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre para cálculo do imposto
representado pelo documento enviados pela Demandada à residência do Autor
flagrantemente inconstitucional.
De outra parte, cumpre observar que a legislação municipal ora combatida também
afronta a ordem constitucional ao tratar de tributar de forma distinta o "imóvel
utilizado exclusivamente como residência" e o imóvel utilizado "nos demais
casos", ou seja, não como residência (cf. artigo 5º, § 1º, incisos I e II, da
Lei Complementar Municipal nº 7/73).
Indaga-se: a Constituição permite essa distinção, ou sequer a prevê? Não. E isso
significa dizer que o Município de Porto Alegre também neste ponto ultrapassou
os limites impostos pela Constituição. Senão vejamos.
O Supremo Tribunal Federal, em leading case sobre a matéria (Recurso
Extraordinário nº 153771/MG, rel. Min. Moreira Alves), decidiu que o imposto em
tela tem natureza real e que, portanto, não se pode levar em conta a capacidade
econômica do contribuinte para a sua cobrança. Pois bem, segundo este
entendimento de nossa Suprema Corte, não apenas o estabelecimento de alíquotas
progressivas em função do valor venal do imóvel, mas também a distinção dos
imóveis de Porto Alegre entre os que são utilizados "exclusivamente como
residência" e os que são utilizados "nos demais casos" desrespeita a própria
natureza do imposto, a qual está fixada na Constituição Federal.
Ao decidir que o IPTU é um imposto de natureza real, o Supremo Tribunal Federal
deixou claro que a ele não se aplica o critério da progressividade fiscal, que
se baseia na realização do princípio da capacidade contributiva do sujeito
passivo. Em função disso, a única progressividade admitida para o imposto em
exame é a extra fiscal, na hipótese já mencionada do artigo 156, § 1º, da
Constituição Federal e desde que respeitadas as limitações impostas pelo artigo
182, parágrafos 2º e 4º, da Carta Magna.
Como conseqüência de tudo quanto foi acima exposto, tem-se que o IPTU ora
combatido é indevido, devendo ser julgada totalmente a presente demanda, a fim
de declarar a inexigibilidade do tributo..
O Supremo Tribunal Federal, em reiteradas decisões, tem entendido que o sistema
de alíquotas progressivas em decorrência do valor venal contraria a Carta Magna.
São decisões que se referem também às situações idênticas dos município de Belo
Horizonte e de São Paulo e que se repetem a cada dia, de forma a consolidar uma
jurisprudência que já é pacífica sobre a matéria.
São paradigmático os seguintes julgados da Corte Constitucional:
"Ementa:
MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. TRIBUTÁRIO. IPTU. LC Nº 07, 07.12.73, ART. 5º, § 1º,
INC. I E ALÍNEAS A À F, COM A REDAÇÃO QUE LHES DEU A LC Nº 212/89. SISTEMA DE
ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS, CONDICIONADAS PELO VALOR DO IMÓVEL. Hipótese de
ilegitimidade da exigência, por ofensa ao art. 182, § 4º, II, da Constituição
Federal, que limita a faculdade contida no art. 156, § 1º, à observância do
disposto em lei federal e à utilização do fator tempo para graduação do tributo.
Recurso conhecido e provido, com declaração de inconstitucionalidade dos
dispositivos em tela." (STF - RE-179273 / RS - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator
Ministro ILMAR GALVÃO - Publicação DJ DATA-11-09-98 PP-00022 EMENT VOL-01922-04
PP-00672 - Julgamento 04/06/1998 - Tribunal Pleno)
"Ementa
Recurso extraordinário. IPTU progressivo. - O Plenário desta Corte, a partir do
julgamento do RE 153.771, firmou o entendimento de que 'a progressividade do
IPTU que é imposto de natureza real em que não se pode levar em consideração a
capacidade econômica do contribuinte, só é admissível, em face da Constituição,
para o fim extra-fiscal de assegurar o cumprimento da função social da
propriedade (que vem definido no artigo 182, § 2º, da Carta Magna), obedecidos
os requisitos previstos no § 4º desse artigo 182'.- Dessa orientação divergiu o
acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido." (STF - RE-225192
/ SP - Relator Ministro MOREIRA ALVES - Primeira Turma)
"Ementa
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPTU: PROGRESSIVIDADE. I. - Inconstitucionalidade de
qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente
ao disposto no art. 156, § 1º, aplicado com as limitações constantes dos §§ 2º e
4º do art. 182, ambos da Constituição Federal. II. - Precedentes do STF.: RREE
153.771-MG, 204.827-SP, 205.464-SP, 198.506-SP, 202.261-SP, 194.036-SP,
192.737-SP, 193.997-SP e 194.183-SP. III. - Voto vencido do Ministro C. Velloso.
IV. - R.E. conhecido e provido." (STF - RE-236417 / SP Relator Ministro CARLOS
VELLOSO - Segunda Turma)
"Ementa
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL.
IPTU. PROGRESSIVIDADE. - O Plenário desta Corte, ao julgar o RE 153.771,
relativo à progressividade do IPTU, firmou o entendimento que 'no sistema
tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real', e, assim sendo,
'sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do
IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto
tem caráter real, que é incompatível com a progressividade decorrente da
capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse
dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (especifico).
- O acórdão recorrido julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade
em causa, porque deu ao artigo 160, §1º, da Constituição do Estado de São Paulo
(que reproduz o artigo 145, §1º, da Carta Magna Federal) interpretação diversa
da que esta Corte tem dado ao princípio constitucional federal reproduzido pela
Constituição Estadual. Recurso extraordinário conhecido e provido, para julgar
procedente a ação direta de inconstitucionalidade, declarando, com eficácia erga
omnes, inconstitucional o artigo 1º da Lei 11.152, de 30 de dezembro de 1991, do
Município de São Paulo, na parte que altera a redação dos artigos 7º e 27 e
respectivos parágrafos da Lei 6.989, de 29 de dezembro de 1966, com a redação
que lhes foi conferida pelas Leis nºs 10.394, de 20 de novembro de 1987, 10.805,
de 27 de dezembro de 1989, e 10.921, de 30 de dezembro de 1990." (STF -
RE-199281 / SP - Relator Ministro MOREIRA ALVES - Publicação DJ DATA-12-03-99
PP-00018 EMENT VOL-01942-03 PP-00625 - Julgamento 11/11/1998 - Tribunal Pleno)
no mesmo sentido ainda, dentre incontáveis outros: REx 222826/SP, REx 237456/SP,
REx 215892/SP, REx 213574/SP, REx 221817/SP, REx 230343/SP, REx 196337/SP, REx
204666/SP e REx 237130/SP.
Ante todas as evidências, portanto, é clara e pacífica a posição da mais alta
Corte de nosso país quanto à matéria em foco. O entendimento é um só: o IPTU não
pode ser cobrado mediante alíquotas progressivas aplicadas ao valor venal do
imóvel, como é feito pelo Município de Porto Alegre. Tal procedimento é
inconstitucional.
Não obstante essa realidade incontestável, é útil transcrever a ementa do
acórdão que deu origem ao entendimento jurisprudencial supra apontado, "in
verbis".
"Ementa:
- IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU
inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é
admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu
artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a
progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com
arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo
156, § 1º (específico). - A interpretação sistemática da Constituição conduz
inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extra fiscal a que
alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive
com limitação temporal, do IPTU com finalidade extra fiscal aludido no artigo
156, I, § 1º. - Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se
tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º,
aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo
182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido,
declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei
5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte." (STF - RE - 153771/MG -
Relator Ministro MOREIRA ALVES - Publicação DJ DATA-05-09-97 PP-41892 EMENT VOL-01881-03
PP-00496 - Julgamento 05/09/1997 - Tribunal Pleno)
Finalmente, merecem ser transcritas as seguintes passagens do acórdão supra
citado:
"Como se vê, o artigo 156, I, § 1º, da Constituição só permite a progressividade
do IPTU - progressividade essa que será instituída nos termos da lei municipal,
uma vez que esse imposto é da competência do município - para o fim extra fiscal
de assegurar o cumprimento da função social da propriedade" (Ministro Moreira
Alves)
"O critério, como se vê, é de natureza objetiva, certamente porque se está
diante de um tributo, não de natureza pessoal, cuja alíquota possa variar em
função das condições econômicas do proprietário do bem, na forma preconizada no
artigo 145, § 1º, da CF, parte final, mas de natureza real. Com efeito, o
tributo incidente sobre o imóvel não é necessariamente de responsabilidade de
quem lhe detinha o domínio, no exercício tributado, mas de quem o detém, à época
da cobrança ou execução." (Ministro Ilmar Galvão)
"O discurso normativo consubstanciado nesses preceitos constitucionais evidencia
e torna claro que a progressividade do IPTU, no sistema instaurado pela
Constituição da República, assume uma nítida qualificação extra fiscal.
É que essa espécie tributária - uma vez instituída pelo município, a quem
pertence a respectiva competência impositiva - poderá ser progressiva, desde
que, respeitadas as diretrizes fixadas em lei nacional (a ser ainda editada pela
União Federal), evidencia-se presente o objetivo político e extra fiscal de
assegurar, pela aplicação de alíquotas progressivas, o integral cumprimento da
função social da propriedade." ( Ministro Celso de Mello).
Aliado ao rol de irregularidades promovidas pelo Município réu em relação à
cobrança do tributo em tela, perceba-se que o autor jamais foi notificado
pessoalmente sobre eventual lançamento do crédito tributário de IPTU ora
contestado, o que lhes impede de exercer a impugnação devida.
Neste sentido, faz-se necessário analisar-se questão de ordem formal, qual seja,
estabelecer-se necessidade, ou não, de que a formalização do crédito tributário
atinente ao IPTU seja procedido de lançamento regular.
O regular lançamento, enquanto atividade administrativa, é essencial à
constituição do crédito tributário, na forma do que preceitua o art. l42 do CTN:
"Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o
crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento
administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação
correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo
devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da
penalidade cabível"
O lançamento, pois, configura um verdadeiro divisor de águas na realidade
tributária: antes dele, pode haver, no máximo, obrigação tributária; somente
depois dele é que pode surgir o crédito tributário, ou seja, pode-se exigir o
pagamento do tributo. A propósito desta distinção, o Ministro Ari Pargendler
assinalou em interessante aresto:
"A relação jurídica tributária tem dois momentos: o da obrigação tributária e o
do crédito tributário. A obrigação tributária resulta da lei e nasce no momento
em que a previsão contida na norma jurídica acontece no mundo dos fatos. A
coincidência entre previsão e ocorrência é o fato gerador da obrigação
tributária. A obrigação tributária está vinculada ao fenômeno da incidência da
norma jurídica. (...) A obrigação tributária está no mundo das idéias. O
cumprimento da lei supõe sua aplicação, que no caso se dá pela transformação da
obrigação tributária em crédito tributário, através do lançamento fiscal. O
lançamento fiscal declara a existência da obrigação tributária e constitui o
crédito tributário. (...) Em última análise, é um procedimento de liquidação da
obrigação tributária; o que antes era ilíquido passa, com o lançamento fiscal e
o crédito tributário dele decorrente, a ser líquido, quantificável. O lançamento
fiscal se aperfeiçoa com a notificação do sujeito passível e é exeqüível, se
decorrido o prazo da impugnação ou se ela for julgada improcedente por decisão
irrecorrível na via administrativa. Quando isso ocorre, o lançamento fiscal fica
apto a produzir seus .efeitos, isto é, o crédito nele constituído pode ser
cobrado" (Voto do Juiz Ari Pargendler nos E.D. n° 92.04.019395/SC, 1ª Turma do
TRF4ª, in RTRF-4, 19/ 179).
O entendimento do eminente Ministro Ary Pargendler guarda adequação total à
situação sub judice. Sem o lançamento, em que obrigatoriamente deve haver
notificação ao sujeito passivo e possibilidade de impugnação, existe, em tese,
obrigação tributária, insuscetível de ser exigida.
O egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ostenta verdadeiro leading
case na matéria, acolhendo a distinção crédito-débito e rejeitando a pura e
simples inscrição à vista do fichário da Divisão de Arrecadação, como abaixo
transcrito:
"Ementa:
IPTU. Execução fiscal. Constituição do credito tributário. Indemonstrada
notificação do contribuinte. Falta de certeza e liquidez da certidão de divida
ativa. A constituição do credito tributário e ato de responsabilidade da
entidade tributante. A inobservância de quaisquer dos requisitos são causas de
nulidade da inscrição e do processo de execução dela decorrente. O município não
demonstrou a notificação regular do contribuinte. Apelação improvida." (APC Nº
196002661, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TARGS, RELATOR: DES. FRANCISCO JOSE MOESCH,
JULGADO EM 11/04/1996)
Importante ressaltar que a legislação pátria entende que a notificação deve, em
regra, ser procedida pessoalmente ao notificado.
Vale, a propósito, citar o voto do eminente Relator, Desembargador Francisco
José Moesch, no julgado cuja ementa encontra-se supra colada:
"O art. 20l do CTN diz que constitui dívida ativa tributária a proveniente do
crédito desta natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa
competente, depois de esgotado o prazo fixado para pagamento, pela lei ou por
decisão final em processo regular. O envio do carnet do IPTU, como quer fazer
crer o apelante, não supre o necessário lançamento e respectiva notificação até
porque o envio do carnet ocorre antes do vencimento do tributo, ao passo que o
lançamento ocorre após esgotados todos os prazos para pagamento durante o ano de
exercício correspondente".
Desta forma, inexistindo crédito tributário, eis que não realizado o ato
indispensável do lançamento, uma vez que é inexigível o tributo, bem como pende
de liquidação por indispensável procedimento administrativo, devendo ser
declarada sua inexigibilidade, bem como promovida a conseqüente repetição de
indébito.
O entendimento da mais alta corte brasileira quanto à progressividade do IPTU
cristalizou-se no sentido de que a mesma só é possível quando tiver por objetivo
assegurar o cumprimento da função social da propriedade ou o adequado
aproveitamento do solo urbano. Além disso, esta progressividade deverá ser
objeto de lei federal ainda inexistente e só poderá ocorrer no tempo, e não em
função da maior ou menor capacidade econômica do contribuinte, ou seja, do maior
ou menor valor venal do imóvel de que o mesmo for proprietário.
A Constituição Federal é clara ao estabelecer as hipóteses mencionadas como
exceções a uma regra. Não pode, portanto, o Município de..... arvorar-se o
direito de criar novas hipóteses. Não pode ele simplesmente decidir cobrar um
IPTU progressivo em função do valor venal dos imóveis ou da destinação
residencial ou não que é dada os mesmos, pois ao fazê-lo está afrontando de
maneira flagrante os ditames de nossa Carta Magna.
Em suma, deve ser declarada a inconstitucionalidade do IPTU cobrado em face do
imóvel descrito no tópico 1, supra, haja vista todo o supra exposto e a posição
pacífica do Supremo Tribunal Federal.
DOS PEDIDOS
FACE AO EXPOSTO, requer:
a)seja o Município de Porto Alegre citado para que, querendo, conteste a
presente ação no prazo legal, sob pena de revelia;
b)seja julgada procedente a presente ação, declarando-se a inexigibilidade do
IPTU referente ao imóvel de propriedade do autor, elencados no tópico 1, supra,;
ou, sucessivamente,
b.1)seja julgada procedente a presente ação, declarando-se que o IPTU só poderia
ter sido exigido do autor com base na alíquota mínima de 0,2%, menor alíquota da
LC 212/89;
ou, sucessivamente,
b.2.) seja julgada procedente , declarando-se incidentalmente a
inconstitucionalidade da alíquotas previstas pela LC municipal 212/89 e,
conseqüentemente, reconhecendo-se que o IPTU somente pode ser exigido do Autor
com base nas alíquotas previstas na LC 07/73, segundo a sua redação original;
c)Seja o Município de .....condenado aos ônus da sucumbência, com honorários
advocatícios fixados em 20%.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, tais
como expedição de ofícios, perícias, juntada de documentos, etc.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]