O ministério Público interpõe apelação para
desclassificação de crime e diminuição de pena imposta ao condenado.
OBS: Assinado o termo de apelação, as partes têm o prazo de 8 dias para
apresentar suas razões -art. 600/CPP.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE .....,
ESTADO DO .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO, por meio de seu promotor abaixo prescrito, vem, mui
respeitosamente, ante Vossa Excelência interpor
APELAÇÃO
à sentença de fls ....., que condenou o réu ....., à pena de .....
Requer seja o mesmo conhecido e sejam as razões recursais remetidas ao Egrégio
tribunal de Justiça.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO .......
O MINISTÉRIO PÚBLICO, por meio de seu promotor abaixo prescrito, vem, mui
respeitosamente, ante Vossa Excelência interpor
APELAÇÃO
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DAS RAZÕES DE APELAÇÃO
COLENDA CÂMARA CRIMINAL
EMÉRITOS JULGADORES
PRELIMINARMENTE
A fim de ad cautelam afastar qualquer dúvida sobre a admissibilidade do presente
recurso, observa-se que, intimado, o réu declarou não desejar recorrer, mas tal
declaração não impede o exercício da sua defesa técnica, em obediência ao
princípio constitucional da ampla defesa, e neste sentido tem sido iterativa a
jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal.
O S.T.F., por sua 2ª Turma, no H.C. nº 65.572-6-DF, Rel.Min.Célio Borja,
concedeu de ofício a ordem, "em atenção ao magistério do S.T.F. no sentido de
que cabe ao defensor, dativo ou constituído, decidir sobre a conveniência ou não
do exercício da faculdade de apelar (RHC 60.261 e 62.737)".
O eminente Relator transcreve em seu voto o seguinte trecho do voto do Min.
Oscar Corrêa no RHC 60.361-RJ, publicado na RTJ 103/1046:
"Relatando, em 18.6.82, o RHC 59.899-5-RJ ... examinei a mesma quaestio juris
...
Requisitada do presídio para simplesmente tomar ciência da decisão, ato, mais
das vezes, automático, feito na própria escrivania do cartório criminal, a
acusada, pessoa de poucos recursos intelectuais, na verdade, ao assentir com o
não provocar a instância recursal, assume comportamento cujas conseqüências não
alcança.
Por isso oportunidade há de se conferir à defesa pública para que, examinando os
autos, e o que decidido ficou, no desempenho de seu mister, formalize ou não o
apelo.
A plena defesa, assim, alcança adequada compreensão, pois que preservada em
relação à defesa técnica, mormente quando ela se apresenta como um munus
público".
Mais recentemente:
"A jurisprudência desta Corte sempre endossou o entendimento no sentido de que,
embora o acusado, intimado da sentença condenatória, tenha manifestado
expressamente a vontade de não apelar, se o faz o defensor público que o
assistiu no processo, o recurso deve ser conhecido e julgado, tendo em vista que
entre o conflito de vontades do defensor e do acusado há de prevalecer, em prol
da ampla defesa, a vontade do defensor, pois a ele cabe a avaliação técnica
sobre a conveniência de recorrer."
Orientação reafirmada em sessão plenária do dia 1° de abril deste ano no
julgamento do Habeas Corpus 76.524, relator ministro Sepúlveda Pertence. Habeas
corpus deferido. (STF, 1ª Turma HC N.77.159-4 (46), coator TJRJ, unânime,
30/6/98).
Decididamente esse o entendimento consagrado, como vemos nas seguintes ementas:
"APELAÇÃO. RENÚNCIA DO RÉU AO DIREITO DE APELAR." "Não se pode negar ao defensor
ainda que dativo o direito de interpor apelação, mesmo quando o condenado
expressamente declarar que não deseja recorrer, posto que a função da defesa
ultrapassa o eventual interesse do réu" (TRF-3ª R. - 1ª T. - Ap.Crim.
93.03.78054-0 - unânime - Rel. Juiz Sinval Antunes - publ. DOU 22/3/94 - ADV/COAD
41/94).
"Apelação. Direito irrenunciável do réu de recorrer. Pode o defensor interpor
recurso, embora o réu tenha se manifestado em sentido contrário, posto que
irrenunciável o seu direito de recorrer, em face do princípio da ampla defesa,
devendo aquele decidir sobre a conveniência ou não do exercício da faculdade de
apelar " (STJ - 6ª T. - REsp. 120.170-DF - Rel. Min. Fernando Gonçalves - DJU
30/6/97 - RJ 238 - ago/97 - Jurisprudência Criminal, p. 138).
"DEFENSORIA PÚBLICA. APELAÇÃO. Cabe ao órgão incumbido da defesa técnica avaliar
da necessidade e conveniência na interposição de apelo, como corolário do
princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, LV), não interferindo o leigo nesse
mister (...) Recurso provido, em parte, tão só para ajuste das penas" (TACR-RJ-4ª
C. - un. - Ap. 47.946/92 - julg. 5/4/93, L. 1.481, fl.172 - Rel. Juiz Monteiro
de Carvalho - Publ. no Ementário do D.O.R.J de 12/5/93).
Portanto, admissível o presente recurso.
DO MÉRITO
O apelante foi denunciado como incurso nas penas do art.10, caput, da Lei
9437/97, e art.329 do CP.
Em alegações finais o Ministério Público entendeu que o delito de resistência
deveria ser absorvido pelo de porte ilegal de arma, mas na modalidade de disparo
de arma de fogo.
O julgador acatou o entendimento ministerial, mas conclui ser aplicável a forma
qualificada do inciso IV, ou seja, pena de 2 a 4 anos se o réu possui condenação
anterior por crime contra a pessoa, o patrimônio ou tráfico de entorpecente.
Por vários motivos merece reforma a respeitável decisão.
Primeiramente, a lei incrimina a conduta de "disparar arma de fogo", e portanto
obviamente é necessária a prova de que tenha havido disparo pela arma.
A sentença afirma que "o exame de confronto de balística demonstra que os
estojos foram percutidos pela arma apreendida, revelando que o acusado efetuou
os disparos relatados pelos milicianos", mas esquece o julgador que a perícia
não informou se houve disparo recente pela arma (fls.36), sem o que não fica
demonstrada a materialidade do delito imputado.
Prosseguindo, o juiz alega que
"a fac de fls.56/58 revela que o acusado foi condenado em ........... a 10 (dez)
anos de reclusão pela 1ª Vara Criminal de ............. como incurso nas penas
do art.157 § 2° I e II na forma do 70 ambos do C.P." (fls.89);
"a folha penal demonstra ainda a incidência objetiva da agravante genérica da
reincidência na forma do art.63 do C.P., uma vez que informa o transito em
julgado da sentença em.............." (fls.90);
"à vista da folha de antecedentes constata-se que o réu, além deste processo,
tem outras anotações. Revela assim má conduta social com personalidade voltada
para o crime, notadamente em delitos contra o patrimônio com violência ou grave
ameaça a pessoa. Por estes motivos, tenho como justa e necessária aplicação da
pena acima do mínimo legal em 3 (tres) anos de reclusão." (idem);
"pelo reconhecimento da agravante genérica da reincidência aumento a pena em 6
(seis) meses para fixá-la em 3 (tres) anos e seis meses de reclusão" (idem).
A respeito da forma qualificada adotada pelo julgador, fazemos nossas as
palavras da Juíza Maria Lúcia Karam:
É no inciso seguinte deste mesmo §3° (inciso IV) que o apressado legislador
comete o que talvez seja o maior dos desvarios que vêm caracterizando as
publicitárias leis penais introduzidas nos tempos recentes: como se fôra um tipo
legal, vem ali "descrita" a "conduta" de possuir condenação anterior por crime
contra a pessoa, contra o patrimônio e por tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins.
Parece que o legislador quis, agora, trazer para a luz o que costumava ficar
oculto no recôndito do inconsciente: o desejo de dupla punição por um mesmo
fato, escondido no tradicional tratamento penal mais gravoso decorrente da
reincidência. Traindo este desejo, acabou por estabelecer tratamento mais
gravoso - a mera condenação anterior (e não apenas a reincidência)
constituindo-se em causa de aumento, a dobrar a pena cominada para o delito -,
alcançando somente as condutas mais levemente apenadas (aquelas previstas no
caput e no § 1° do art.10), pois as previstas nos §§ 2° e 3°, incisos I a III,
já recebem a pena de reclusão de dois a quatro anos, que diz o legislador ser a
aplicável a quem "possuir condenação anterior".
Independentemente de considerações outras, bastaria este paradoxo para afirmar a
pura e simples inaplicabilidade de tal inusitada regra. Ou será que o
legislador, abandonando de vez um mínimo de compromisso com a razão, pensou em
realmente fazer da condenação anterior uma conduta autônoma, constitutiva de um
tipo penal ? (..........................).
Já que há qualificadora por condenação anterior que duplica a escala penal, é
óbvio que a mesma condenação não pode servir de fundamento para a agravante
genérica da reincidência, como fez o juiz sentenciante, e ainda depois de fixar
a pena-base acima do mínimo legal sem excepcionar dita condenação, mas muito ao
contrário, afirmando que há antecedentes por crime contra o patrimônio.
Afinal, quantas vezes a mesma condenação será considerada para agravar a pena?
O próprio julgador afirma que esta mesma condenação configura a reincidência
porque consta da FAC o seu trânsito em julgado.
E a pena-base acima do mínimo ?
Uma vez que o juiz não excepcionou a referida condenação, temos que também foi
incluída no rol de antecedentes invocados para a fixação da pena-base.
Vejamos. A FAC do réu ostenta:
¨ anotação 1: art.59 com início em 12/12/88, sem resultado;
¨ anotação 2: arts.19 e 59, TJ 10/9/90, cond. a 2 meses e 15 dias;
¨ anotação 3: absolvição de art.157, TJ 29/1/96;
¨ anotação 4: art.157, § 2°, I e II, TJ 5/3/90, cond. a 10 anos;
¨ anotação 5: art.157, início 4/3/96, sem resultado.
Temos que anotações sem resultado não podem ser tidas como maus antecedentes.
Assim, a análise da FAC do apelante demonstra que a anotação de condenação no
roubo qualificado foi incluída no rol de antecedentes invocados para a fixação
da pena-base, uma vez que o juiz não a excepcionou, e, frente às outras
anotações, sem resultado ou de pequena monta, conclui-se que esta condenação foi
o maior peso para a sua fixação.
Outrossim, a reincidência não foi comprovada nos autos, sendo o seguinte o
entendimento jurisprudencial a respeito:
"A reicidência não pode ser reconhecida com base, apenas, nas informações sobre
a vida pregressa do réu (STF, RTJ 80/739), na folha ou boletim de antecedentes
(TJSP, RT 542/317 ; TACrSP, Julgados 96/71; Julgados 87/141; RT 603/360)" (DELMANTO,
Celso, CP Com., 3. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1991, p.103).
"REINCIDÊNCIA. CRITÉRIO PARA A SUA AFIRMAÇÃO. Reincidência. Prova. Exigência de
certidão cartorária. A reincidência só pode ser afirmada com patamar em
elementos induvidosos, razão pela qual só será reconhecida perante certidão
judicial, que tem fé pública e não se constitui em mero ato administrativo como
a simples anotação colateral na folha de antecedentes penais, devendo constar a
data do trânsito em julgado da condenação anterior, inclusive não bastando a
informação de que a sentença condenatória foi confirmada em grau recursal.
Recurso provido" (TACrRJ - 2ª Câm. - unânime - Ap. 38023/89 - Rel. Juiz Álvaro
José Mayrink da Costa - julg. 29/6/89, L. 1081, fl. 93 - publ. no Ementário do
DORJ de 12/12/90).
"REVISÃO CRIMINAL - SENTENÇA CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS - REINCIDÊNCIA -
NÃO COMPROVAÇÃO - REDUÇÃO DA PENA E MODIFICAÇÃO DO REGIME PRISIONAL. É contrário
à evidência dos autos a sentença que considera o réu reincidente sem que exista
nos autos prova de que, ao praticar o fato delituoso já tinha sido condenado por
sentença transitada em julgado por crime cometido anteriormente. Procedência
parcial do pedido revisional para excluir da condenação a majoração decorrente
da reincidência inadeqüadamente reconhecida e para modificar o regime prisional
para um menos rigoroso" (TACrimRJ - 2º Gr. Câms. - unânime - Rev. Crim. nº
454/90 - Rel. Juiz Afrânio Sayão de Paula Antunes - julg. 13/6/90, L. 1.188, fl.
39/44 - publ. no Ementário do DORJ de 3/6/92).
Não obstante, também descabe considerar a condenação duplamente, para aumentar a
pena-base e para aumentar pela reincidência. Voltando à jurisprudência:
"PENA. DUPLA MAJORAÇÃO. MESMO MOTIVO. Não cabe, sob pena de incidir-se em bis in
idem, aumentar a base pelos maus antecedentes e exasperar o castigo, de novo,
pela reincidência" (TACRimRJ - 4ª Câm. - unânime - Ap. 40720/90 - Rel. Juiz
Alyrio Cavallieri - julg. 13/6/90, L. 1185, fl. 56 - publ. no Ementário do DORJ
de 12/12/90)
DOS PEDIDOS
Por todo exposto, requer a desclassificação da conduta imputada para o art.10
caput da Lei 9437/97, porque não foi comprovado o disparo da arma da arma de
fogo, e, acaso subsista o aumento de pena do § 3°, IV, requer que seja a pena
diminuída para o mínimo legal, eis que a condenação anterior, já estando contida
na qualificadora, não deve ser considerada novamente para aumento da pena-base
ou acréscimo por reincidência, e porque, de toda sorte, não foi comprovado o
trânsito em julgado desta condenação anterior.
Considerando que o recorrente está preso em flagrante desde ..........., requer
que seja feita a detração deste período para fixação do regime inicial aberto.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]