AÇÃO PENAL - ART 155 CP - ABSOLVIÇÃO - ART 386 CPP - FURTO de alimentos -
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - ESTADO DE NECESSIDADE
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ...a VARA CRIMINAL DA COMARCA
DE ................. - ....
Proc. n.º ...../...
Assist. Judiciária
.............................................., e outros, qualificados nos
autos da Ação Penal que lhes move a Justiça Pública, por intermédio do advogado
que esta subscreve, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência
apresentar CONTRA- RAZÕES a Apelação de fls. .../...
N. Termos,
P. Deferimento.
................, ........ de ................ de ...............
................
Advogado
PROCESSO CRIME n.º ....../.....
APELANTE: - JUSTIÇA PÚBLICA
APELADOS: - ..............................
EGRÉGIO TRIBUNAL
COLENDA CÂMARA
ÍNCLITOS JULGADORES
O DD. Membro do Ministério Público, inconformado com a r. sentença do Nobre
Juízo que julgou improcedente a ação pena1 e absolveu os acusados com fundamento
no art. 386, incisos III e V do Código de Processo Pena1, interpôs recurso de
apelação a fim de ser reformada a r. decisão, para condená-los nas penas do art.
155, parágrafo 4º, IV, do Código penal.
Argumenta, em síntese, o desacerto da r. sentença em absolver os acusados
reconhecendo o princípio da insignificância e acolhendo a tese da atipicidade do
fato, uma vez não estão presentes os requisitos básicos para a caracterização do
estado de necessidade, bem como não ser aplicável, no caso em tela, o preceito
de minimus non carat praetor
Sem embargos do respeito merecido pelo DD. Representante do Parquet, mister
se faz dele discordar no caso vertente, pois depreende-se pela leitura dos
autos, que a virtude da Justiça está na mantença da r. decisão absolutória.
Concernente ao estado de necessidade, mister acentuar que a escassez de
recursos financeiros dos acusados e a necessidade de sustento restou comprovada
pelo depoimento das testemunhas ouvidas as fls. ... e ...., incontestes no que
se refere ao fato de todos os agentes estarem desempregados.
Saliente-se que o estudo socia1, analisado conjuntamente com as demais provas
dos autos, assevera pela baixa instrução social dos acusados, escassez de
recursos e sobretudo a exclusão social. Portanto, a eles é perfeitamente cabível
e aceitave1 a crença no "desejo de gravidez" da testemunha
...................................., principalmente a .......................,
esposo e futuro pai.
Em face dessa situação, impelidos pela escassez de recursos financeiros para
adquirir o indispensável ao sustento e que pudesse satisfazer o "desejo" da
testemunha ...................., não era exigíve1 dos acusados outra conduta.
Não agirem eles com a intenção de enriquecimento, senão por extrema necessidade,
haja vista que consumiram a res.
Notem, Ínclitos Julgadores, gue "a sobrevivência é, entre todos, o mais
poderoso e insopitáve1 dos instintos da espécie animal. O primata-homem não foge
dessa vocação natural, a despeito dos conceitos éticos e jurídicos que sua
racionalidade foi capaz de engendrar" (José Roberto Batochio, Estado de
Necessidade, Folha de S. Paulo, 9.5.98, caderno 1, página 3).
Assim é que de nada adiantaria o legislador assegurar outros direitos se não
proteger o principal deles, o direito à vida, resguardando-o até mesmo ao
nascituro. 0 direito à existência merece ser protegido por terceiros (no caso os
acusados) quando o titular desse direito não pode, por meios próprios garantir
seu exercício.
Colocada em termos a disceptação acerca do furto famélico, merece ser
analisado a matéria referente ao princípio da insignificância, asseverando pela
sua total aplicabi1idade na espécie.
Com a criação dos Juizados Especiais Criminais, verifica-se que o direito
pena1 moderno voltou-se mais a proteger bens cujos valores são socialmente
relevantes, vitais ao completo e regular desenvolvimento de uma sociedade justa
e equilibrada
Não deve, salvo melhor e superior juízo, servir este ramo do direito como
instrumental a reprimendas a ação mínimas, de nenhuma ou pequena lesividade, sob
a alegação de ofensa o qualquer bem jurídico. Para ta1, existe a prestação
jurisdiciona1 reparadora, que se insere mais no âmbito privado, na medida do
interesse deste e suficiente a satisfação da pretensão.
A intervenção penal não se destina a tutelar todo e qualquer bem jurídico,
nem tampouco toda a ação ou omissão que venha a lesá-lo, mas apenas os bens
jurídicos fundamentais, de vital relevância e, ainda assim, contra os ataques
mais insuportáveis a esses bens. O caráter fragmentário do Direito Penal não
constitui uma deficiência desse mecanismo de intervenção, mas sim uma
necessidade social de natureza e função, pois uma proteção penal absoluta e
generalizada própria do Estado policial provocaria a angústia e a insegurança
nos cidadãos'(Antonio Gacia-Pablhos, p. cot., p. 280).
Já o princípio da subsidiariedade põe em destaque o fato de que o Direito
Penal não é o único controle social formal dotado de recursos coativos, embora
seja o que disponha, nessa matéria, dos instrumentos mais enérgicos. A gravidade
intrínseca desse instrumental, posto à disposição do Direito Penal, recomenda,
ao entanto, que só se faça dele uso quando não tenham tido êxito os meios
coativos menos gravosos, de natureza não penal (...). O princípio da
subsidiariedade limita, portanto, o ius puniendi na medida em que só autoriza a
intervenção penal se não houver outro tipo de intervenção estatal menos lesiva e
menos custosa aos direitos individuais". (Código Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial, Alberto Silva Franco e outros, volume 1, tomo I, parte geral,
pág. 38, 6a edição, editora Revista dos Tribunais).
0 furto de pequeno valor (impropriamente classificado como "crime de
bagatela", pois, na realidade, sequer apresentam-se como ilícito pena1)
insere-se no contexto do ilícito civil, sendo que a ação penal apresenta-se
despicienda de justa causa.
Ademais, aplicação da pena representará certamente uma desproporcionalidade
em re1ação a repercussão socia1 e a lesividade, máxime se for levado em conta o
patrimônio da vítima e o valor de res para cada acusado (................... do
salário mínimo vigente à época).
Nada obstante, saliente-se que o rigorosíssimo tratamento dispensado pelo DD.
Membro do Ministério Público no recurso de apelação não tem razão de ser.
Caberia-lhe colacionar aos autos prova no sentido de que os demais furtos foram
praticados pelos acusados, por ser ônus exclusivamente seu. Porém não o fez.
Desse modo, o fato deve ser analisado isoladamente, pois a função punitiva
somente pode ser aplicada aqueles que realmente cometem o ilícito. Se deste
surge o poder estata1 de regressão pena1, não pode ser olvidado, que aos
acusados é assegurado o direito de não ser punido fora do campo de sua atuação e
além dos limites legais.
Por derradeiro não é supérfluo anotar que os acusados são primos, sem
qualquer antecedente crimina1, de modo que, aliada à confissão espontânea, estes
elementos estão a indicar que este fato foi episódico isolado em suas vidas.
Assim, o inconformismo com que se insurge o Digníssimo Membro do Ministério
Público, expressado por quem é merecedor de incontáveis considerações pela
cultura jurídica e brilhantismo que engrandecem o Parquet, neste caso, concessa
vênia, não merece guarida.
Em face do exposto e do mais que certamente será colacionado aos autos pelo
notório saber jurídico de Vossas Excelências, requerem e esperam,
respeitosamente os apelantes que este Egrégio Tribuna1 negue provimento ao
recuso de apelação e mantenha a r. decisão do Juízo a quo incó1ume.
N. Termos,
P. Deferimento.
................., ...... de ........ de ..........
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Advogado