Reclamação eleitoral de coligação que pugna pela fiscalização de eleições já realizadas.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA COMISSÃO APURADORA DAS ELEIÇÕES,
DESEMBARGADOR ....., MEMBRO DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE .....
A COLIGAÇÃO ".....", constituída pelos partidos ...., vem, respeitosamente,
perante Vossa Excelência, por intermédio de seus advogados (procuração anexa),
apresentar
R E C L A M A Ç Ã O
em face de graves irregularidades detectadas a partir do exame dos arquivos das
urnas eletrônicas, fornecidos pelo TRE/...., com destaque para a ocorrência de
indevida manipulação de urnas no período compreendido entre o término do
procedimento de inseminação para o segundo turno (.....) e o dia do pleito
(....) e de inobservância do momento próprio para a inseminação das urnas de
contingência.
DOS FATOS
1. Atendendo a requerimento formulado pela Reclamante, o Eg. TRE/.... decidiu,
na tarde de ontem, dia ...., restabelecer a fluência do prazo de dois dias para
oferecimento da reclamação prevista no art......, prazo esse que fora aberto no
dia ...., e cujo decurso encontrava-se suspenso desde o último domingo, .....
2. Na decisão plenária através da qual a Corte deferiu o pedido de reabertura de
prazo, restou expressamente estabelecido que a Reclamante teria até às ..... h
de hoje, dia ...., para, caso reputasse pertinente, formalizar alguma
insurgência contra o resultado das eleições do último dia ...., na forma do
mencionado dispositivo legal.
3. A partir da análise dos arquivos das urnas eletrônicas, que só foram
integralmente disponibilizados à Reclamante no início da noite de ontem,
detectou-se a existência das graves irregularidades a seguir descritas, o que
rendeu ensejo ao ajuizamento da presente Reclamação.
4. Utilizando-se de software desenvolvido por empresa especializada na área de
consultoria em informática, a Reclamante procedeu a uma minuciosa análise dos
arquivos das urnas eletrônicas empregadas no segundo turno das eleições em nosso
Estado.
5. O exame desses arquivos, que contêm toda a cadeia de eventos ocorridos
internamente na urna eletrônica, como, por exemplo, o acoplamento do equipamento
à rede elétrica ou a retirada indevida de um disquete --, revelou gravíssimas
irregularidades, que podem, naturalmente, ter conduzido o resultado das últimas
eleições para números diversos dos exprimidos pela vontade genuína do povo .....
6. Confira-se, a seguir, o elenco das mais expressivas e graves irregularidades
detectadas no sistema eletrônico de votação em nosso Estado e que, por essa
razão, merecem ser investigadas a fundo, sob pena de ver-se comprometida a
transparência do processo eleitoral:
a) - DIVERGÊNCIA DE ASSINATURAS DIGITAIS
O principal fundamento invocado pelos que defendem a absoluta confiabilidade do
sistema eletrônico de votação adotado em nosso País é a utilização de
assinaturas digitais como garantia da autenticidade dos softwares que viabilizam
o funcionamento da urna eletrônica.
Entretanto, em algumas zonas eleitorais do Estado, foi detectada divergência
entre as assinaturas digitais dos arquivos das urnas e as assinaturas, também
digitais, estampadas no site do TSE (doc. n.º .....).
Tal ocorrência restou devidamente consignada na ata da reunião da .....,
realizada em .... (doc. n.º ....).
Muito embora essa dissensão entre assinaturas digitais só tenha sido formalmente
registrada no Município de ....., o natural é que ela se tenha propagado por
todo o Estado, uma vez que as assinaturas digitais de todas as urnas são
reproduzidas a partir de uma única matriz, que, como se sabe, é gerada pelo TSE.
É de se imaginar, portanto, que o sistema eletrônico de votação operou de forma
vulnerável em nosso Estado, o que pode ter viabilizado a ocorrência de fraudes
durante o último pleito, já que falhou a principal garantia de confiabilidade do
sistema.
Registre-se, neste ponto, que a divergência entre assinaturas digitais
comprometeu inclusive arquivos executáveis, do tipo aplicativo, circunstância
essa que, pela sua gravidade, foi cuidadosamente ocultada por pessoas vinculadas
ao gerenciamento do sistema.
Estranhamente, o encarregado do setor das urnas eletrônicas do TRE, Sr. ....,
informou à Coligação Postulante que a divergência de assinaturas digitais
ocorrida em nosso Estado apenas teria atingido arquivos com extensão "VRT", o
que não implicaria maiores problemas, sob o pretexto de que "tais arquivos eram
meramente acessórios, servindo tão somente ao armazenamento de informações ...."
Sem razão. Detectou-se, na comparação entre o Relatório de diretória da urna e
as assinaturas constantes do site do TSE, que esse desencontro de dados digitais
sucedeu também em relação a arquivos executáveis do sistema.
Por conseguinte, não se pode assegurar com a desejável segurança que os arquivos
dos programas executáveis instalados nas urnas eletrônicas de nosso Estado
correspondem fielmente aos que foram compilados na presença dos fiscais de
partido.
Só isso já seria suficiente para colocar sob suspeita a lisura do sistema de
votação eletrônica.
b) AS SUSPEITAS GERADAS PELA SECRETA MANIPULAÇÃO DE URNAS ELETRÔNICAS NO PERÍODO
COMPREENDIDO ENTRE O TÉRMINO DO PROCEDIMENTO DE INSEMINAÇÃO E O DIA DO PLEITO
Do exame dos arquivos pode-se concluir pela ocorrência de indevida manipulação
de urnas eletrônicas no interstício gravado entre o desfecho do procedimento de
inseminação e o dia do pleito, fato esse que, sintomaticamente, sucedeu com
grande intensidade na cidade de ...., segundo maior colégio eleitoral do Estado.
Nessa zona eleitoral, a extemporânea e forasteira manipulação (levada a efeito,
sem prévio conhecimento dos interessados) ocorreu de forma exaustiva, como será
demonstrado a seguir.
De acordo com os arquivos de LOG, todas as urnas utilizadas em ..... no segundo
turno das eleições foram manuseadas na semana antecedente ao pleito, por razões
intrigantes e desconhecidas até o presente momento.
Ora, segundo a legislação de regência, as urnas eletrônicas, após a inseminação,
só poderiam ser manuseadas no momento de sua instalação (art. 35, da Res/TSE
20.997, de 26.02.02).
Na maioria das cidades do Estado, essa instalação foi realizada pelo TRE na
véspera da eleição, dia ...., sendo todas as urnas eletrônicas ligadas nessa
data, apenas e tão somente para a aferição de seu regular funcionamento
elétrico.
Agrava as suspeitas o fato de que, nesse período de manipulação clandestina, o
exame de cada urna, em ...., extrapolou em muito o tempo médio que se verificou
no simples teste de funcionamento elétrico realizado na véspera da eleição.
Tem mais.
Observa-se, no exame da documentária instruente, que a inusitada e furtiva
invasão das urnas se repetiu noutras inúmeras cidades, muitas das quais tidas
notoriamente como redutos políticos do Sr. ....
c) ACIONAMENTO DE URNAS DURANTE A MADRUGADA
O receio de que a indevida manipulação das urnas eletrônicas tenha sido
realizada com escopo fraudulento -- o que, repise-se, só poderá ser aferido
através da competente perícia técnica -- exarceba-se diante do registro de que
algumas urnas foram manuseadas durante a madrugada.
O exame dos arquivos revela, por exemplo, que a urna da .... Seção, do Município
de ...., pertencente à .... Zona Eleitoral, foi operacionalizada às .... do dia
...., só sendo desativada às .....
Ocorrências desse gênero pulularam em todo o Estado, ratificando a idéia de que
houve, ao arrepio da lei, manipulação indevida das urnas eletrônicas e que os
envolvidos procuraram ocultá-la utilizando, como no exemplo dado, a madrugada
para os fins planeados - o que pode naturalmente ter possibilitado a troca de
dados e programas.
d) EXCESSIVO NÚMERO DE INTERRUPÇÕES DO CICLO DE VOTAÇÃO EFETUADAS PELOS MESÁRIOS
A análise dos arquivos também deixou transparecer que ocorreu, de maneira
flagrantemente abusiva, a interrupção do ciclo de votação em várias urnas das
zonas eleitorais do Estado, levada a efeito pelos encarregados destacados para a
operação em cada urna eleitoral do Estado (vide docs. .....).
Em ..... essa interrupção se deu com maior intensidade. Ali verificou-se ....
interrupções. As interrupções também sucederam em ....., com .... eventos, o que
representa outrossim um número injustificável. O que chama a atenção nesse
confronto é que, a despeito da significativa superioridade numérica deste
colégio eleitoral, em ..... foi detectado um quadro bem superior.
Daí deflui a inevitável conclusão de que pode ter havido uma predisposição dos
mesários encarregados de viabilização o momento da votação no sentido de cercear
o direito de voto de um ou outro eleitor que ostentasse, no dia do pleito,
indumetária reveladora de opção política diversa da sua.
e) INOBSERVÂNCIA DA NORMA QUE ORDENA QUE AS URNAS DE CONTINGÊNCIA SEJAM
INSEMINADAS NO MESMO PERÍODO DAS DEMAIS URNAS DA RESPECTIVA ZONA ELEITORAL --
OFENSA À RESOLUÇÃO/TSE N.º 20.997.
Exatamente em ....., um grande percentual de urnas de contingência foi, de modo
bastante suspeito, inseminado fora do período próprio e na ausência dos fiscais
do partido -- o que pode ter permitido a adulteração dos programas dessas urnas
eletrônicas.
É importante ressaltar que foi registrado, inclusive, que algumas urnas de
contingência foram inseminadas para o segundo turno apenas no dia do pleito.
É o que sucedeu, por exemplo, com as urnas de n.º ..... (vide arquivo).
O exame delata essa séria e grave irregularidade, em flagrante e desabusada
inobediência ao artigo 23, § 1º da Resolução n.º 20.997/02 e à recomendação da
própria Corte Regional (doc. n.º .....).
f) EXISTÊNCIA EM EXCESSO DE SELOS AUTENTICADORES DAS URNAS ELETRÔNICAS
A par dessas irregularidades, assoma uma outra ocorrência que, dada a sua
estreita relação com estas, faz crescer a suspeita de que de fato as urnas de
contingências foram utilizadas para fins diversos dos previstos no ordenamento
jurídico, utilizando uma expressão eufemística.
Fiscais de partidos, como o Sr. ...., do PARTIDO ....., chegaram a declarar de
público, ter sido abordados por agentes do TRE para lançar suas assinaturas nos
"selos" de agregação às urnas, em número sensivelmente maior que as das seções
eleitorais por eles fiscalizadas.
Esse injustificável excesso de selos pode muito bem significar que se destinava
à aderência nas urnas de contingências que não foram inseminadas no momento
previsto na mencionada Resolução, conforme revelação de fiscais que devem ser
convocados para esse fim. A inusitada ocorrência, ou seja, a exigência de
assinatura de selos em número maior que os das urnas das seções, gera a suspeita
de que se visava legitimar as urnas de contingências inseminadas longe da
presença dos fiscais dos partidos.
g) A SUSPEITA NÃO DISPONIBILIZAÇÃO DO PROGRAMA À RECLAMANTE PARA A DECODIFICAÇÃO
DOS ARQUIVOS DE DAS URNAS ELETRÔNICAS
Para complementar o já alentado ciclo de irregularidades que infunde suspeitas
sobre o resultado do pleito do último dia ...., o setor competente do TRE/....,
injustificadamente, negou-se a disponibilizar à Reclamante o software necessário
à decodificação dos arquivos das urnas eletrônicas.
Com isso, criou-se sério obstáculo à compreensão dos arquivos, obstáculo esse
que só pôde ser contornado pelo desenvolvimento, pelos próprios interessados e
em caráter de urgência, de um programa para essa finalidade.
A a injustificável não disponibilização desse recurso à Reclamante, que detinha
prazo exíguo para formalizar a presente Reclamação e, ainda, a criação de óbices
da mesma natureza para a entrega do CD com todos os arquivos, pelo Setor
competente do TRE, com o ser flagrantemente estranho ofuscou e ofendeu a
transparência que se espera do processo eleitoral, e constitui, sem dúvida,
cerceamento do direito de fiscalização plena e no prazo concedidos em lei aos
partidos políticos e às Coligações, induzindo à plena edificação da mais fundada
suspeita.
DO DIREITO
A possibilidade de realização de auditagem mesmo após as eleições já foi
expressamente admitida pelo eminente ministro Nelson Jobim, na ocasião em que
discutiu, junto a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado
Federal, a viabilidade do sistema eletrônico de votação. As palavras por ele
pronunciadas nessa ocasião restaram consignadas na ata da 22ª Reunião da
referida Comissão, documento esse que segue transcrito:
"O SR. NELSON JOBIM - (...) Como o sistema eletrônico de votação não é um
sistema de contagem, não há uma recontagem; há, isto sim, uma auditagem, que
pode ser feita tanto no "flashcard", como também no disquete gerado
posteriormente à votação. Este, o ponto fundamental: a palavra ´recontar´ -- e
este o sentido que utilizamos, como este foi também o sistema utilizado pelo
eminente Senador -- ajusta-se ao sistema pela perspectiva da auditagem, e não
pela perspectiva de tentarmos ir um por um, no sentido da agregação das unidades
ao todo, para chegarmos ao resultado final. Não! O que se faz, no sistema
possível, é exatamente a auditagem possível dos ´flashcards´ e dos disquetes
após o resultado eleitoral.
Nas eleições anteriores não houve nenhuma impugnação no sentido de verificar
individualmente a auditagem. Se houvesse, seria feita essa auditagem. Então,
aquilo que antigamente se chamava recontagem da urna convencional nada mais é,
na técnica moderna, qua a auditagem do sistema de disquetes.
Os dados contidos no sistema são criptografados, mas todos são verificáveis a
posteriori pela auditagem final, por meio da verificação das urnas. Se uma urna
for roubada, alterada, o evento é controlável por meio do sistema de checagem,
no momento da totalização, porque, aí, não ´baterá´ um sistema com o outro.
O entendimento esposado pelo citado Ministro tem amparo na Lei 9.504/97 - atual
Lei Eleitoral:
"Art. 66. Os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo
de votação e apuração das eleições, inclusive o preenchimento dos boletins de
urna e o processamento eletrônico da totalização dos resultados, sendo-lhes
garantido o conhecimento antecipado dos programas de computador a serem usados."
"§ 2º Os partidos concorrentes ao pleito poderão constituir sistema próprio de
fiscalização, apuração e totalização dos resultados, contratando, inclusive,
empresas de auditorias de sistemas, que, credenciadas junto à Justiça Eleitoral,
receberão, previamente, os programas de computador e, simultaneamente, os mesmos
dados alimentadores do sistema oficial de apuração e totalização."
E na própria Carta Fundamental da República Federativa do Brasil, artigo 5º:
"XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito."
"LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes."
DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer, pois, que Vossa Excelência, na condição de Presidente da
Comissão Apuradora e relator da matéria, ordene a diária e noturna vigilância
das urnas por policiais militares, procedendo-se ao lacre dos locais onde elas
se encontram, até o julgamento definitivo da presente reclamação.
E confiando na sensibilidade e alto descortino jurídico de V. Ex.ª, pede seja
acolhida a presente Reclamação, para o fim de ser determinada auditagem e
perícia em todas as urnas utilizadas no .... turno das eleições do Estado,
inclusive naquelas que foram selecionadas para a realização da votação paralela,
permitindo-se, na forma da lei 9.504/97, o acompanhamento do exame pericial e de
auditagem pela Reclamante, por intermédios de técnicos a serem indicados,
facultando-se a estes o exame direto de cada urna eleitoral, notadamente as de
.....
Requer a oportunidade de apresentação de relatórios mais detalhados sobre os
eventos aqui denunciados de forma resumida, bem como para a juntada de
relatórios supervenientes à perícia. Protesta outrossim pela oitiva de técnicos
e fiscais que trabalharam durante o pleito -- tanto os que atuaram à disposição
de partidos políticos, coligações e candidatos, quanto os vinculados à Justiça
Eleitoral --, diligências, arbitramentos, o concurso de peritos da Polícia
Federal, exames periciais e demais provas compatíveis com a presente demanda.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]