O discurso é sempre o mesmo: faça o que gosta, ainda que o mercado de
trabalho esteja difícil e a profissão dos sonhos não dê dinheiro - segundo os
mais desacreditados. Não importa se o interlocutor é um jovem de 17 anos, com
tantas dúvidas sobre si mesmo e o futuro que mal cabem em um só pensamento, ou
um experiente bancário em busca da felicidade, que pretende mudar de área.
Parece fácil. Predomina o pensamento: "se fizer o que gosto, serei mais feliz e
o sucesso será conseqüência!". A coach, psicóloga organizacional e consultora do
IDORT/SP, Rosana Bueno, ela mesma, proferia esse discurso em palestras e cursos.
Quem nunca ouviu a tese? Até que, um dia, ela se sentiu desafiada a provar por A
mais B que a recomendação preferida dos especialistas em Carreira era
verdadeira.
O tombo foi grande. Ao pesquisar em empresas o que levava as pessoas a serem
bem-sucedidas, a ocupar cargos altos e terem salários admiráveis, concluiu que
não basta fazer o que gosta. Justamente os profissionais que gostavam do que
faziam e tinham talento para tal não subiam de cargo.
"O que mais se fala é que fazer o que gosta leva ao sucesso. Mas muitas pessoas
passam a vida a fazer o que gostam e não atingem o sucesso nem enriquecem. Por
outro lado, encontrei muitos profissionais menos talentosos em cargos acima
dessas pessoas talentosas e apaixonadas pela profissão", explica.
O que leva ao fracasso
Em suas pesquisas, Rosana concluiu que um dos fatores que levam a pessoa que
gosta do que faz ao fracasso é a falta de esforço. Explica-se: em muitos casos,
o "gostar" é acompanhado de talento.
Em outras palavras, se alguém opta por um curso de jornalismo, geralmente, é
porque tem aptidão para escrever bem e o faz com pouco esforço. Se alguém
escolhe ser designer gráfico, é porque é criativo e consegue criar o design de
um livro, uma revista ou um calendário com facilidade. "Quando se tem talento, a
coisa flui naturalmente. É quase instintivo", sublinha.
"Olhei para dentro das organizações e encontrei muita gente talentosa e que
gostava do que fazia em cargos de pouco destaque. O problema é que, por
conseguirem realizar suas atividades muito facilmente, com pouco esforço, essas
pessoas não se esforçavam tanto quanto aquelas sem talento para o que faziam",
afirma.
"Se o diretor da empresa pede um relatório ao profissional com pouca aptidão
para o trabalho que desenvolve e também ao outro com talento nato, o primeiro
passará a noite elaborando o material, detalhando as informações, ao passo que o
segundo não se esforçará tanto nem fará questão de direcionar muito tempo e
energia para tal".
A diferença, portanto, está no nível de esforço. Assim, o talento, somado ao
"gostar", à formação e ao esforço é a combinação perfeita para se obter sucesso.
No entanto, há outro problema que ocorre com frequência: trata-se da promoção do
profissional mediano, e não do talentoso, simplesmente porque este faz seu
trabalho de forma esplêndida, segundo Rosana. Conclui-se que, em algumas
empresas, os talentosos estão fadados a não sair do lugar.
A escolha da profissão e o sucesso
A consultora do IDORT/SP lembra que, hoje, as pessoas escolhem uma profissão por
quatro motivos: ou porque gostam; ou porque dá dinheiro; ou porque dizem que é a
profissão do futuro; ou porque é a profissão da moda.
Rosana lembra que, um dia, uma menina de 13 anos perguntou a ela: "Gisele
Bündchen é mesmo a mulher mais bonita do mundo?". Provavelmente não, mas o fato
é que Gisele tem talento para o que faz. Foi quando a menina questionou: "E se
eu não gostar do meu talento?".
Existem profissões que preenchem o imaginário das pessoas, de maneira que uma
pessoa com talento para arquitetura pode querer fazer um curso de moda. Outra
com aptidão para engenharia pode preferir o turismo. Fica a dúvida: essas
pessoas sem talento para a profissão que escolheram podem atingir o sucesso? "É
claro que sim. É possível que elas sofram mais do que aquelas com talento nato,
porque terão de abrir mão de mais coisas, se esforçar mais, estudar mais, mas
nada as impede de serem bem-sucedidas", responde Rosana.
Moral da história: nem todos nós somos "Gisele Bündchen", ou um talento nato,
mas os especialistas em Carreira estavam certos. Fazer o que se gosta é um
primeiro passo para o sucesso.