Quatro semanas inteiras sem nenhum compromisso no seu palmtop. Trinta dias
sem checar a caixa de entrada do Outlook, e com o celular da empresa desligado.
Setecentas e vinte horas sem ninguém ditando como preencher sua agenda. Será que
você consegue? A maioria dos executivos responde com um sonoro não. Pesquisa da
empresa H2R Pesquisas Avançadas, realizada com exclusividade para VOCÊ S/A,
mostra que nove entre dez profissionais nunca tiram 30 dias de férias corridos.
Foram entrevistadas 100 pessoas, com idade entre 30 e 45 anos, em cargo de
gerência, diretoria, vice-presidência ou presidência, de empresas de médio e
grande portes de todo o Brasil. A maioria tira 20 dias de férias durante o ano
(59%), sendo que metade não consegue ficar tanto tempo fora da empresa e divide
esse período em dois intervalos de dez dias. Alguns profissionais são mais
radicais e se ausentam por apenas dez dias a cada ano (8%) ou simplesmente não
tiram férias (5%)! O cirurgião paulista Carlos Aurélio Schiavo, de 42 anos,
ainda não faz parte do time dos que nunca param de trabalhar. Mas está quase lá.
'É muito difícil desligar. Sou ansioso e não suporto pensar que algo está
acontecendo sem que eu acompanhe. Preciso estar em cima do negócio', afirma
Carlos, que é diretor do departamento médico do Hospital São Camilo, em São
Paulo. Ele tira apenas dez dias de férias por ano e leva o laptop até para a
praia!
O administrador de empresas paulista Pedro Torres, de 41 anos, faz o mesmo
estilo. 'Se passo mais de uma semana longe do escritório, fico estressado, com a
sensação de não estar produzindo nada, e louco para voltar a trabalhar', diz o
executivo, que é diretor operacional da Artefacto, em São Paulo. Ele conta que
uma vez tentou tirar 15 dias e ficou mais tempo no computador do que fazendo
qualquer outra coisa. Casado e com dois filhos, Pedro ouve muita reclamação da
família -que, muitas vezes, acaba tirando férias sem ele.
'O fato é: tirar 20 ou 30 dias de férias hoje beira o absurdo', diz o consultor
de carreira Pedro Mandelli, da Mandelli Consultores Associados, em São Paulo.
Ele afirma que a CLT é de um tempo em que, quanto mais subia de cargo, mais
status e menos trabalho o executivo tinha. Hoje, as equipes estão cada vez mais
enxutas e sobrecarregadas e é difícil delegar o trabalho de quem sai de férias
para outro profissional. 'Sem falar que, com o excesso de afazeres e a pressão
por resultados, alguns profissionais não agüentam ficar 11 meses trabalhando sem
parar', diz Pedro, que aconselha fracionar as férias em duas ou mais vezes
durante o ano. É o que costuma acontecer na GE, que incentiva seus funcionários
a parcelar as férias em duas vezes de dez dias e vender os outros dez. O diretor
de RH da organização, Ricardo Silvarinho, diz que essa política foi adotada
porque tirar 30 dias é impraticável devido ao volume de trabalho na empresa. 'É
pior tirar um mês de férias sabendo que, quando voltar, você vai trabalhar mais.
Optamos por seguir as normas dos outros países em que atuamos, que não concedem
os 30 dias de férias.'
Desacelerando...
A questão é: quanto tempo demora para o profissional se desligar do trabalho e
conseguir descansar? Dá para desacelerar em apenas uma semana? Ana Maria Rossi,
presidente da International Stress Management Association (Isma Brasil), com
sede em Porto Alegre, diz que, quando o profissional tira um mês de férias
depois de um ano de trabalho, leva em média dez dias para relaxar e se adaptar à
vida fora do escritório. Nos últimos dez dias, ele já começa a sair do ritmo de
férias por lembrar de tudo o que terá de fazer ao voltar. Betânia Tanure,
professora de comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral (FDC), em Belo
Horizonte, afirma que a maioria das pessoas precisa de ao menos 15 dias para
conseguir desligar.
Para alguns profissionais, não só é impossível tirar 30 dias de férias como é
preciso manter contato com a empresa durante os supostos dias de descanso. Que o
diga o economista paulista Sérgio Augusto Martins, de 40 anos, superintendente
comercial da Telefônica, em São Paulo. Geralmente, ele tira de dez a 20 dias e
viaja para lugares onde pratica seu hobbie: passear de jipe. Mas o celular da
empresa está sempre ligado. E com freqüência ele mesmo toma a iniciativa de
telefonar para o escritório. 'Viajar é o segredo para descansar. Nas últimas
férias, fui para o Jalapão, no Tocantins. Mas na primeira semana lembrei várias
vezes do escritório e liguei para saber do andamento das coisas. Depois relaxei
e telefonei só mais duas ou três vezes antes de voltar', conta. Relaxou,
Sérgio?!
Fobia de férias
Não é só pelo volume de trabalho que alguns profissionais relutam em tirar 30
dias de férias e fazem questão de manter-se em contato com a empresa durante o
período de descanso. Estudo realizado no ano passado pela Isma Brasil mostra que
muitos sentem-se inseguros quanto às mudanças que podem ocorrer na organização
durante a sua ausência. A Isma entrevistou 678 profissionais, de 25 a 55 anos,
de Porto Alegre e São Paulo. Entre eles, 38% disseram ter medo de tirar férias.
O principal motivo (para 46%) é que decisões importantes possam ser tomadas na
empresa enquanto eles não estão lá. Em segundo lugar (32%), eles temem que haja
remanejamento de cargo ou de responsabilidade devido a fusões e enxugamentos.
Depois vem o medo de demissão (19%) e, por último, de que ninguém na empresa
sinta a falta deles (3%). Outra pesquisa, realizada pela Isma nos Estados
Unidos, identificou que, numa escala de 0 a 120 pontos, tirar férias conta 24
pontos de estresse nos dias de hoje, enquanto nos anos 90 contava apenas 13.
'Essas coisas que as pessoas mencionam realmente acontecem, mas a incidência
delas não justifica tanta gente com medo de tirar férias. Os profissionais estão
ficando paranóicos', diz Ana Maria Rossi. Para ela, cabe à empresa tranqüilizar
os funcionários e ser transparente quanto aos movimentos internos, para que
ninguém fique tentando adivinhar o que pode acontecer durante sua ausência, em
conversinhas de corredor. A pesquisa da Isma Brasil também avaliou a
probabilidade de os profissionais manterem os benefícios que as férias
proporcionam ao organismo, quando retornam ao trabalho. Os resultados são
desanimadores: 76% dos profissionais perdem em uma semana os benefícios
adquiridos, como dormir bem, fazer exercícios físicos, ficar relaxado, sentir-se
mais atraente. Já 16% integram os benefícios à sua rotina, 6% retornam de férias
com o mesmo nível de estresse e 2% voltam ainda mais estressados.
O segredo é planejar
Atentas a esse cenário, algumas corporações vêm fazendo campanhas em prol das
férias. É o caso da Roche. 'Tínhamos dificuldade em fazer com que nossos
funcionários saíssem de férias. Há quatro anos resolvemos conscientizá-los do
valor das férias tanto para o profissional quanto para a empresa', conta Octavio
Scheide, diretor de RH da Roche. Hoje, quando completa 11 meses seguidos de
trabalho, o funcionário é convocado a tirar férias, mesmo que não tenha se
manifestado. 'Entre os profissionais existe um sentimento de ser insubstituível,
de achar que a empresa vai parar sem eles. Mas só não consegue sair de férias
quem não sabe delegar tarefas e se planejar', diz Otávio.
A professora Betânia Tanure, da Fundação Dom Cabral, concorda: quem tem
dificuldade de tirar férias é inseguro em relação à sua competência e à
competência de sua equipe ou não tem outras fontes de prazer. Quem sabe do seu
valor e das suas prioridades encontra um jeito de curtir os merecidos dias de
descanso, bem longe dali. Foi exatamente o que fez a psicóloga e administradora
de empresas paulista Luciane Moda, de 33 anos, gerente de desenvolvimento da
Roche. 'Só abri mão das minhas férias num ano em que estava tocando um projeto
importante e sabia que precisava ficar. Então fiz um acordo com o meu chefe:
disse que não iria sair naquele ano, mas que, em contrapartida, no ano seguinte
eu tiraria os 30 dias seguidos, independentemente do que estivesse acontecendo
na empresa, e que iria deixar a equipe apta para tocar o barco', diz. Ela
avisou, ainda, que não iria ficar em contato com a companhia, pois férias pela
metade não a interessavam. De onde Luciane tira tanta segurança? 'Tenho
consciência de que não sou onipotente, nem onipresente. E também conheço minhas
prioridades. Sou casada, tenho dois filhos. Os empregos passam, a família não.
Você tem de negociar o tempo todo - consigo própria, com o marido, com os
filhos, com o chefe, com a equipe.'
Essa negociação também é o segredo da engenheira paulista Juliana Mendes Nunes,
de 35 anos, diretora de assuntos corporativos da Unilever. Ela costuma dividir
as férias em dois períodos de 15 dias e aproveita para curtir o marido, Antônio
Jorge, de 43 anos, e os filhos, João, de 4, e Tiago, de 2. Cerca de duas semanas
antes do início das férias, Juliana divide os projetos que está tocando entre os
gerentes da sua equipe e comunica aos clientes quem cuidará do trabalho. O chefe
também fica com algumas das obrigações dela. Além disso, ela coloca a secretária
a par de tudo, para auxiliá-los. Detalhe: mesmo com todo esse planejamento,
Juliana só fica tranqüila nas férias porque o celular está sempre ligado. 'Se
precisarem de mim, sei que vão me achar.'
Programe-se
Veja como se preparar para as férias e como negociá-las com seu chefe e sua
equipe:
1. Se deseja tirar 30 dias, planeje-se com antecedência e prepare bem
a equipe. Faça uma planilha no começo do ano, estabelecendo metas para os 12
meses, e marque suas férias no período mais leve para a empresa. Na hora de
negociar com o chefe, deixe claro que você tem o controle do trabalho.
2. Aprenda a delegar. Uma equipe bem preparada é a garantia de férias
tranqüilas (mesmo que elas durem pouco tempo).
3. Seja flexível. Caso a empresa viva um momento de crise, adie suas
férias por algumas semanas.
4. Pelo menos 15 dias antes de sair, distribua seu trabalho entre a
equipe (não apenas para um funcionário) e avise os fornecedores e clientes
(internos e externos) quem ficará responsável por cada tarefa. Além disso,
adiante as questões que dependem mais da sua avaliação e know-how.
5. Dependendo da empresa, é essencial deixar um telefone para contato
durante as férias. E pega bem ligar pelo menos uma vez para saber como andam as
coisas.
6. Na volta, peça o feedback da sua equipe sobre o que aconteceu
na sua ausência e quais as prioridades do momento.
7. Não tenha medo de tirar férias. Ninguém é demitido só porque ficou um
tempo fora da empresa. E você precisa recarregar a bateria.