No contexto familiar, uma boa pergunta a se fazer é: que legado deixo para
meus filhos e netos ? Claro que, no sentido com que está sendo colocada aqui,
essa pergunta não se refere à herança de bens e posses, mas às heranças morais,
como caráter, ética, honra e honestidade. Algo que, no futuro, venha representar
para seus descendentes um referencial positivo de atitude, um modelo
comportamental a ser admirado e seguido.
Pois acho válido fazer o mesmo autoquestionamento no contexto organizacional:
enquanto líder, que legado deixo para meus liderados?
Lembrando um pouco do que escreveram Marta Brooks, Julie Stark, e Sarah
Caverhill a respeito , o legado da liderança é constituído pelo conjunto de
todas as suas ações e atitudes que, de alguma maneira, fizeram diferença na vida
das pessoas a quem você liderou. Para aquelas pessoas, essa diferença fará de
você uma pessoa inesquecível, muito mais do que lugares, produtos e coisas.
O legado é deixado sempre por uma pessoa , não por um cargo . Assim, o
verdadeiro legado fará você ser lembrado não pelos títulos e posições que
acumulou e exerceu, mas pela pessoa que você foi. Esse legado é construído ao
longo do tempo, mas nas ações e relações de cada dia, temperadas pela ética,
generosidade e justiça no exercício da liderança.
Talvez James Hunter (autor de O Monge e o Executivo ) tenha se baseado naquelas
autoras quando diz que “ a liderança é uma questão de caráter”. O estudo
anterior do legado já afirmava que “ a razão mais comum para se respeitar um
líder é o seu caráter ” e este seguramente é o mais forte exemplo que ele
deixará para a equipe.
Apesar disso, a julgar pelo que lemos em revistas e jornais especializados,
ainda há organizações que enaltecem os lideres que conseguem resultados a
qualquer preço. Há alguma lógica nisso, porque as empresas precisam de
resultados para sobreviver. Mas, sou de opinião de que, mais que dos resultados,
elas necessitam das pessoas – que são justamente os instrumentos pelos quais os
referidos resultados são atingidos. Logo, a gestão de pessoas deveria ser a
prioridade do Líder, que terá os resultados como conseqüência natural. Claro que
o foco do líder não pode pular para o outro extremo e fixar-se apenas nas
relações interpessoais: o clima interno vai muito bem, obrigado, mas... e os
resultados?
Todos sabem – embora nem todos pratiquem – que a solução está no
equilíbrio , na dose certa do foco da liderança entre resultados e pessoas .
Ainda por meio daqueles mesmos jornais e revistas, fica-se sabendo que há
gestores que não têm a menor preocupação com sua imagem e, portanto, muito menos
terão com a imagem que deixarão de legado. São as consideradas pessoas “
espertas ”, aquelas que querem e sabem “ levar vantagem ” em tudo.
De certa forma, o conflito que os pais vivenciam hoje na educação dos seus
filhos tem alguma semelhança com a preocupação que alguns líderes têm na
formação e no desenvolvimento dos seus liderados.
Os pais se perguntam: devo criar meu filho para ser um carreirista, um
“esperto”, apto a vencer tudo e todos neste mundo canibalizado, ainda que em
prejuízo dos seus sentimentos e valores, ou devo conduzi-lo pelo caminho da
retidão, transformando-o num cidadão ético, honesto e sensível?
Por sua vez, alguns líderes se questionam: devo orientar meus liderados para que
sejam ferozmente competitivos, “ganhadores”, ainda que precisem deixar de lado a
lealdade, a ética e a honestidade – ou devo conduzi-los para o caminho da
competência e da sabedoria, ainda que corram o risco de serem atropelados pelos
“espertos”?
Essa é uma boa questão para a reflexão de pais e líderes, ao definirem o legado
que deixarão para a posteridade.
De minha parte, acho que se trata de uma simples opção sobre a qualidade do
sono. A pessoa que à noite, ao deitar, quer repousar a cabeça sobre seu
travesseiro e desfrutar de uma tranqüila e reparadora noite de sono, não terá a
menor dúvida sobre qual a única atitude recomendável a adotar para orientar
filhos ou liderados.
Mas há quem sofra de “ insônia compensatória ”. Ou seja, há quem ache que vale a
pena passar noites acordado e intranqüilo, receando que sua “ esperteza ” seja
descoberta ou superada.
Um legado assim, feito de espertezas e intranqüilidades, não vale um tostão
furado. E tampouco deveria servir de exemplo para quem quer que seja, muito
menos para quem está com sua auto-estima em dia. Aceitar um legado desses é
cometer um ato de profunda falta de respeito para consigo próprio.
Mas nem tudo está perdido. Felizmente, alguns modelos de gestão de pessoas que
parte do mercado pratica podem ser considerados do Bem. E desses líderes que
praticam essa gestão do Bem é que saem os legados mais verdadeiros e valiosos
que - estes, sim - valem a pena aceitar e seguir.
Tom Peters dizia que “ líderes não criam seguidores. Eles criam mais líderes ”.
Pois é justamente para isso que servem os legados.