O mercado internacional passa pelo maior desafio das últimas décadas, com
perspectiva de recessão em boa parte do mundo, temor quanto à saúde das
instituições financeiras e forte queda nas bolsas. Neste contexto pouco
animador, um dos principais elementos é a crise de liquidez que assola o
mercado. Mas você sabe exatamente o que isso significa?
Antes de aprofundar este conceito, é importante conhecer um pouco melhor qual o
papel das instituições financeiras, pois é na percepção de fragilidade destas
que reside boa parte do problema atual.
Intermediação financeira
Em poucas palavras, os bancos são responsáveis pela intermediação financeira
dentro do mercado financeiro moderno. Isso significa que são os bancos que
captam recursos junto a uma parte do mercado (poupadores) e repassam este
dinheiro a quem necessita destes recursos (tomadores). Sempre que você deixa seu
dinheiro na conta corrente ou investe em um CDB de banco, você está suprindo a
instituição com recursos.
Após captar seu dinheiro (e de todos os outros poupadores que são seus
clientes), a tarefa do banco é repassar estes recursos para os tomadores, que
podem ser pessoas físicas, empresas, governos ou outros bancos, a uma taxa de
juro superior àquela na qual foi feita a captação. Portanto, de forma
simplificada, fica claro o papel central do sistema financeiro: fazer com o
dinheiro circule na economia.
Fluxo interrompido
A crise de liquidez ocorre quando este fluxo de circulação dos recursos na
economia é interrompido ou severamente reduzido. Em um ambiente conturbado como
o atual, muitos bancos se mostram receosos em repassar os recursos, temendo que
o tomador não tenha condições de repagar a dívida.
Caso o tomador seja uma pessoa física, isso significa que ele pode não ter
recursos para consumir ou rolar seu endividamento. Para as empresas, uma redução
do fluxo pode reduzir seu capital de giro, comprimir seus investimentos ou criar
problemas na hora de pagar outras dívidas já existentes. Mas o que acontece
quando o tomador é outro banco?
Bancos e bancos
A resposta depende muito da situação e condição de cada banco. Por exemplo, os
bancos comerciais, que possuem forte atividade junto ao varejo (como Bradesco ou
Itaú, por exemplo) têm como fonte principal de captação pessoas físicas e
empresa, sem precisar recorrer a outros bancos para obter recursos. Em uma
situação como a atual, eles acabam sofrendo menos, pois boa parte da sua
captação não é afetada.
Mas, para bancos que não têm uma base de captação junto ao varejo, como os
chamados bancos de atacado ou de investimento, a situação pode ser muito
diferente. Essas instituições não têm uma base de captação de recursos
diversificada, dependendo de recursos de grandes clientes ou mesmo de outros
bancos, no que é chamado de mercado interbancário.
Em situações onde existe temor em relação à saúde de algumas instituições
financeiras, os bancos que têm recursos a seu dispor reduzem ou interrompem o
fluxo para bancos vistos como potenciais problemas. Foi exatamente o que
aconteceu com o banco de investimentos norte-americano Lehman Brothers, que foi
à falência após ter suas linhas de crédito (boa parte das quais provenientes de
outras instituições financeiras) cortadas, de forma que não teve mais condições
de cumprir com suas obrigações.
Portanto, em cenários como este a desconfiança acaba virando fato: se um banco é
visto como potencial problema, o crédito (principalmente de grandes clientes e
outros bancos) é rapidamente cortado ou reduzido e a questão foge do controle.
Taxas interbancárias e a crise de liquidez
E como saber se existe uma crise de liquidez? Simples! Basta analisar as taxas
de juros cobradas no mercado interbancário, ou seja, nas transações entre
bancos. Atualmente as taxas se encontram em patamares historicamente elevadas,
evidenciando que os recursos disponíveis para instituições financeiras, estejam
elas em problema ou não, são escassos.
Esta crise de liquidez, que pode ser traduzida como falta de recursos
disponíveis no sistema, explica muito do que vem ocorrendo no mercado
atualmente. Analisando a situação do Brasil, ajuda a esclarecer a magnitude da
disparada do dólar e da queda da bolsa.
Dólar em alta
São duas as principais fontes de dólares que entram no Brasil: investimentos
estrangeiros (sejam eles em ativos financeiros ou diretos, atualmente
prejudicados pela incerteza) e comércio exterior.
Boa parte do fluxo de comércio exterior brasileiro é financiado por bancos
internacionais, através de linhas de crédito em dólares vinculadas ao
financiamento da exportação ou importação de produtos. Portanto, em um cenário
de pouca liquidez como o atual, faltam dólares no sistema, o que leva a uma
forte pressão sobre o real.
Como a taxa de câmbio não é nada mais do que a relação entre a oferta e procura
de moedas, uma situação onde poucos dólares estão disponíveis acaba fazendo seu
preço subir, explicando boa parte da atual disparada da moeda norte-americana
frente ao real.
Bolsa em queda
A crise de liquidez também contribui para a queda da bolsa de valores, na medida
em que diminui a quantidade de recursos disponíveis para comprar ações e também
acaba reduzindo as opções daqueles que necessitam de recursos, mas têm ações em
carteira.
Esta é a situação, por exemplo, de investidores como os hedge funds, que tomam
dinheiro emprestado para investir. Com o crédito mais caro ou mesmo
interrompido, a única opção disponível é gerar caixa através da venda de ativos,
no caso as ações em seu poder. Portanto, mesmo com preços baixos (a Bovespa já
caiu mais de 60% em dólares em relação ao seu pico) não resta outra opção.