No dia 15 de
março comemora-se o dia nacional
do consumidor. Esta data foi
oficializada no Brasil pela Lei
Federal nº 10.504, de 08 de
julho de 2002, com o escopo de
difundir os direitos do
consumidor em todo o país. Mas
será que há motivos para tal
comemoração?A noção atual de
consumidores surgiu,
historicamente, com o início do
sistema capitalista, mas foi na
Revolução Industrial no final do
século XVIII, transformadora das
relações políticas, sociais e
econômicas, que a relação entre
consumidor e fornecedor começou
a ter contornos próprios.
Notadamente, em meados do século
XX, com o desenvolvimento
tecnológico e científico, houve
um significativo aumento na
capacidade produtiva das
indústrias, e nesta esteira de
desenvolvimento, a distribuição
e a comercialização dos produtos
manufaturados passaram a ser
massificados.
Este fenômeno da massificação
nas relações de distribuição e
comercialização também implicou
na massificação dos contratos. O
maior exemplo disso é o contrato
de adesão, impondo ao consumidor
um contrato não passível de
negociação ou discussão,
tornando o princípio da
autonomia contratual ou da
vontade soberana das partes para
estabelecer o conteúdo
contratual absolutamente injusto
para o consumidor. Deste modo, o
direito material de então,
apegado aos princípios
civilistas, não respondia ao
desequilíbrio contratual
inerente às relações de consumo,
exigindo, portanto, novos
enfoques e novas regras.
A Constituição de 1988, ao
tratar da ordem econômica,
fundada na valorização do
trabalho e na livre iniciativa,
manda observar, em aparente
contradição, a livre
concorrência e a defesa do
consumidor, destacando, de
pronto, as relações de consumo
no universo das relações
jurídicas.
As relações de consumo,
destacadas constitucionalmente
dentro das relações jurídicas,
mereceram a seguir, o trato
próprio, com base em estudos
enfocados no direito
consumerista, e no tratamento
dado a essas relações em outros
países, através da Lei nº 8.078,
de 11 de setembro de 1990,
também denominada como Código de
Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do
Consumidor trouxe inovações e
peculiaridades que
revolucionaram o tratamento dado
às relações jurídicas de
consumo, ditando regras próprias
para o conteúdo negocial e para
a interpretação de tais
relações, cerceando a liberdade
contratual e o alcance da
pretensa manifestação de vontade
do consumidor nos contratos de
adesão por ele pactuado, bem
como a superação da teoria da
relatividade dos contratos,
possibilitando alcançar-se,
dentro do conceito de
fornecedor, todos os agentes
econômicos, direta ou
indiretamente, envolvidos na
relação de consumo. Nesse
contexto revolucionário, cabe
lembrar a proteção contra os
desvios de quantidade e
qualidade do produto, a
ampliação das hipóteses de
desconsideração da personalidade
jurídica das empresas
fornecedoras, a normatização da
oferta e publicidade do produto,
o controle das práticas e
cláusulas abusivas, a
facilitação do acesso à Justiça
para o consumidor, e a inclusão
de sanções administrativas e
penais contra os desvios do
fornecedor na sua atuação.
Todas estas inovações
coadunam-se aos princípios
norteadores das relações de
consumo e lhes dão eficácia.
Desse modo, pode-se concluir que
a primeira finalidade da lei
consumerista é a proteção
incondicional do consumidor, o
que estaria coerente inclusive
com a sua denominação, Código de
DEFESA do Consumidor.
Poderia ser dito haver uma
contraposição aparente entre os
princípios da defesa do
consumidor e o modelo
constitucional prescrito para a
ordem econômica. Esta
contraposição estaria latente no
próprio artigo 170 ao
estabelecer que a declaração da
ordem econômica se fundamenta na
valorização do trabalho e da
livre iniciativa, com o fim de
assegurar a todos uma existência
digna conforme os ditames da
Justiça social, mandando
observar a DEFESA do consumidor.
Será que a exacerbada
proteção do consumidor está de
acordo com os princípios do
artigo 170 da Constituição
Federal?
A resposta a esta questão é
dada pelo próprio Código de
Defesa do Consumidor, em seu
artigo 4º, inciso III, ao
determinar, dentro das
diretrizes da Política Nacional
de Relação de Consumo, a
"harmonização dos interesses dos
participantes das relações de
consumo e a compatibilização da
proteção do consumidor com a
necessidade do desenvolvimento
econômico e tecnológico de modo
a viabilizar os princípios da
ordem econômica (art. 170, da
Constituição Federal), sempre
com base na boa-fé e equilíbrio
nas relações entre consumidores
e fornecedores".
Será que hoje em dia a
aplicação do Código consumerista
resulta no total equilíbrio das
relações de consumo, na qual a
"balança" da Justiça não
penderia para nenhum de seus
lados, seja do consumidor, seja
do fornecedor? Será que as
regras protecionistas do CDC,
nestes seus quinze anos de
vigência, atingiram um de seus
principais objetivos, qual seja,
a harmonia entre os
protagonistas da relação de
consumo?
O Código Brasileiro de Defesa
do Consumidor certamente precisa
ser louvado pelas brilhantes
inovações. Contudo, os
aplicadores e estudiosos do
direito não podem perder o seu
principal foco que é a "a
harmonização dos interesses dos
participantes das relações de
consumo". Agora, novamente lhes
pergunto, devemos comemorar o
Dia do Consumidor, ou o Dia da
Harmonização das Relações de
Consumo?