Motivação - Criatividade genérica
Quando a brincadeira começava, era tudo colorido. Nós abríamos o estojo com
os bastões de massa de modelar e a criatividade corria solta. As massinhas
tomavam forma e vida em bonecos, carrinhos e animais, tudo colorido. Mas não
ficava assim.
No faz e desfaz da brincadeira, a massa de modelar que não saía das unhas ou
ficava grudada na sola do sapato acabava virando um não-sei-quê de um
cinza-amarronzado sem graça e sem cor. Não restava um traço sequer da vivacidade
das cores originais e o jeito era deixá-la de lado e brincar de outra coisa.
Equipes são assim. Quando a empresa adota uma cultura equivocada, elas logo
perdem suas cores individuais. Preocupada em exterminar o carrapato do
estrelismo, a empresa acaba matando a vaca da criatividade. Então, você encontra
aquelas equipes comuns, nas quais a individualidade é rechaçada até não restar
um traço sequer de talentos singulares com realizações notáveis. Enciclopédias
são produzidas assim, best-sellers não.
É claro que nem sempre é uma questão de zelo corporativo, mas apenas de medo de
algum gerente que não quer acabar na sombra de um subordinado com uma idéia
genial. Aí aquele papo da empresa ser única no mercado só vale da porta para
fora. Dentro, ninguém pode passar de genérico. Ora, quem gosta de ser genérico?
O que se busca em lugares assim não é uma idéia genial que rompa o hímen das
convenções e gere uma nova criação, mas um consenso. Busca-se um resultado
democrático de idéias medianas que fique entre a melhor e a pior cor das
massinhas: o cinza-amarronzado. Já viu alguém formar uma comissão para criar uma
obra-de-arte?
Em uma butique, chamou minha atenção a vivacidade e presteza de uma das meninas
que atendia. Dava para ver que ela era a estrela da casa. Parecia ter rodinhas
nos pés e suas palavras saíam como ramalhetes perfumados. Logo vi que as outras
garotas ou eram cor cinza-amarronzado ou verde-inveja. Cumpriam seu papel de
figurantes e só.
- Essa menina vende por todas as outras! – cochichou radiante a dona da butique
– todo mundo quer ser atendido por ela.
Feliz menina por trabalhar em uma empresa em que a inovação e a criatividade no
atendimento valem ouro. Infeliz menina se trabalhasse em um ambiente de
massificação e emburrecimento, pois seria demitida por ousar botar a cabeça
acima da média. Sim, a criatividade individual amedronta por trazer consigo o
risco do estrelismo. A inovação também.
Mas nem todas as empresas tolhem a criatividade individual. Algumas incentivam o
trabalho de equipes heterogêneas e criativas, onde o talento individual é
estimulado, reconhecido e premiado. Sabem que existem gênios e idéias geniais na
estratosfera do mundo médio e não se preocupam se os créditos acabarem ficando
com seus expoentes.
Se você já percebeu que todo desfile de moda tem alguém que assina a grife, além
de duas ou três Giseles dentre dez dúzias de pernaltas, entendeu como deve
funcionar uma equipe. Mas, se prefere que sua empresa venda comida por quilo, em
vez de ter um restaurante fino, com medo de que os clientes queiram ir à cozinha
cumprimentar o chef, então pode parar de ler.
É claro que equipes são importantes, mas seu papel é transformar em realidade a
criação de um de seus indivíduos. Ainda que se apóie sobre os ombros de
gigantes, como Newton confessava ser o seu caso, é o olhar individual que
enxerga além. Maçãs caíram na cabeça de pessoas durante séculos, mas foi só na
de Newton que causou mais do que um galo.
Criação tem nome, e indivíduos sempre foram reconhecidos naturalmente como
criadores: no velho caderno de receitas de minha mãe tinha uma "torta de
castanhas da Rita", nome da minha irmã.
Até Steve Jobs, chamado por James Gosling, criador da linguagem Java, de "um
tirano com bom gosto", reconhece o talento individual em sua equipe. A primeira
ligação do iPhone que fez em público, na MacWorld, foi para Jonathan Ive, na
platéia. Jonathan é o designer do iMac, iPod e iPhone. É claro que toda equipe
trabalhou na concretização do design ou você está entre os que acham que os
prédios de Brasília foram construídos apenas com os esboços de Niemeyer?
Restringir a criatividade e o talento individuais é antinatural e resulta em
produtos e serviços de um cinza-amarronzado genérico, sem cor nem sabor, criados
por equipes insossas formadas por incógnitos. Até com as massinhas precisávamos
tomar cuidado, quando elas se tornavam cinza-amarronzado. Às vezes, aquilo que
pensávamos ser massinha grudada na sola do sapato, não era. Aí todo mundo corria
lavar as mãos e ninguém mais queria brincar.
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