Ao julgar a ação de duas gaúchas que vivem juntas há mais de três anos, a 4ª
Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) garantiu, por quatro votos a um, o
direito delas se casarem no civil, mesmo sem a união estável. A medida baseou-se
na decisão que o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou em maio, de reconhecer a
união estável entre homossexuais.
Mas qual a diferença entre o casamento e a unição estável? De acordo com a
presidente da Comissão de Direito de Família do Iasp (Instituto dos Advogados de
São Paulo), Regina Beatriz Tavares da Silva, "tanto o casamento como a união
estável são entidades familiares, na conformidade do que diz o artigo 226 da
Constituição Federal. Então, elas têm o mesmo status, e uma relação é tão
importante quanto a outra".
A advogada explica, no entanto, que, "na parte de como se forma, como se
extingue e nos efeitos após a morte é quando existem diferenças". Confira abaixo
como funciona em cada um dos casos!
Formação
Nesse caso, ela explica que o casamento é formalizado por meio de uma
celebração feita por um juiz de paz (no estado de São Paulo, porque em outros é
feita pelo juiz de direito). Depois, o casamento vai para o registro civil e sai
uma certidão de casamento. "É um ato formalíssimo que forma o casamento", diz.
Já a união estável se forma "no plano dos fatos". "Duas pessoas que passam a
viver juntas, formando um entidade familiar, isso é suficiente para que exista a
união estável. A lei não exige formalidade nenhuma", explica Regina.
As pessoas até podem fazer um pacto de união estável, mas é uma escolha do
casal. "Esse pacto é feito, de preferência, perante um tabelionato de notas
[cartório onde se faz escritura de compra e venda de imóvel, por exemplo], por
meio de uma escritura pública, e não tem a mesma formalidade do casamento",
compara.
Extinção
"Na extinção do casamento, você também precisa ter formalidades", ensina a
advogada. Ela explica que, se o casal possui filhos menores, ele tem de ser
extinto perante o Poder Judiciário, na presença de um juiz de direito (em todos
os estados). Já no caso de não haver filhos menores e existir um acordo entre as
partes, poderá ser feita por escritura pública em um tabelionato de notas.
No caso da união estável, sua extinção se dá no plano dos fatos, assim como é
sua formação. "Então, as pessoas deixaram de morar juntas? Está extinta a união
estável", afirma. "Só é necessário provar que, nos planos dos fatos, não existe
mais a união". Algumas formas de provar são por meio do contrato de locação que
estava no nome dos dois e agora está no nome de um, a conta conjunta que não
existe mais e, principalmente, com testemunhas, que é a mais usada, segundo a
advogada.
Efeitos após a morte
Na dissolução por morte de uma das pessoas que forma o casal, existem
diferenças entre o casamento e a união estável. No primeiro caso, ocorre o
seguinte:
- Comunhão parcial: nesse caso, só os bens adquiridos onerosamente durante o
curso do casamento é que se comunicam ao outro cônjuge, ou seja, são bens
comuns. "Isso é a chamada meação, em que cada um tem direito à metade",
identifica Regina. "Mas a pessoa pode ter bens exclusivos. Não pode ter levado
para o casamento um apartamento adquirido antes?" Pelo regime de bens, ele não
vai para o cônjuge. Porém, vai por direito de herança, porque o cônjuge é um
herdeiro necessário nesse regime da comunhão parcial sobre os bens exclusivos do
falecido, em que ele concorre com os filhos do falecido.
- Separação total eletiva: o cônjuge não tem direito à meação, mas é herdeiro
sobre todos os bens do falecido, concorrendo com os filhos do falecido. "Por
exemplo, se o falecido tiver um filho, o cônjuge terá direito à metade do
patrimônio. Se tiver dois filhos, ele vai ser herdeiro na proporção de um
terço".
Na união estável, por sua vez, não existem os mesmos direitos sucessórios. O
companheiro ou companheira - que é o termo usado para se referir aos membros
desse tipo de entidade familiar - vai atingir somente os bens que foram
adquiridos onerosamente na vigência da união estável (o que não inclui os bens
exclusivos). E, mais do que isso, os companheiros não são considerados herdeiros
necessários.
"Qual é diferença disso? É grande", destaca a advogada. "Herdeiro necessário
é aquele que não pode ser retirado do limite da chamada cota disponível. Por
exemplo, uma pessoa casada não pode dispor em testamento mais do que 50% do que
é seu, porque o cônjuge tem direito como se fosse filho". Por isso, no caso da
união estável, a pessoa tem direito aos bens se não houver um testamento que
tire os direitos sucessórios.
Na dissolução em vida, nos casos em que as pessoas se separam, os efeitos são
os mesmos para ambas as entidades familiares. "Os dois têm direito à pensão
alimentícia, por exemplo, assim como têm direito a colocar o parceiro como
dependente em um plano de saúde", acrescenta Regina.
Segurança jurídica
O estado civil de casado é adquirido apenas após o casamento civil. Se o
casal está em uma relação de união estável, eles terão estado civil de solteiro,
divorciado, separado ou viúvo. "Você não pode atribuir um estado civil a uma
relação que não tem uma formalidade", ensina. A pessoa somente muda o seu estado
civil quando há um evento público, como o nascimento de um bebê e o estado de
viúvo e separado.
Inclusive, ela considera um absurdo quem considera que cabe na união estável
um estado civil. "Isso dá uma insegurança jurídica enorme", salienta. Ela
exemplifica o caso de um casal que vivia junto em uma relação de união estável
e, de repente, um deles sai de casa. "Acaba a união estável, não é? Mas ele pode
continuar se apresentando como companheiro e como se ainda estivesse em uma
união estável", justifica.
Por isso, o estado civil só muda com o casamento e a partir do momento em que
o casamento é desfeito.