Saiba como os brasileiros se tornam inadimplentes e aprenda a tomar crédito de
forma consciente
Corte de gastos: eventos como divórcio e desemprego exigem replanejamento
Olhados sob todos os pontos de vista, os números do crédito à pessoa física não
deixam dúvidas sobre a antecipação dos sonhos e desejos de consumo do
brasileiro. O prazo médio para as operações, que era de um ano há exatamente uma
década, passou para 527 dias. Nesse meio tempo, o volume liberado cresceu quase
dez vezes e a taxa média de juros caiu de 76,6% para 40,4% ao ano. Em suma, mais
dinheiro, com horizontes de pagamento estendidos, e, principalmente, a um custo
mais baixo abriram as portas do crédito a um novo contingente de consumidores. A
verdade, no entanto, é que se a facilidade em tomar empréstimos turbina o poder
de compra, ela inegavelmente aumenta o risco da inadimplência. Conheça as
principais causas que fazem o brasileiro se atrapalhar na hora de pagar as
contas, entrando na temida ciranda dos juros:
1. Costume de parcelar
"No passado, o acesso ao crédito era limitado pelas altas taxas de inflação.
Isso mudou, as classes C e D ascenderam e o empréstimo consignado inseriu os
aposentados no mercado", conta Geraldo Tardin, presidente do Ibedec (Instituto
de Estudo e Defesa das Relações de Consumo). Para ele, o principal problema na
hora de comprar está no arraigado costume de adequar as prestações ao tamanho do
bolso, sem considerar o efeito dos juros ali embutidos. "No Brasil, o consumidor
paga parcelado. E ele não quer saber se as taxas são altas ou baixas."
O professor de finanças do Insper Ricardo Rocha faz coro. "Diante dessa
facilidade em financiar, muita gente tem consumido itens que poderiam esperar
para serem comprados à vista. É o caso da troca de um eletrodoméstico quando o
outro está em casa e em perfeito funcionamento", emenda. Antes de tudo, ensina
ele, o consumidor deve se perguntar se não está usando o crédito simplesmente
porque decidiu comprar. Se este for o caso, ele deve se inteirar do Custo
Efetivo Total do financiamento, que nada mais é do que a taxa que abarca todos
os encargos envolvidos nesta operação. Confrontando a diferença de preços, fica
mais fácil saber quando a atitude de dividir no cheque, por exemplo, é antes um
hábito de consumo do que uma estratégia realmente inteligente.
2. Rotativo do cartão
Em geral, o começo do mês é sinônimo de bonança para grande parte dos
assalariados. O dinheiro entra na conta e os gastos já começam a se multiplicar.
Quando o orçamento já não comporta novas aquisições, o cartão de crédito logo
parece a tábua da salvação. Mas ele facilmente vira algoz quando os consumidores
optam pelo pagamento mínimo da fatura. "O sujeito usa o limite do cartão como
complemento da renda. No fim das contas, ele gasta como se ganhasse o dobro e
simplesmente não tem como pagar a conta", afirma Geraldo Tardin, do Ibedec.
Arcando com os juros mais caros do mercado, é certo que este usuário caminhará
na corda bamba do superendividamento.
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A dica é simples: só use o dinheiro de plástico quando você tiver certeza que
conseguirá liquidar a conta na íntegra. Ao optar pelo pagamento mínimo, o
restante da fatura automaticamente entrará no crédito rotativo, com juros médios
de 238% ao ano. O altíssimo percentual supera, com folga, a taxa registrada pelo
cheque especial (138%), empréstimo pessoal (76%) e CDC (34%). Quando quiser
financiar um produto, solicite a operação na própria loja. Os estabelecimentos
dividem as compras em parcelas cada vez mais esparsas e você se livrará dos
juros extraordinários ao pagar a fatura em dia.
Donizét Píton, presidente do Andif (Instituto Nacional de
Defesa dos Consumidores do Sistema Financeiro), aconselha, inclusive, que os
consumidores que têm dificuldade para voltar para casa de sacolas vazias deixem
o plástico em casa. "O cartão é um empréstimo em potencial que já fica no bolso.
Quem não tem meios de concretizar a compra, controla seus impulsos e pensa
melhor antes de voltar ao estabelecimento", diz.
3. Falta de planejamento financeiro
Poupar é um verbo que passa longe do vocabulário financeiro de
grande parte da população. Há quem gaste absolutamente tudo o que recebe. Ainda
mais grave, existem aqueles que desembolsam o que não têm. Para Adalberto
Savioli, presidente da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito,
Financiamento e Investimento), o que motiva esse comportamento é a falta de
planejamento. "As pessoas deveriam agir como as empresas. Para registrar algum
lucro, elas necessariamente controlam o fluxo de caixa para saber quanto entra e
quanto sai", afirma.
Seja com uma planilha digital ou um simples caderninho, registre todos os
gastos efetuados no mês para ter uma noção precisa do montante destinado a cada
tipo de despesa. O consumismo é naturalmente evitado quando você sabe por onde o
dinheiro escoa. Estabelecer objetivos de curto, médio e longo prazo também ajuda
a barrar a vontade gratuita de gastar. Afinal, vale a pena comprar um sapato e
comprometer o reforço que iria para a viagem de fim de ano? Mantendo o orçamento
na linha, você enxerga os excessos e, mais importante, aprende a limá-los.
Medidas simples como trocar os restaurantes pela comida caseira ou as sessões de
cinema pela locadora podem fazer toda a diferença no saldo bancário.
4. Reviravoltas inesperadas
Embora mudem de intensidade e causem conseqüências distintas, as causas mais
comuns para a redução súbita do orçamento costumam envolver demissão, divórcio e
inesperadas despesas médicas. Especialistas recomendam que seja qual for a
situação, é importante encarar de frente a nova realidade e readequar-se a ela.
Se a remuneração aumenta, o consumidor naturalmente modifica - e sofistica -
seus hábitos. O inverso, entretanto, não ocorre com a mesma facilidade. Mas não
adianta manter o mesmo padrão se quem banca essa investida são os bancos e
financeiras. Você certamente será tragado por uma espiral de dívidas e terá
muita dificuldade em se livrar delas.
Para evitar que eventos assim arruínem as finanças, é importante formar um
colchão para imprevistos. "Você nunca sabe quando a situação vai apertar e por
isso é necessário ser previdente", aconselha Donizét Píton, do Andif. "Comece
guardando 10% do que você ganha todos os meses. Ao fim de um ano, você terá um
14º ainda mais robusto". Idealmente, um pé-de-meia seguro corresponde à soma de
três a seis salários recebidos. Portanto, tenha esse objetivo em vista na hora
de poupar. E lembre-se que a atitude pode impedir que qualquer fato novo e
indesejável faça com que você acabe recorrendo ao crédito.
5. O fácil ao invés do barato
O cartão de crédito transporta o bem da vitrine para a sacola em questão de
segundos. Não é preciso tirar dinheiro no caixa, passar as notas adiante e
tampouco sentir na pele a diminuição do saldo em conta. Completada a transação,
o plástico volta à carteira, pronto para ser utilizado mais uma vez. Da mesma
forma, o cheque especial é um limite automaticamente incorporado à conta do
usuário. Esta praticidade acaba tornando sua utilização bastante corriqueira.
Fáceis e rápidas, estas linhas escondem a armadilha dos juros quando não são bem
utilizadas. Enquanto o cartão cobra uma média de 10,6% ao mês, o cheque especial
vem logo atrás com juros mensais de 7,5%.
Antes de recorrer a eles, pesquise as taxas que estão sendo cobradas em
outras modalidades. O crédito consignado e a antecipação do 13º salário e da
restituição do IR estão entre os empréstimos mais baratos disponíveis à pessoa
física (veja
as taxas cobradas nessas linhas de crédito). Para o presidente do Ibedec,
Geraldo Tardin, a dica é priorizar o parcelamento apenas em casos como reforma
de uma casa ou a compra de um terreno. E ainda assim, é preciso cuidado. "Apesar
das baixas taxas do consignado, temos consumidores que não avaliam que terão a
renda encolhida em até 30% durante o prazo do financiamento. Nesse tempo, a
inflação vai corroer os outros 70% do salário, que não sobe na mesma proporção
dos preços do mercado. Ao fim do empréstimo, esta pessoa pode estar vivendo com
50% da renda”, alerta. Antes de optar por uma modalidade de crédito, avalie qual
é a melhor opção para satisfazer sua vontade (ou resolver o seu problema).
E conheça os prós e contras envolvidos nessa escolha.
6. Tentação do consumo
Reconhecimento social e modismo também estão por trás das causas que levam o
consumidor a se endividar. A resposta para a irrefreável vontade de comprar
passa, para algumas pessoas, pela necessidade de ser aceito. O polêmico
psicólogo Geoffrey Miller, autor do livro "Spent: Sex, Evolution and Consumer
Behavior" (ou "Gasto: Sexo, Evolução e Comportamento do Consumidor"), afirma que
"o marketing é a força mais dominante da cultura humana". Para o
norte-americano, é difícil fugir deste apelo por um instinto natural: BMWs,
roupas de grife e gadgets de última geração funcionam como a cauda de um pavão
no mundo animal. São meios de promovermos virtudes biológicas geneticamente
importantes na perpetuação da espécie, como saúde, fertilidade e beleza. Miller
também defende que boa parte do prazer oferecido pelos produtos vem da percepção
inconsciente que eles denunciam traços da nossa personalidade, como estabilidade
e extroversão. Os jovens, por exemplo, se preocupam mais com o que está na moda
porque procuraram comprar aquilo que acuse com fidelidade quais são seus gostos,
qualidades e preferências.
Segundo Rafael Porto, professor da Universidade de Brasília e integrante do
Consuma (grupo de estudos de psicologia social do consumidor), a importância que
atribuímos aos produtos combina os benefícios práticos e simbólicos que eles nos
entregam. Em geral, quanto mais caro for um item, mais pesarão os atributos
intangíveis. Não por menos, as propagandas de carros invariavelmente fazem
sucesso mesmo sem informar a potência do motor ou o preço do veículo. O que está
em jogo é a venda de uma sensação ou estilo de vida. "Geralmente, o crédito é
usado para a compra de produtos mais caros e é exatamente para eles que o
benefício simbólico pesa mais", afirma.
Portanto, entre necessidade e vontade, vale recorrer à razão para avaliar se
um vestido caro ou um automóvel top de linha realmente são indispensáveis ou
apenas alardeiam um poder de compra que não necessariamente encontra
correspondência na sua conta bancária. "O marketing publicitário faz você sonhar
com coisas que não imaginava e o crédito fácil faz você comprar com dinheiro que
não tem", emenda o educador financeiro Reinaldo Domingos.
7. Ciranda das dívidas
Quem está endividado e optou sabiamente por trocar uma dívida cara por outra
mais barata, não deve achar que o problema terminou ali. Marcelo Segredo,
diretor da ABC (Associação Brasileira do Consumidor), alerta que esse indivíduo
deve abandonar hábitos antigos e não contrair empréstimos por outros lados. "É
preciso trabalhar a raiz do problema", afirma. Portanto, faça um check-up das
suas finanças e coloque o pé no freio quando for às compras. "Não adianta ficar
renegociando se não houver mudança de comportamento. Se você adquiriu um
consignado para liquidar a dívida do cartão, não volte a usar o dinheiro de
plástico pagando apenas a parcela mínima. Do contrário, terá trocado a primeira
dívida por outra mais barata, mas voltará a dever dali a pouco", reforça.
Segredo ensina ainda que os descontos para quem resolve liquidar as
pendências de uma vez só podem chegar a 40%. Com o dinheiro em mãos, vale
contatar o banco ou financeira antes de honrar os compromissos. "Mas isso só
vale a pena para quem se reeducou financeiramente, colocou o orçamento em dia e
descobriu onde está gastando demais", ressalva. "Ainda sou da opinião que a
consciência deve estar no pagamento com o que se ganha, e não fazendo mais
dívidas."
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